por: Paulo Sérgio Pinheiro

O governo federal interino instalou um ministério de apenas homens brancos com a divisa a ”Ordem e Progresso”, que encerra o que ha de mais conservador no pensamento político brasileiro . Seria bom alguém dizer a esse governo que estamos em 2016 e não em 1889 .

O seu primeiro ato foi mandar para o espaço a Ciência, a Cultura e os Direitos Humanos. Aqui extinguiu o Ministério dos Direitos Humanos e as secretarias da Igualdade Racial das Mulheres e dos Direitos Humanos. Assim fazendo o governo interino revela uma sesquipedal ignorância em duas vertentes. Primeiro na esfera do direito internacional dos direitos humanos e, segundo, quanto à política de Estado de direitos humanos, relegando-a a uma divisãozinha de cidadania no Ministério da Justiça.

Depois da declaração universal dos direitos humanos em 1948 e a partir dos dois pactos internacionais de direitos civis, políticos e culturais, e aquele dos direitos econômicos e sociais, progressivamente foram reconhecidos os direitos das crianças, das mulheres, dos indígenas, dos migrantes, dos idosos e temas como a tortura, as execuções sumarias pelas policias, a pedofilia , a homofobia. O conceito de cidadania que o governo provisório resolveu enfiar no Ministério da Justiça nao dá absolutamente conta dessa complexidade que a garantia dos direitos humanos assumiu na segunda metade do seculo XX.

Por sua vez a decisão da extinção das secretarias de Estado põe abaixo a continuidade , acima dos partidos políticos , da política de Estado de direitos humanos no Brasil. Pode-se dizer que todos os governos depois da volta ao governo civil em 1985 contribuíram, cada um a sua maneira, para a promoção e proteção de direitos humanos no Brasil.

Sarney, na sua ida a Assembleia da ONU, assinou a convenção da tortura e o pacto internacional de direito humanos. Collor enviou uma circular aos postos diplomáticos brasileiros obrigando-os a responder às cobranças das organizações de direitos humanos e da tribuna da ONU afirmou que a soberania nacional não pode ser o escudo de proteção das violações de direitos humanos no Brasil. Itamar formulou com a sociedade civil a agenda brasileira para a Conferência Mundial de Direitos humanos em Viena em 1993, na qual o Brasil teve um papel protagonista com a presidência do comité de redação da declaração e programa de ação de Viena.

Fernando Henrique cria a Secretaria de Estado de Direitos Humanos , para dar dar mais visibilidade aos direitos humanos , como registra no seu Diários da Presidência. Foram preparados os Programas Nacionais de Direitos Humanos, PNDH I com enfase nos direitos civis e políticos e PNDH 2, com enfase nos direitos econômicos e sociais. Pela primeira vez na Republica foi criado um programa e organismo de combate ao trabalho escravo . Foi reconhecida a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que permitiu que mais tarde fosse exarada a sentença sobre as operações de extermínio da guerrilha do Araguaia pela ditadura militar.

Lula transformou a Secretaria de Estado em Secretaria Especial da Presidência da Republica e criou as secretarias especiais, também na Presidência, das políticas da mulher e da igualdade racial. Preparou o PNDH3, alargando nacionalmente as bases da sua elaboração nos estados da federação, inusitadamente publicando as duas introduções de Fernando Henrique aos dois PNDH anteriores. Apesar de enorme resistência, propôs e sancionou a lei contra o castigo corporal das crianças e foi enviado ao parlamento um projeto de lei criando a Comissão Nacional da Verdade sobre os crimes da ditadura militar. A presidenta Dilma Rousseff foi na mesma direção. Por convocação de seu governo todos os ministros e secretários de Estado de direitos humanos se mobilizaram para defender a aprovação da lei sobre a Comissão Nacional da Verdade no Congresso Nacional. Instalou a Comissão Nacional da Verdade, a qual garantiu todo o apoio sem jamais fazer nenhuma interferência nos seus trabalhos , somente tomando conhecimento do relatório quando estava impresso.

Afinal qual o impacto dessa política de estado de direitos humanos? Essas frestas abertas pelo mais alto escalão no governo federal na Presidência , especialmente a partir de 1995, fizeram entrar nas políticas do governo federal direitos e temas na defesa daqueles tradicionalmente excluídos, que outrossim jamais teriam podido ter sido promovidos. Tortura, racismo, homofobia, execuções sumarias pelas polícias militares, violência contra a mulher, trabalhadores escravos, portadores de deficiência, federalização dos crimes de direitos humanos , programas de proteção as vitimas, passaram a ser alvos de políticas publicas de garantia e prevenção . Enfim uma infinidade de pautas que nunca tiveram espaço nem na ditadura militar nem no autoritarismo socialmente implantado que prevalece na democracia.

Essa liquidação da política de Estado e dos mecanismos nela construídos corresponde por sua vez aos projetos de lei de desmonte da constitucionalidade de 1988, como a destruição do Estatuto do Desamamento, a redução da idade laboral e da maioridade penal, o cerceamento dos direitos das mulheres, o enfraquecimento da definição de trabalho escravo. Não esqueçamos a já sancionada lei do anti-terrorismo abrindo para a criminalização dos movimentos sociais, que certamente esse governo não irá hesitar em usar, se levarmos em conta o ministro da Justiça que classifica protestos populares como ”guerrilhas.”(sic).

O desaparecimento das secretarias de direitos humanos convida a um prognóstico profundamente alarmante em relação a todos aqueles temas , pois vai acarretar a destruição de estruturas e mecanismos construídas a duras penas, em parceria , com a sociedade civil, durante todos os governos democráticos para implementação dos direitos dos pobres e excluídos.

Quanto aos direitos humanos, com esse governo extremamente conservador, nunca no Brasil foi tao atual o ditado o pior ainda esta por vir.