por: Paulo Moreira Leite
É preciso ter cautela diante da denúncia de que o interino Michel Temer recebeu R$ 10 milhões em dinheiro vivo da Odebrecht, conforme a revista VEJA divulga esta semana.
Tanto o arquivamento como a investigação de acusações de natureza política, em nosso país, constituem processos abertamente seletivos.
Aprendemos isso na AP 470 e no mensalão PSDB-MG.
No metroduto de São Paulo e nas várias denúncias já surgidas contra Aécio Neves.
Nos mistérios do jatinho onde morreu Eduardo Campos, cujo esclarecimento poderia levar ao financiamento de campanha de Marina Silva, em 2014.
Nos dez milhões pagos ao senador Sergio Guerra para bloquear investigações numa CPI que poderia esclarecer negócios suspeitos na Petrobras.
A lista é longa, e inclui o caso mais gritante de 2016: Eduardo Cunha, cuja punição será adiada até onde for necessário para evitar qualquer tumulto que possa prejudicar o afastamento definitivo Dilma Rousseff.
Na currículo do interino Michel Temer, consta – conforme simples consulta a Wikipedia esta manhã – um conjunto de acusações graves em busca de esclarecimentos límpidos.
Uma das mais antigas sustenta que, como Secretário de Segurança do governo de São Paulo, mostrou-se conivente com o jogo do bicho, um velho e amplo esquema de corrupção da política paulista, até que o caso foi arquivado no STF em 2006.
Em vários países sul-americanos, a denúncia de que um político colaborou com a CIA costuma ser suficiente para arruinar sua carreira por traição a pátria, como lembra o caso de Carlos Andrez Perez, presidente da Venezuela no período anterior ao governo Hugo Chávez.
A denúncia de que Temer foi informante da embaixada dos EUA foi divulgada pelo Wikileaks, em maio, reproduzida em tom compreensível de espanto em vários do planeta mas não gerou maiores explicações.
Temer foi incluído numa relação de políticos beneficiados com uma mesada de R$ 100 000 do esquema do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.
Como aprendemos após tantos episódios, as denúncias de corrupção não costumam ter valor em si – mas em função de sua utilidade política de cada momento.
A acusação da Odebrecht contra Temer tem uma gravidade que não se encontra em nenhuma denúncia contra Dilma Rousseff, afastada do cargo pelo golpe de abril-maio.
Não se compara ao apartamento do Guarujá nem ao sítio de Atibaia de Lula – casos que, apesar das 1000 repetições da formula da publicidade do nazismo elaborada por Joseph Goebbels, continuam sendo mentiras que não se transformaram em verdade.
O horizonte é mais complexo, porém.
O país atravessa a mais grave crise política e econômica de sua história.
Encontra-se num deserto sem perspectivas, sob dominio de uma articulação que envolve a grande mídia, a parcela mais influente do Judiciário e o empresáriado o que representa 1% da população mas consegue submeter 100% do país a seus interesses.
Eles exercem o poder, diretamente, sem intermediários, como recomendaria a boa prática representativa.
Mantem em posição subordinada, como se fossem cachorrinhos amestrados sob a lona de um circo, uma parcela dos políticos do PSDB, PMDB, DEM e vizinhanças, conduzidos a defender seus interesses e maquinações.
Numa situação em que a democracia encontra-se sequestrada, o objetivo comum é impor uma derrota de longo curso às lideranças responsáveis pelos 13 anos de governo Lula-Dilma, esmagando quem resistir e arrancando a raiz de novas sementes que poderiam germinar. Esta é a prioridade.
Gilmar Mendes já fala em extinguir o Partido dos Trabalhadores.
Vale até fechar os olhos para medidas típicas de ditadura, como proibir cartezes e camisetas Fora Temer nas Olimpíadas.
Temer é protegido e será preservado enquanto puder contribuir para isso.
Trouxe uma solução sob medida para um golpe que não ousava dizer seu nome. Era o vice, condição que poderia evitar atropelos formais contra a Constituição. Tornava a saída de Dilma menos escandalosa.
O vice estava pronto para trair, enquanto resmungava que não era bem tratado pela titular. A todo momento, mostrou disposição para defender a casca do ritual de impeachment.
Temer será abandonado e conduzido à vala comum reservada a Eduardo Cunha, quando e se não tiver mais serventia.
Até lá será cozinhado em fogo brando, para que a deposição, caso venha setornar inevitável, não implique na convocação de novas eleições.
Este é o ponto central, a linha divisória.
Neste momento, qualquer debate, toda discussão, pode representar um oxigênio ao conjunto de lideranças atingidas pelo golpe, que podem ganhar oxigênio e espaço para explicar o que aconteceu.
Não há saída?
Há.
É difícil mas não custa lembrar que os homens nunca puderam escolher as condições em que irão atuar para defender causas justas e interesses respeitáveis. Numa situação desfavorável, a prioridade número 1 consiste em reagrupar as forças que resistem ao golpe para defender o retorno da legalidade democrática, que se inicia com a volta de Dilma à presidência.
A prioridade do novo governo consiste em convocar um plebiscito, que autorize a realização de novas eleições presidenciais. A democracia pode ser recuperada. Esta é a luta, agora. Mais do que nunca, Fora Temer!