por: Valton Miranda
O título acima se encontra em um texto escrito pelo filósofo Walter Benjamin após ler “As Memórias de Daniel Paul Schreber”, que Freud imortalizou ao examinar seu conteúdo da perspectiva psicanalítica, estudando o mais exemplar delírio paranoico registrado autobiograficamente.
O juiz Schreber tinha notável cultura, sendo leitor voraz dos clássicos, pianista e poliglota. Nasceu em Leipzig, em julho de 1842 e morreu em 1911, deixando o legado do delírio paranoico que serve de modelo para a compreensão de todas as formas de paranoia, como também depois do estudo freudiano, suscitou a curiosidade investigativa de pensadores em todo o mundo.
A minha curiosidade sobre Schreber ultrapassa muito a formação psicanalítica, pois sempre pensei o delírio do juiz de Dresden como fundamentalmente ancorado na política e no poder, sendo o delírio instrumento para a realização da esperança de transformar o povo alemão “degenerados” num corpo social purificado. A sua convicção delirante de combatente contra a corrupção do mundo estava organizada, como toda alucinação paranoica, dentro de um sistema no qual uma Nova Ordem seria estabelecida.
Meu entendimento se fortaleceu quando li o ensaio de Elias Canetti sobre a paranoia de Schreber, compreendendo que a ideia alucinada do juiz tinha na convicção de purificação do mundo, o centro sobre o qual todos os corruptos deveriam ser banidos da face da terra.
A complexidade do processo delirante no qual se misturam milagres de toda espécie e a restauração de uma ordem degradada onde o judeu era a manifestação mais visível da decomposição mental, orgânica e social é de difícil exame em espaço tão exíguo. A questão sexual colocada nas “Memórias” é secundária e instrumento para alcançar o objetivo grandioso de geração da raça pura.
O delírio de Schreber é uma doença do poder, mostrando que o inconsciente organiza-se como funcionamento político e paranoico, atingindo níveis extremos em indivíduos como Hitler, Stalin e principalmente em juízes que se acreditam “donos da lei”.
O caldo de cultura do nazismo já vinha se constituindo com a música de Wagner, a mitologia de Odin, a filosofia de Heidegger, sendo o delírio schreberiano a notável antecipação do delírio hitleriano. Era o fim de um mundo e o começo de um novo tempo, no qual o Super-homem estava equiparado ao próprio Deus.
Quando afirmei que a paranoia é o combustível da política, há quase vinte anos, não pensara que a história me daria razão com os Trumps, os Le Pen e os Bolsonaros e agora com o surgimento de um juiz que se acredita sujeito e objeto histórico no Brasil, que pretende combater a corrupção inerente ao mercado do capital, empunhando uma ética às avessas, um direito sem justiça e uma lei apodrecida.
O espetáculo midiático do promotor D D, acusando Lula “sem provas mas com convicção” mostra a ousadia da ditadura comissionada que rompe a Democracia em nome da Lei.