por: Luiz Alberto Gómez de Souza

O Ministro Teori Zavascki, encarregado no Supremo de seguir a Operação Lava Jato, fez críticas à condução de Sergio Moro. Foi o que bastou para que manifestantes o insultassem violentamente em sua própria residência e agora ele está sobre proteção policial. Isso mostra o teor de certos grupos intransigentes e autoritários que não aceitam críticas ao “intocável” Moro. Assim nasceram, pelo século passado, os grupos fascistas na Itália, na Alemanha e até na democrática Inglaterra. Hordas nazistas, depois de 1933, começaram a agredir social-democratas e mais adiante judeus. Na Itália, uma marcha inexpressiva sobre Roma, em 1922 (sempre marchas), amedrontou o raquítico e timorato Rei, que tirou do poder os liberais e o entregou ao espalhafatoso Duce. Entre nós, alguns desses grupelho ensandecidos pedem inclusive intervenção militar. Vão ocupando a vanguarda da oposição nas ruas. Os líderes históricos desta são calados e apupados. Caldo de cultivo para o pior. Vimos isso em 1964 e antes em 1954, quando o suicídio de Getúlio pôs nas ruas o povo e os lacerdas tiveram que fugir da ira popular, rabo entre as pernas. O golpe foi adiado em dez anos.Lembrarei mais adiante outro momento significativo em 1961.
Do outro lado, frente aos direitista autoritários estão agora, cada vez mais numerosos, os que defendem a Democracia, o diálogo e o pluralismo republicanos.

Ao mesmo tempo, a PF descobriu uma lista de 316 políticos de 24 siglas que receberam dinheiro da Odebrecht. Possivelmente muitas contribuições podem até ter sido legais, mas o importante é que não se trata só de políticos da situação. Pelo contrário. Imediatamente o juiz Moro, assustado com a amplitude da relação Obebrecht- políticos, onde está boa parte de seus apoiadores, pôs a lista sob sigilo. Segredo de polichinelo. Já vazou aos borbotões. Por que não teve o mesmo cuidado quando deixou filtrar seletivamente nomes do governo que saíam das delações como simples afirmações, não provas, que teriam de ser investigadas cuidadosamente e também em sigilo? Temos agora o ovo da serpente que logo morderá nos calcanhares o suspeitíssimo magistrado. Mas então, esse Congresso, posto em boa parte sob suspeita, pode ter a legitimidade para julgar uma presidente contra a qual não há provas reais, apenas menções de delatores, sujeitas a perícia cuidadosa e que deveriam estar também sob sigilo? Duas medidas. Isso vale para declarações de delatores como para estas listas de deputados. O certo é que as listas da PF destaparam uma panela de pressão.Brasília está em polvorosa. Os deputados citados, com vergonha na cara, deveriam sentir-se impedidos de julgar a mais alta autoridade da Nação até que seus prontuários fossem investigados. Isso demandaria muito tempo e, nesse ínterim, o processo de impeachment deveria ficar em suspenso. Porém a desfaçatez de Cunha mostra um acusado de mil falcatruas mover-se cínica e livremente, podendo até tentar presidir absurdamente o pedido de impeachment na Câmara.

O terceiro ponto é que amplos setores da sociedade, em manifestos e declarações, cada vez mais vão se posicionando em relação à ilegalidade dos atuais processos de impeachment. O clamor das ruas era apresentado cuidadosamente seletivo pela rede Globo. Mas logo, nos dias que vão chegando, são milhões os que, aos poucos, questionam o impeachment e a atuação parcial de um juiz de primeira instância que julga representar sozinho a Justiça brasileira. As instâncias judiciárias mais altas terão que pôr um limite em ações arbitrárias de Moro, não judiciais mas políticas.

Para usarmos os termos de Gramsci, estamos em plena “guerra de posições” e a legalidade vai se impondo sobre o arbítrio dos que não souberam perder e querem voltar pela porta dos fundos. Sigamos adiante, firmes e tranquilos. A maioria dos conhecedores do direito contestam as ilegais conduções do Lava Jato. E o povo começa a distanciar-se dos falsos cantos de sereias – programas de TV, artigos de certos jornais – e já se vai caracterizando uma virada na opinião pública, fora os recalcitrantes de sempre. Estejamos alertas, ativos e mobilizados. Atitudes negativas ou pessimistas dos que são pela legalidade, nessa altura são atos ou omissões imperdoáveis.

Uma recordação histórica para os jovens que não viveram os momentos da campanha pela legalidade em 1961 e para os que lembram com emoção a luta desse grande patriota Leonel Brizola (que enorme falta nos faz hoje!).

Numa das primeiras falas de Brizola, dia 27 de agosto de 1961, ele se insurgia contra os ministros militares que não admitiam a posse de Jango, legalmente eleito vice-presidente e sucessor legítimo do renunciado Jânio. Uma de suas primeiras palavras, pela Rede da Legalidade, instalada nos porões do Palácio Piratini foi firme e precisas:

“O Governo do Estado do Rio Grande do Sul cumpre o dever de assumir o papel que lhe cabe nesta hora grave da vida do País. Cumpre-nos reafirmar nossa inalterável posição ao lado da legalidade constitucional. Não pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz, em muitos de seus aspectos, desejamos é o seu aprimoramento e não sua supressão, o que representaria uma regressão e o obscurantismo”.

Porem mais adiante se anunciava um possível bombardeio do Palácio Piratini, por ordem da junta militar golpista no Rio. Brizola vai então para a Rádio da Legalidade e lança, de improviso, sua inflamada reação ao golpe:

“Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem essas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo! Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever”.

Diante do Palácio havia um grupo de militantes. Meia hora após a fala de Brizola, eram mais de cem mil.

Logo depois o general Machado Lopes, chefe do III Exército, foi ao Palácio hipotecar solidariedade a Brizola. A legalidade venceu pela valentia e força comunicativa de Brizola. Os golpistas recolheram-se, os políticos em Brasília inventaram o parlamentarismo, derrubado logo depois. Jango assumiu, mas aqueles golpistas recomeçaram a armar suas armadilhas para 1964. Os mesmos ontem e hoje nas marchas anti-patriotas, conspurcando as cores do Brasil.

A luta pela democracia é difícil e deve ser defendida sem cessar. Os golpistas de sempre, com suas ambições e frustrações, estão sempre à espreita.

E se chega um golpe, nalguma situação infeliz, sempre valem as palavras de despedida de Allende, pouco antes de morrer: ”La historia es nuestra, la hacen los pueblos … Más temprano que tarde volverá el pueblo a las grandes alamedas”. No Chile Allende voltou e seu corpo desceu a Alameda O’Higgins, onde um povo livre o saudou comovido.

Mas agora entre nós o povo, pouco a pouco levantando a voz, começa a dizer: Não vai ter golpe! Não passarão!

Não deixemos os golpistas ocuparem sozinhos as ruas. Ali encontrarão, pacíficos mas firmes, os que defendem a Democracia, a Nação e o povo pobre. E este último irá se mobilizando aos poucos nas periferias sociais, fazendo balançar a hegemonia dos poderosos. Junto a ele estarão, entre tantos, sindicalistas, grupos étnicos, religiosos de diferentes denominações, movimentos sociais,profissionais, empresários, professores, artistas, pensadores, escritores, defensores do meio-ambiente, das minorias oprimidas e tantos outros. Vai se constituindo, de várias origens, uma Frente Ampla Democrata e Nacional, com membros os mais diversos, tanto independentes, líderes na sociedade civil, quanto membros de partidos ou setores democratas destes.