por: Sérgio Sérvulo
A fim de dotar a investigação criminal de meios preventivos mais eficazes, no combate ao crime organizado, editou-se em agosto de 2013 a lei 12.850, ampliando o número dos meios legais até então previstos para a obtenção de provas.
“Organização criminosa” (em vez de “quadrilha ou bando”, como até então se dizia), segundo essa lei, é “a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Ao mesmo tempo, cominou-se pena para quem “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.”
Entre esses meios legais, inusuais ou extraordinários, além da “colaboração premiada”, incluiram-se: a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos; o acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas; o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal; a infiltração de policiais na organização criminosa; a “ação controlada” (isto é, o retardamento da intervenção da autoridade até o momento mais oportuno).
A colaboração premiada – vulgarmente conhecida como “delação premiada” – significa o seguinte: a autoridade competente faz um acordo com algum investigado ou réu, visando obter informações sobre a organização criminosa e suas atividades, em troca de decisão que o favoreça.
Trata-se de um alto negócio para o delator, pois ele pode até mesmo livrar-se da persecução penal, pondo outro, literalmente, em seu lugar. O processo penal pode então prosseguir apenas contra o(s) delatado(s), ou, conforme a natureza do benefício concedido ao delator, contra ele e mais os que tenha delatado. A acusação será pela participação em organização criminosa, ou também pelos crimes praticados por meio desta.
Embora seja nitidamente preventiva a finalidade dessa lei, cabe a pergunta: ela incide quando o objetivo da investigação não for identificar e desbaratar a organização criminosa, mas punir crimes praticados por organização criminosa no passado?
Admitamos que sim. Nesse caso, é preciso forçar a mão, porque pode haver algumas dificuldades.
Por exemplo, é importante distinguir:
a) de um lado, a delação, e o respectivo acordo, que produzem efeitos em favor do delator;
b) de outro lado, a prova obtida mediante a delação, da qual se pretende extrair efeitos contra o(s) delatado(s).
A prova obtida mediante a delação é, em si mesma, prova testemunhal. Esta é considerada a mais frágil das provas, a ponto de, tradicionalmente, não se considerar suficiente, para a condenação, o depoimento de uma única testemunha (“testis unus, testis nullus”). Por isso, diz a mesma lei 12.850 que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Dada a fragilidade da prova testemunhal, a lei costuma cercar, de alguns cuidados, a sua produção e os seus efeitos. Por exemplo: ao ser ouvida, a testemunha deve prestar um compromisso de dizer a verdade; e, se é surpreendida em mentira, é sujeita a um processo por falso testemunho. Acontece que essas circunstâncias não são levadas em conta no acordo de delação.
Há muitos outros aspectos relevantes a observar na delação premiada. Por enquanto, assinalamos apenas este (copio algumas linhas da lei 12.850):
“Art. 5o São direitos do colaborador: ………………..
II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;……………………
V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;………..
Art. 7o O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto……………..
§ 3o O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5o.”
Talvez essa parte dessa lei tenha sido alterada, e esqueceram de nos avisar. Porque vazar contra o PT pode, vazar contra a presidente da república pode, vazar contra o ex-presidente Lula pode. Só não pode vazar contra ministro do STF.