O retorno à celebridade do longevo Weber deve-se à recuperação de seus conceitos de possibilidade objetiva (quando não há impedimento lógico ao surgimento de algo) e de causalidade adequada (o especial piparote que transformará algo possível em fato material). Foi do casamento entre uma possibilidade e um piparote que se gerou, muito mais do que o capitalismo, a teoria do domínio do fato: o capitalismo era, entre outras, uma possibilidade histórica que, por felicidade, encontrava no domínio da religião protestante (mas não no da religião budista, por exemplo), o poder de materializá-lo. E para assegurar-lhe a capital existência entregou o monopólio do uso legítimo da violência ao Estado, ocupando-o com uma burocracia recrutada por critérios de competência, submetida a códigos de aplicação impessoal e disciplinada por severa hierarquia de obediência. Pois, rumorejam por aí, esses órgãos dão sinais de falência, levando o sistema nervoso weberiano à extrema inquietação; à breca, como se diz, com o país ingressando em confusa clandestinidade institucional.
O monopólio da violência foi desmantelado quando o Estado despedaçou-se em trincheiras regionais, judiciais, funcionais, tais como as disputas entre bandos facinorosos, e que se confrontam dentro e fora dos xadrezes. Quem manda em que prisão, destacamento armado ou quarteirões públicos são conflitos que escaparam ao controle dos traficantes de drogas e se instalaram nas enxovias da administração do Estado. E legítima deixou de ser a violência codificada, mas a arbitrariedade vitoriosa na competição entre máfias com alvará de licença para vinganças. O velho Max tem toda razão de andar horrorizado com o que fizeram do seu ideal-típico Estado.
A teoria do domínio do fato foi há tempos reduzida à categoria de cognição a voo de pássaro, estando canceladas todas as impossibilidades lógicas, principalmente a de que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Temos agora autoridades impolutas com robusta carteira de ilícitos financeiros; temos pré-presos, denunciados justamente ao não se comprovarem as acusações originais; e, esta é de cabo de esquadra, temos juízes declarando que todas as leis de que discordam são insubsistentes.
Dando tudo por visto, desfez-se o casamento entre a possibilidade objetiva e a causalidade adequada, sob o império da teoria do domínio do fato, na versão weberiana, instaurando-se em substituição o concubinato entre as impossibilidades convenientes e as causas de acesso esotérico, sob a regência de cognições precursoras. Se o ragu parece um tanto mistifório, não se afobe; o Estado, digo, o Estado-retalho de quistos mafiosos está aí mesmo para garantir a esbórnia da clandestinidade.