por: André Singer
Nada como a realidade efetiva para entender as coisas (Maquiavel).
Três meses atrás escrevi que o governo interino precisaria de muita sorte para superar os óbices que o ameaçavam.
Devo reconhecer que não teve fortuna especial, mas ainda assim caminha para firmar-se.
Como foi realizado o milagre?
Simples: unificou as classes dominantes e esvaziou a reação das dominadas. Nada mais óbvio. Convém, no entanto, ver de que maneira o fez, pois há lições a tirar daí.
Em relação à economia, o ministro Henrique Meirelles teve a habilidade de não praticar nada, com a aparência de estar realizando tudo. Explico.
O nó górdio consistia em aprofundar o ajuste fiscal sem com isso deprimir ainda mais uma economia que caminha para o terceiro ano de estagnação/recessão.
Meirelles cortou o nó, atuando em dois tempos.
De imediato, não houve redução de despesas.
Pelo contrário, abriu-se espaço para gastos extras, que contentaram o Congresso, setores do funcionalismo e governadores.
Em compensação, se enviou ao Parlamento um plano de longo prazo que, se passar, será “a primeira mudança estrutural na questão da despesa pública desde a Constituição de 1988”, nas palavras do próprio Meirelles.
Isto é, ao não produzir novas tesouradas agora, deixa que os sinais tímidos de retomada do crescimento possam florescer.
Com isso, molha o pavio da reação popular.
Ao mesmo tempo promete ao capital aquilo com o que ele sonha há tempos: mudar (na prática) a Constituição, de modo que ela caiba em orçamento enxuto.
Os dois outros problemas foram parcialmente solucionados a partir da resolução do primeiro.
Com o apoio da burguesia — o que se reflete de imediato na postura da grande mídia — foi desencadeada a operação “carga ao mar” do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), artífice do impeachment, mas insuportável para a opinião pública.
A estreita ligação entre o referido parlamentar e o presidente interino, confirmada pelo encontro noturno em que se acertou a saída do primeiro, passou batido, como se natural fosse.
Por fim, mas não menos importante, as graves acusações da Lava Jato que assombravam Temer antes da posse deram em nada.
Para completar, Sérgio Machado afirmou, na sua delação premiada, que, em 2012, Temer teria pedido propina de R$ 1,5 milhão para financiar a campanha de Gabriel Chalita, então candidato a prefeito de São Paulo pelo PMDB.
Por que nada, até aqui, cola no vice em exercício? Porque tem o apoio derivado do motor em dois tempos ligado por Meirelles.