Publicado em 15/08/52 no Comício, semanário criado por Rubem Braga, Joel Silveira e Rafael Corrêa de Oliveira.
ACADEMIA – Instituição que distribui prêmios de quatro mil cruzeiros, sujeito a desconto, não convindo por isso ser atacada, embora também não seja distinto elogiá-la publicamente.
ADMIRAÇÃO – Fenômeno peculiar à adolescência, como as espinhas e a muda de voz, desaparece de uma hora para outra ou se converte em auto-admiração.
AMIGO – Escritor de muito talento, até segunda ordem.
ANTOLOGIA – Espécie de ônibus ou lotação, recomendável para a estreia do literato que tenha pressa de chegar à posteridade.
ASSOCIAÇÃO DE ESCRITORES – Partido pró ou contra alguma coisa alheia à classe dos escritores.
ATAQUE – Maneira explosiva de conseguir que sejamos notados e mesmo respeitados, se praticada habilmente.
BAR – Lugar onde as pessoas de talento continuam a tê-lo, e as que não o têm o adquirem provisoriamente, desde que não falem.
BIBLIOTECA – Lugar de passagem; seguido do adjetivo Nacional, não costuma ser frequentado.
CAFÉ – Sítio mitológico onde os antigos se reuniam para ler seus escritos e ouvir com resignação os do próximo.
CARTA – Instrumento de comunicação em desuso pelos seus inconvenientes; o destinatário a divulgava caído ou averbava no Registro de Títulos, para oprimir o remetente.
COLOFÃO – Inscrição para certificar ao leitor, em certas obras, que tudo tem limite.
CONFERÊNCIA – Ato a que se chega atrasado e do qual se sai antes de terminar, causando irritação e inveja ao conferencista.
CONTO – Narrativa em que deve acontecer alguma coisa ou nada, conforme seja o autor partidário do clube Maupassant ou do clube Mansfield; no segundo caso, também chamada conversa mole.
DEDICATÓRIA – Letra promissória de valor indeterminado, cujo resgate pode deixar de ser feito sem dano para o crédito do emitente.
DIÁRIO – Livro ou caderno de pelo menos 200 páginas, onde se escreve debaixo do segredo aquilo que se deseja levar ao conhecimento de todo mundo.
DIREITO AUTORAL – Direito que assiste ao autor de editar-se à própria custa.
ECOLÓGICO – Diz-se do romance que tenha mais cheiro de terra do que estilo. Variante: telúrico.
EDITOR – Indivíduo mesquinho e destituído de imaginação, que recusou os nossos originais.
ELOGIO – Vide gazua, maconha e compromisso.
ESCRITOR – Entidade indefinível; em caso de emergência, aquele que escreveu um bilhete, ou poderia tê-lo escrito.
EX-LIBRIS – Artifício com que o dono de um livro se torna um pouco seu autor, colaborando numa página.
EXISTENCIALISTA – Menor cuidadosamente despenteada, com ou sem franja na testa, que cultiva o complexo de Eletra das 17 às 19 horas no bar, e mais tarde na boate; seus autores de cabeceira são Heidegger, Jean Marais, Sartre e Prevert-Kosma.
GERAÇÃO – Maneira coletiva e rotativa de ter talento; há casos de indivíduos que mudam de geração.
GLÓRIA – Faculdade de conceder autógrafos durante a conferência ou a exposição, sem ser o conferencista ou o pintor.
HERMETISMO – Resultado imprevisto e feliz da pobreza de vocabulário.
ILUSTRADOR – Desenhista que se abstém de ler o poema ou o conto, a fim de melhor interpretá-lo.
KAFKA – Escritor tcheco, imitador de alguns escritores brasileiros.
LEITURA – Vício secreto; a higiene mental o proscreve como nocivo à carreira literária.
LIVRARIA – Lugar onde as moças sem namorado vão comprar romances antes de partir em férias.
MEMÓRIAS – Aplicação da capacidade de mentir, pela sua conversão em prazer e renda.
MENSAGEM – Conteúdo de uma obra literária, que afina com a nossa convicção ou tendência, ou que simplesmente lhe atribuímos num momento de irreflexão.
MESTRE – Designação satírica que infunde à vítima certo prazer.
MÉTRICA – Arte de fazer passar pelos dedos o que não entrou espontaneamente pela orelha.
NOVO – Indivíduo de idade indeterminada, que fala mal dos outros de certa idade.
ORELHA – Dizeres na borda da capa de um livro, que dispensam a leitura dele; não devem ser grandes.
POETA DO POVO – Indivíduo encarregado de evitar que o povo goste de poesia.
PREFÁCIO – Texto laudatório assinado por um amigo do autor, e ultimamente substituído pela orelha (vide este nome), de autoria do próprio escritor.
PROVÍNCIA – Terra assaz deliciosa, depois que o natural da mesma se mudou para o Rio.
QUARENTA E CINCO – Número cabalístico, que esconjura os maus espíritos e habilita ao conhecimento de T. S. Eliot.
REVISOR – Autor de algumas das melhores páginas da literatura brasileira.
REVISTA – Peça de artilharia grossa, para conquista de posição ou situação literária; provida de entranhas humanas, padece às vezes de comoção intestina.
RIMA – Repetição de som no fim de dois ou mais versos, produzindo efeito desagradável em nossos poemas; recurso vil nos dos outros.
ROMANCISTA DO POVO – Técnico em palavrões.
SONETO – Pedra de toque do poeta; usa-se atualmente o shakespeariano, quer na disposição formal quer nos costumes.
SUPLEMENTO LITERÁRIO – Ajuntamento lícito ou ilícito de escritores, conforme fazemos ou não parte dele.
TRADUTOR – Indivíduo paciente, que manipula duas ou mais línguas, para não ser autor em nenhuma.
TRINTA – Irmão pobre de vinte e dois.
UÍSQUE – Designação geral de uma série de autores escoceses, de conhecimento e cultivo obrigatório para uma boa reputação literária; os escritores norte-americanos do mesmo gênero não são muito manuseados.
VELHO – Indivíduo que, mesmo usando óculos bifocais, não enxerga a nossa grandeza.
VINTE E DOIS – Tigre, na classificação do Barão de Drummond; palhaço, no consenso da nova geração.
Fonte: Quarta Capa