A conspirata do TCU e TSE que nos empurra para a convulsão social
Este artigo foi publicado originalmente em novembro de 2015, mas acho que convém republicá-lo pelas razões óbvias nele contidas à vista dos últimos acontecimentos.
por: J. Carlos de Assis*
Ditadura miliar não é coisa que a gente pede a frio. É coisa que a gente sofre a contragosto. Escrevi um artigo mostrando que estamos nos encaminhando para um terrível processo de convulsão social que pode acabar numa ditadura militar e alguns comentaristas, não entendendo patavinas do que escrevi, alegaram que eu estava propondo uma ditadura “benigna”. É o exato oposto. Na história, só existiram ditaduras “benignas” na Roma antiga, quando os senadores entregavam o poder a um ditador a fim de que ele tivesse as mãos livres para enfrentar algum perigo comum. Uma vez cumprido o dever, o ditador tratava de abrir mão do poder o mais rápido possível, pois considerava vergonhoso ser ditador.
Na atualidade brasileira, as condições para que tenhamos uma ditadura “benigna” em face do caos reinante é praticamente nula. Não há consenso possível em torno de uma solução desse tipo. Não obstante, as instituições da República estão se deteriorando em ritmo acelerado. Quando isso chega a um nível de não retorno, algo tão impensável quanto o impeachment de presidente da República por um capricho formal do TCU ou do TSE pode acontecer com uma “naturalidade” falsa, com características similares ao golpe paraguaio. E é nesse momento que um estado de convulsão social transforma-se nas preliminares de uma guerra civil, levando muitos da população a pedir a intervenção militar.
Políticos irresponsáveis como Aécio e colegiados corporativistas como TCU e TSE, agindo por puro interesse partidário, estão levando o Brasil de forma absurdamente leviana para a beira do precipício. Agem como se estivessem sozinhos no mundo sem considerar a reação do outro. Olhando acriticamente o resultado das pesquisas de opinião, acham que Dilma e o PT não tem condições de suscitar qualquer reação efetiva da população no caso de cassação dela (ou da prisão dele). Esquecem o que é o PT, a CUT e o MST, com suas múltiplas correntes políticas internas, muitas delas se orientando explicitamente por uma vocação revolucionária. Deem a eles motivo –e não existe maior motivo que a cassação de Dilma (e a prisão de Lula) -, e teremos o início de um banho de sangue.
Não tenho em mente os homens maduros, as pessoas de classe média, os chefes de famílias. Tenho em mente, principalmente, os jovens. Basta lembrar a guerrilha urbana brasileira e a guerrilha de Araguaia no início dos anos 70: a maioria eram jovens. César Benjamim tinha 16 anos. Dilma Roussef, 18. Ambos conseguiram salvar suas vidas. Outros foram assassinados pela repressão antes dos 25. É que jovens, em geral, não tem medo de morrer na luta. São generosos. Não tem compromissos de família. Tomem o mandato de Dilma e, qualquer coisa que ela faça ou diga, ou que diga Lula, e centenas de milhares de pessoas irão para as ruas tirar a forra. Tudo isso começará “democraticamente”.
Contudo, recordam-se do que promoveram os black blocs nas manifestações de 2013? Lembro-me da expressão espantada dos apresentadores da Globo descrevendo as ações dos “vândalos”. No entanto, eram uns gatos pingados. Imaginem agora as ruas e avenidas das grandes capitais brasileiras ocupadas por dezenas de milhares de militantes enfurecidos do PT, da CUT, do MST, do PCdB, do PSTU, do PSOL, do PSTU, nem todas em apoio a Dilma, mas todos contra a quebra da institucionalidade: será que PMs evitarão a quebradeira generalizada? Será possível conter as multidões? Isso não vai misturar-se com a chamada luta contra o capitalismo, cujos maiores símbolos, bancos e empresas, provavelmente não restarão de pé?
Nossa obrigação, enquanto cientistas sociais, é relembrar a história para evitar que ela se repita. Estamos numa situação de derretimento de instituições similar ao que aconteceu séculos atrás, na Revolução Francesa. Então, o Rei estava contra a aristocracia, a aristocracia contra os burgueses, os burgueses contra os operários, os camponeses contra os latifundiários, todos contra a Igreja. Nós vemos o TRU e parte do TSE contra o Executivo, o Legislativo contra o Executivo e o Judiciário, o Judiciário contra todas as instituições e contra si mesmo. Na França, a guerra civil começou com a queda da Bastilha, que sequer era uma prisão política. Aos poucos quase nada sobraria da velha ordem e algumas milhares de cabeças rolaram.
Não pensem os ministros do TCU e do TSE que ficarão impunes se a ordem política brasileira degenerar-se por obra de suas ações irresponsáveis. O mesmo se pode dizer dos políticos também irresponsáveis que, por puro interesse próprio, estão contribuindo para degenerar as instituições de forma próxima do irreparável. Pela história, sabemos como começou a Revolução Francesa e como terminou: caiu nas mãos de um general genial que impôs ao país uma ditadura “benigna”. Não sei se teríamos a mesma sorte no fim do processo. Mas estou convencido de que, entre o início caótico e a ditadura final, teríamos uma fase intermediária que a história tornou conhecida como Terror – na qual, como bem disse o ministro Marco Aurélio, “o chicote muda de mão”!
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.