por: Edinho Silva
Quando este artigo for publicado, talvez o clima de tensão extrema tenha avançado algumas casas no abrasivo tabuleiro da política brasileira. Vivemos um momento em que todos os limites da racionalidade foram ultrapassados, impulsionado por pessoas que se movem por fúria descontrolada. Uma raiva que não poupa cores que não sejam as suas.
As democracias se enfraquecem e morrem quando a intolerância escala níveis sucessivos de ódio e de vontade de exterminar o que lhe é diferente, mesmo quando o diferente tem garantias constitucionais. Os sinais de alertas estão acesos e, por isso, é preciso cuidado máximo.
Como ministro da Comunicação Social, peço cautela extra aos agentes e faço um chamamento especial à imprensa, que leva a informação às casas e à rua. Só o funcionamento equilibrado das instituições, com sensibilidade para a disposição das forças sociais, pode nos dar uma chance real de superar os abismos atuais, dados pela radicalização que assola o debate político.
Neste momento, o pomo da discórdia é a ida do ex-presidente Lula para o posto de ministro da Casa Civil. A oposição ao governo quer impedir a transmissão de cargo e a assunção do novo ministro já empossado. A narrativa central é que o gesto se resumiria à busca de foro privilegiado e constituiria obstrução das investigações. A intolerância e o interesse meramente político motivam essa argumentação.
A oposição e certas correntes jurídicas fazem tábula rasa do fato de que o processo investigativo continua íntegro em mãos do Supremo Tribunal Federal. Colocam sob suspeita o vértice do Judiciário. Mesmo sem indiciamento do ex-presidente, já sustentam, veladamente, o corolário de seu script: a condenação de Lula, antecedida, convenientemente, pelo impedimento do exercício do cargo.
Em nada questiono as atribuições do juiz Sergio Moro. Integro um governo que sempre defendeu as apurações das denúncias, com respeito à legislação e ao princípio do contraditório. É incontroverso, no entanto, o fato objetivo de que o juiz fez gravações ilegais de conversa telefônica entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, às vésperas da nomeação. A Presidência da República anunciou que serão tomadas as medidas judiciais necessárias para coibir este ato ilícito.
O mandatário máximo de um país ser “grampeado” por um juiz federal, de qualquer instância, sem amparo na legislação, é a liberação mortífera de atos de exceção. Quando até a presidenta é alvo, o que será do cidadão comum?
O STF se pronunciará agora sobre liminares e mérito no tocante às ações contra a posse do ministro da Casa Civil. Confiamos que o faça com equilíbrio e justiça. Nestes momentos, cabe à Suprema Corte fazer prevalecer a Constituição.
Na Câmara dos Deputados, por sua vez, instalou-se a comissão do processo de impeachment. O ritual seguirá, agora, seu curso. Nele, o governo e sua base parlamentar atuarão para desconstruir a tentativa de impedimento, em nada e por nada justificável. O importante, agora, é que os ânimos se esfriem e que a racionalidade prevaleça.
O passado nos deixou lições muito importantes sobre como começam e terminam crises agudas e desagregadoras. Em 1954, o suicídio de Getúlio Vargas nos ensinou que mesmo os gestos extremados de renúncia não cancelam ajustes de contas só contornáveis com a sabedoria essencial das forças que se confrontam. Em 1964, o vulcão da intolerância encontrou a predisposição militar para o golpe. Deu no que deu.
Ao longo de duras crises econômicas entre os anos 1970 e 1990, compreendemos que não há bala de prata possível contra desajustes estruturais na economia. Se agora enfrentamos uma crise, não é porque os fundamentos estejam ruins ou sejam inajustáveis, mas porque o dissenso político parece querer contaminar todas as chances de entendimento racional entre adversários.
Os progressos sociais das últimas duas décadas deveriam ser um ponto a favor do equilíbrio e da racionalidade. Comportamo-nos, porém, como se o Brasil não fosse uma nave comum. Ignoramos que, se a nave cair, todos seremos vítimas.
O momento exige um plano pactuado de reformas. Precisamos de uma espécie de pacto westfaliano, envolvendo as forças políticas e as instituições. Com um lado acreditando que pode jogar o outro para fora da embarcação, ou esmagá-lo, não chegaremos a lugar algum.
É ilusório acreditar que forças sociais que se fundamentam em princípios democráticos e num espectro amplo de esquerda, como as que este governo e eu representamos, possam ser riscadas do mapa do Brasil sem consequências.
A hora é de tolerância e realismo. Nosso povo precisa e merece isso.
EDINHO SILVA, 50, é ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
Fonte: Folha de São Paulo