Li com atenção o documento de 6 de maio 2016 tornado público pelos responsáveis da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Em um primeiro momento, pensei que iria ler um manifesto de cientistas comprometidos com a função nobre que, como reza a lenda, amam a verdade e produzem conhecimento para a evolução espiritual e material da sociedade como um todo.
No entanto aquela carta deixa a desejar, pois dá a impressão de que os cientistas estão interessados prioritariamente, ou mesmo unicamente, a pensar em administrar suas verbas, venham elas de onde vierem e sob qualquer forma.
O texto termina afirmando que … “A ABC e a SBPC sempre estiveram e continuarão abertas para colaborar na construção de uma Política de Estado para apoiar o avanço da Ciência, da Tecnologia e da Inovação Tecnológica no Brasil.”
Esse apoio é total e irrestrito? Qualquer que seja o governo? Legitimo ou não?
A leitura daquela carta, explicitando a posição oficial daquelas entidades, me levou a pensar que a critica de Wanderley Guilherme dos Santos aos cientistas, consistiria uma argumentação pertinente quando afirma que… “um contingente de xepeiros recrutará cientistas aborrecidos com a incorporação do antigo ministério ao atual remanso das Comunicações, mas satisfeitos se o responsável pela nova Secretaria for escolhido por indicação de respeitáveis Associações. Cada um por si, deixando que os evangélicos negociem por todos com Deus.”
Estamos “aborrecidos”? É essa a imagem que nossas sociedades cientificas mais em evidência querem fazer passar para o governo, qualquer que seja ele?
Parece-me, e a muitos companheiros cientistas, que considerando que o atual presidente interino não foi eleito, ele não tem o respaldo dos brasileiros, nem autoridade moral para tomar decisões tão importantes que afetem o futuro da nação, como, por exemplo, a diminuição do papel da ciência no panorama politico brasileiro.
Mario Novello
Professor Emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Fisicas (CBPF/MCTI)
Abaixo a carta da ABC e SBPC
EM DEFESA DE UMA POLÍTICA DE ESTADO PARA A CIÊNCIA, A TECNOLOGIA E A INOVAÇÃO O aumento do impacto da ciência e da tecnologia brasileiras nas últimas décadas, com aplicações relevantes em vários setores da economia nacional, é inegável e foi possível graças a políticas de longo prazo, implementadas por agências federais e estaduais. O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que celebrou seu trigésimo aniversário no ano passado, tem exercido um papel essencial nesse processo.
Esse ciclo foi recentemente interrompido por cortes substanciais nos orçamentos do MCTI e do MEC, que paralisam redes de pesquisa, reduzem a oferta de bolsas, precarizam a investigação científica, a inovação e a educação. Na esfera estadual, as Fundações de Amparo à Pesquisa sofrem com atrasos de repasses que prejudicam bolsistas e projetos de pesquisa e são ameaçadas, seja por propostas de redução da dotação orçamentária constitucional, seja pela cobrança de resultados imediatos, ignorando tanto a dinâmica da ciência como os inúmeros benefícios para a população que decorreram de pesquisas financiadas por essas mesmas agências. Exemplos de outros países evidenciam que é errado justificar com a crise econômica os cortes nos investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação. Em meio à crise global, a China vai investir pesadamente em C & T, projetando um investimento de 2,5% do produto interno bruto para 2020, com a esperança de que a inovação ajude o país a enfrentar a sua desaceleração econômica. A Europa planeja alcançar um investimento de 3% do PIB em 2020. O Brasil hoje aplica menos de 1,5% do PIB.
A proposta da Academia Brasileira de Ciências (ABC) é de aumentar gradativamente o investimento até ser atingido o percentual de 2% em 2020, horizonte que não será alcançado se vigorar a política atual de cortes nessa área. Consideramos, portanto, preocupante quando programas partidários de governo não vislumbram Ciência, Tecnologia e Inovação como um instrumento imperativo para alavancar o desenvolvimento econômico e social do país.
A Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) consideram fundamental que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e suas agências sejam preservados em eventuais reformas administrativas, e que seus dirigentes mantenham um diálogo constante com a comunidade científica e estejam sintonizados e comprometidos com o avanço da ciência, da tecnologia e da inovação, em benefício da sociedade brasileira. A ABC e a SBPC sempre estiveram e continuarão abertas para colaborar na construção de uma Política de Estado para apoiar o avanço da Ciência, da Tecnologia e da Inovação Tecnológica no Brasil.
Rio de Janeiro e São Paulo, 6 de maio de 2016
LUIZ DAVIDOVICH, Presidente da ABC e HELENA NADER, Presidente da SBPC