por: Mauro Santayana
Imaginem o que ocorreria se um executivo de uma multinacional brasileira, como a WEG, desse, por hipótese, uma entrevista para um jornal alemão, o Handelsblatt, por exemplo, afirmando que é preciso decidir que tipo de Alemanha “queremos” para o futuro, comparando-a, digamos, com a Ucrânia.
Pretendendo dar lições ao país em que está instalada a empresa para quem trabalha, o Presidente da Mercedes Benz no Brasil, senhor Phillipp Schiemer, em plena semana de julgamento do impeachment da Presidente da República, declarou, em entrevista ao Valor Econômico da sexta-feira passada, amplamente repercutida por sites de direita, que a ela pretenderam dar um cunho ideológico, que é preciso decidir “se queremos um Brasil como a Venezuela ou um Brasil inserido no novo mundo”, como se, neste humilde, e, quem sabe, paralelo universo em que nos coube viver, cada vez mais desafiado pelo avanço da física quântica e de outras intrigantes descobertas, não tivéssemos mais alternativas que a submissão ou o caos – no caso venezuelano fortemente induzido por pressões internas e externas – ou dependêssemos da opinião de cidadãos estrangeiros para decidir o futuro que queremos ter como Nação.
Ora, com todo respeito por Herr Shiemer e pelos problemas que assolam o povo venezuelano, o Brasil está longe de ser uma Venezuela.
O Brasil é a nona economia e o terceiro maior fabricante de aviões do mundo. A Venezuela não o é. O Brasil é detentor das sextas maiores reservas internacionais do planeta, de 374 bilhões de dólares, e o quarto maior credor individual externo dos EUA. A Venezuela não o é.
O Brasil tem uma indústria que se encontra, em parte, em crise, mas que é disseminada e diversificada, o que não é também o caso da Venezuela, que tem, historicamente, uma excessiva dependência do petróleo, commoditie cujo preço derreteu nos últimos 3 anos, fato que deve estar ligado, certamente, à atual escassez de reservas que assola avassaladoramente a economia desse país sul-americano.
Por outro lado, resta saber, também, a que “novo mundo” o Sr. Phillip Schiemer estaria se referindo em sua fala.
Ao mesmo velho mundo da época do Império persa ou do romano, que se consolidou com o advento do mercantilismo, em que as diferentes colônias ou países tinham que acomodar seus mercados e seus sistemas produtivos aos interesses de grupos econômicos estrangeiros?
Ao mundo de empresas como a então Companhia das Índias Ocidentais, ou, hoje, a Mercedes Benz, em que nações tem que adaptar os preços cobrados de seus consumidores e os salários pagos a seus operários da forma mais adequada a maximizar o lucro obtido por multinacionais que operam, em todo o mundo, muitas delas pressionando e eventualmente chantageando os governos e as nações em que estão instaladas?
Ou ao novo mundo da China, quem sabe, em que um país historicamente explorado volta a levantar a cabeça e dita suas normas aos seus antigos invasores e controladores, transformando-se no maior credor do planeta ou na segunda economia do mundo, sem ceder um centímetro de seus interesses?
Se fôssemos obrigados – o que não é o caso – a uma escolha, há, com certeza, brasileiros – e não são poucos – que prefeririam, do ponto de vista da soberania nacional, o modelo chinês àquele que o senhor Phillipp Schiemer nos está propondo.
O modelo chinês, mesmo que distante, porque, por lá, pelo menos, do ponto de vista de vergonha na cara, a situação é outra, completamente diferente.
Pequim investe diretamente em tudo que envolve tecnologia – incluída a produção de automóveis – melhora as condições de vida e de consumo da população – (o mercado automobilístico chinês já é o maior do mundo e crescerá em média, 5% por ano até 2020) e por lá as multinacionais se adaptam aos interesses do governo e do país, ou caem fora, sem que executivos de empresas estrangeiras, como é o caso dos representantes da Mercedes Benz na China, ousem dar pitacos de ordem política em assuntos de interesse nacional.
Com todo o respeito, também, pelo democrático e sagrado direito à liberdade de expressão, e pelos 14 anos de trabalho passados, em diferentes ocasiões, pelo ex-presidente mundial de marketing da Mercedes Benz em nosso país, assim como pelos problemas e desafios que sua empresa está enfrentando no Brasil neste momento, que não são poucos, com uma brutal queda na venda de caminhões e a demissão de centenas de trabalhadores, manda a boa educação que os hóspedes – e o Sr. Phillip Schiemer é um hóspede no Brasil – se abstenham de meter a colher nos assuntos da casa.
Ou que se comportem com certo comedimento, mantendo-se no terreno econômico sem invadir a seara da política, para evitar dar a impressão de que estão se imiscuindo em assuntos internos, principalmente em momentos decisivos, de grande efervescência e radicalização político-partidária.
Há formas e formas de se ver e de se dizer as coisas.
Primeiro, porque se fôssemos ver a realidade apenas do ponto de vista macroeconômico, por exemplo, em certos aspectos, como dívida pública com relação ao PIB e reservas internacionais mesmo (71% e 200 bilhões de dólares) alguns poderiam dizer que a situação do país do Sr. Shiemer é pior do que a nossa.
E em segundo lugar, porque, como cidadão alemão, Herr Schiemer provavelmente não gostaria, por mais improvável que seja, que um executivo chinês ou um dirigente de empresa russo, por exemplo, falasse da mesma forma que ele fez no Brasil, com relação à Alemanha.