por: André Singer

Enquanto o Parlamento afia a guilhotina que cortará ao meio o mandato de Dilma Rousseff, a presidente afastada produz documentos para o futuro.

Nada de errado na postura.

Pena que a carta endereçada aos senadores na última terça-feira (16) tenha se perdido em fantasiosas projeções em vez de trazer elementos novos a respeito de como chegamos a este ponto.

DilmaApontandoQuem sabe o pronunciamento da segunda (29) perante o Senado seja mais substancioso.

Para ficar em apenas um aspecto, a presidente poderia revelar como, de um ano para cá, a dupla Michel Temer”” Eduardo Cunha atuou para derrubá-la, bombardeando qualquer possibilidade de acordo capaz de tirar o país da crise sem revogar direitos.

Vale lembrar que, naquela época, empresários e trabalhadores começavam a conversar sobre um pacto de retomada do crescimento.

Ao contrário do que se esperava, a radicalização veio de dentro do próprio sistema político.

Menos intuitivo ainda: emergiu do partido da conciliação e da cordialidade, o PMDB.

Por isso, nestas plagas, é sempre prudente ler Sérgio Buarque com atenção e desconfiar da brandura exterior.

Vista em retrospecto, a senha de queimar as naves foi dada pelo atual interino na quarta-feira, 5 de agosto de 2015, quando declarou que o país precisava de alguém que tivesse a “capacidade de reunificar a todos”.

Veja-se a descrição da repórter Marina Dias : “Visivelmente nervoso, balançando o corpo para frente e para trás enquanto discursava a jornalistas, Temer fez um apelo público a partidos políticos e setores da sociedade”.

Tratava-se de um apelo para defenestrar Dilma.

A perplexidade com a possível traição do vice permitiu, que, na hora, a cortina de fumaça do mal-entendido funcionasse e, enquanto as interpretações proliferavam, o ex-presidente da Câmara, o qual havia anunciado o seu próprio rompimento com o Planalto poucos antes, agia.

Não por acaso, o pedido de impeachment foi protocolado na Casa do Povo em 1º. de setembro.

Claro que a recessão e as revelações da Lava Jato (assuntos sobre os quais Dilma também deveria falar) criavam ambiente propício a extremismos.

Assim, a dobradinha foi agregando apoio social à proposta golpista, desde o início alimentada por ala do PSDB. Porém, o suporte necessário demorou.

Veio só com as manifestações de 13 de março passado, após Lula ser submetido à condução coercitiva e a sua nomeação para a Casa Civil bloqueada, ambos fatos divulgados de maneira maciça e mobilizadora.

Para a corte senatorial, pouco importa localizar os verdadeiros autores dos crimes de responsabilidade, pois o julgamento será político.

Para o tribunal da história, no entanto, conta bastante.