por: Sérgio Sérvulo

Saiu hoje (24.08.2016), no jornal Estado de São Paulo:

“Em uma das mais contundentes manifestações feitas contra procuradores da Lava Jato por um membro do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes afirmou ontem que ‘é preciso colocar freios’ na conduta dos investigadores.”

Pergunto-me se, nessa declaração, não haverá “obstrução da justiça”. O Ministro quer interferir, ou diz que é preciso interferir nas investigações, para impedir que elas continuem sendo feitas ao modo como vêm sendo feitas.

Eis aí uma locução (“obstrução da justiça”) que merece análise. Procuro-a no Código Penal e não a encontro.
Encontro, por exemplo, “desacato” (art. 331), cujo conteúdo é a ofensa ou a recusa do acatamento devido ao servidor público no exercício de suas funções. Mas isso, por si mesmo, não se inclui nos crimes contra a administração da justiça, que se acham discriminados nos arts. 338 a 359 desse código, entre os quais vejo “a comunicação falsa de crime ou de contravenção” (foi o que acabaram de fazer, na Olimpíada, alguns nadadores norte-americanos), o “falso testemunho”, o “arrebatamento de preso”, etc.
No art. 2° da lei 12.850/2013, que trata de organizações criminosas e da delação premiada, encontro que é crime impedir, ou de qualquer forma embaraçar a investigação penal que envolva organização criminosa.

Pergunto-me se estaria incluída, nesse tipo, a conduta de alguém que tenta dissuadir outrem de fazer um acordo de delação premiada.

Pergunto-me também se essa conduta está incluída no direito de defesa de alguém que está sendo perseguido “desenfreadamente” pelo Ministério Público e por juízes de exceção.

Sempre se aprende lendo a lei. Não encontrei esse tipo no código penal, mas encontrei, por exemplo: “Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”. Esse crime se chama “exercício arbitrário ou abuso de poder”.

Visto que minha tarefa aqui consiste em perguntar, também pergunto: a condução coercitiva para prestar depoimento, determinada por juiz incompetente, de alguém que não se havia recusado a depor, é crime de abuso de poder?

Por essas e por outras razões é que me recuso a usar, levianamente, o termo “justiça”. O poder judiciário tem tanto a ver com a justiça quanto tem a ver um hospital com a saúde.