por: Tereza Cruvinel
Existe censura no Brasil? Claro que não, dirão todos, lembrando a garantia constitucional da liberdade de imprensa e expressão. Mas está em marcha acelerada, desde a posse de Temer, um processo de controle da informação que dispensa o recurso ao mecanismo obsoleto da censura para garantir a prevalência do “discurso oficial”. Para isso, o governo, em sintonia com os grandes conglomerados de mídia que o apoiam, trata de suprimir todas as brechas para a expressão de discursos divergentes e informações inconvenientes à sua consolidação e ao avanço de seu projeto neoliberal.
Um dos instrumentos de que dispõe o Estado para controlar o que vamos ler, ouvir e assistir é o financiamento, e o governo Temer tem sabido utilizá-lo. Em decorrência, até a autocensura, que na ditadura poupou alguns veículos da censura oficial, tem renascido nas redações. Vale recordar a escalada de ações para controlar a informação jornalística desde a posse de Temer como interino, em maio passado.
A última ofensiva não veio do Governo e sim da ANJ, a Associação Nacional de Jornais, mas seu objetivo é convergente com os do governo. Foi a ação contra os sites independentes estrangeiros publicados na Internet em língua portuguesa, como BBC Brasil, El País Brasil, The Intercept Brasil e outros mais. Alega a ANJ que eles violam a prescrição constitucional de que empresas jornalísticas devem ser controladas por brasileiros. O que incomoda nestes sites não é a nacionalidade de seus editores nem a disputa de publicidade, pois estão longe de ameaçar o faturamento dos grandes veículos nacionais. O que incomoda é o contraste de seus conteúdos independentes com o pensamento alinhado das mídias nativas. Então, é preciso acabar com isso.
Na semana passada foi instalada a comissão especial que analisará a MP 744, que altera a legislação da Empresa Brasil de Comunicação, a EBC. O relator indicado pelo campo governista foi o senador pedetista gaúcho Lasier Martins, que atuou por quase 30 anos no grupo RBS, cujas emissoras são afiliadas à Rede Globo. Ele se licenciou da RBS em 2014 par concorrer ao Senado mas é tido e havido como representante do grupo. Seu parecer deve ser pela aprovação integral da MP de Temer.
Ela é consequência da intervenção que o governo, ainda interino, fez na EBC em maio passado, quando demitiu o diretor-presidente Ricardo Melo, que tinha mandato a cumprir, e nomeou para seu lugar Laerte Rímoli. Como o STF garantiu o mandato de Melo, o jeito foi mexer na lei através de uma MP. Ao suprimir a figura do mandato ela produziu a perda de objeto da liminar do STF e o afastamento definitivo de Melo. Mas o que o governo busca com as mudanças na EBC – que incluem o fim do Conselho Curador da empresa, majoritariamente composto por representantes da sociedade, e a nomeação de todos os diretores pelo presidente da República – é suprimir os espaços para a pluralidade de opiniões, ali vigentes por força da própria lei, que assim o determina. Para isso, além do afastamento de Melo, houve ali um expurgo de jornalistas, que começou por mim, sob a acusação de serem alinhados com o governo afastado. Isso, quando o impeachment ainda nem tinha sido concluído. Dezenas de gestores também foram afastados com o mesmo argumento. Pronto, a casa foi ideologicamente limpa. Agora, é só aprovar a MP.
Controlando a EBC, o governo alinhou seus conteúdos com o discurso oficial, seja na TV Brasil, nas rádios ou na Agência Brasil de notícias. E vem usando despudoradamente estes veículos que ERAM públicos como canais de comunicação oficial. Na segunda-feira, foi através da Voz do Brasil (reformulada, com volta ao antigo refrão) que Temer anunciou dois programas sociais, o Cartão Reforma e a regularização de residências irregulares. Os jornalistas da EBC já sabem o que não devem escrever ou dizer no ar. É a autocensura. Mas a censura velada também existe, com a supressão de matérias “desinteressantes”. TV Brasil (pública) e NBR (canal do governo federal) são dirigidas pelo mesmo profissional. Agora, tudo ali é governamental.
Na votação da MP, a oposição tentará restabelecer a natureza pública da EBC, que começa pela restauração do conselho que sempre atuou em nome da sociedade. Não deve ter os votos. Eu, particularmente, acho que o governo deve ter a honestidade de mexer em outras partes da lei, deixando claro que a EBC é SUA agência de comunicação governamental, e não gestora de um sistema publico de comunicação, como diz a lei, e continuará dizendo nas partes que não serão modificadas pela MP. Os bois precisam ter nomes nesta hora. O governo tudo pode, inclusive isso, mas deve assumir o que está fazendo.
Logo depois da intervenção na EBC o Planalto cortou a publicidade em todos os sites e blogs alternativos, sob o argumento de que publicam opinião e não informação. Este 247, incluído. Todos eles continuam no ar, no que pese o cálculo do governo de que só existiam porque tinham patrocínios de empresas e órgãos públicos na era petista. Os recursos cortados foram destinados aos grandes veículos, que supostamente só publicam informação. Este, um argumento descarado, porque além da opinião explícita, até no jardim de infância se sabe que a a seleção e edição de informação pela mídia obedece a critérios editoriais que configuram opinião. Antes, contra o governo. Agora, a favor. As verbas publicitárias oficiais são o grande instrumento de controle da mídia, e o governo as engordou para os grandes veículos. Em contrapartida, tem colhido boa vontade e submissão. Alguém leu alguma coisa sobre os R$ 500 milhões de emendas parlamentares liberadas nas vésperas da votação da PEC 241 pela Câmara? Nem eu.
Afora o governo, existe a Lava Jato, este poder que paira. Quando um articulista da Folha de S. Paulo publicou críticas ao juiz Sergio Moro, ele permitiu-se dizer ao jornal que conteúdos como aquele não deviam ser publicados. O autor não representa a opinião do jornal, desculpou-se a Folha reverentemente. E não se leu mais ali ataques ao juiz de Curitiba.
Mas há outros mecanismos, e um deles são as concessões de rádio e televisão. Recentemente o governo anistiou todos os concessionários que estavam irregulares, com renovações atrasadas por perda de prazo ou descumprimento de normas burocráticas. Todos, menos as rádios e TVs comunitárias e educativas que estavam na mesma situação. Foram suspensos todos os editais, já marcados, que previam novas concessões de rádios comunitárias. E, silenciosamente, sem que ninguém publique, novas concessões de rádio e TV estão sendo autorizadas. A farra vai crescer na medida em que as reformas liberais tiverem que ser votadas pelo Congresso.
Está em curso, portanto, uma agressiva política de controle de conteúdo. Aquilo de que o PT era acusado sempre que cogitava abrir o debate sobre a regulação dos meios de comunicação, com vistas a atualizar um marco regulatório caduco, que permite o que nenhuma democracia permite: concentração dos meios em oligopólios e propriedade cruzada de veículos, por exemplo.
Controlada a circulação de informações, pensamentos alinhados em sentido único, teremos um tipo de pacificação. Não a conciliação entre os contrários, própria da democracia, mas aquela que vem pelo aplastamento das coincidências e o silêncio de todas as vozes dissonantes.