Para o ex-ministro, “endeusamento” de Cunha pela mídia e PSDB “foi um crime doloso contra o país”
por: Eduardo Miranda, Jornal do Brasil
Uma das vozes mais críticas dentro do Partido dos Trabalhadores, o ex-ministro da Justiça e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro diz, em entrevista ao Jornal do Brasil, que sua última conversa com a presidente Dilma Rousseff foi no dia posterior à vitória do segundo mandato e que não tem informações sobre a tentativa do ex-presidente Lula de trocar o atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.
Contudo, Genro, que pertence à corrente Mensagem ao Partido (Dilma e Lula integram a corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil – CNB), assegura que as movimentações do ex-presidente Lula têm um único e exclusivo objetivo:
“Dar estabilidade para a presidenta governar, pois do resultado do governo Dilma será fixada memória que ficará a seu respeito, a memória do seu legado. Tendo sido, a presidenta, escolhida por ele, para ser candidata e governar, é natural que ele se sinta responsável por tudo que está acontecendo com o atual governo. O presidente age a partir do imperativo moral de buscar que o governo termine com dignidade. Não tenho informação de que o presidente queira trocar o ministro da Fazenda”, diz Tarso Genro.
Crítico dos “humores conservadores” do PMDB, o ex-governador afirma que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não tem, como nunca teve, condições de votar a abertura de impeachment da presidente no Parlamento. “Cunha é produto da cumplicidade da mídia oligopólica com a pior parte do mundo da política (…) o endeusamento consciente que a grande mídia fez de Cunha, junto com PSDB e o DEM, para, ao fim e ao cabo elegê-lo presidente da Câmara, foi um crime doloso contra o país”, argumenta.
Confira a entrevista:
Jornal do Brasil – A presidente Dilma está convencida de que Joaquim Levy não se sustenta mais no comando da Fazenda, como alguns que defendem a saída do ministro?
Tarso Genro – Não tenho contato com a presidenta Dilma desde o dia imediato à sua vitória, quando lhe telefonei para cumprimentá-la pelo resultado das eleições. Conhecendo-a, como a conheço há décadas, sei que ela não comentaria um assunto como esse, fora do seu âmbito mais reservado de relacionamento político. Acho, porém, que a presidenta quer o Levy exatamente onde ele está.
Jornal do Brasil – O senhor acredita que ele deixará a Fazenda até o final do ano?
Tarso Genro – Não creio que Levy saia até o fim do ano e entendo que ele está fazendo o que lhe foi recomendado pela presidenta.
Jornal do Brasil – Fala-se muito que Lula vem tentando indicar Henrique Meirelles. O que o senhor acha disso?
Tarso Genro – Sinceramente, creio que todas as ações do presidente Lula só tem um objetivo: dar estabilidade para a presidenta governar, pois do resultado do governo Dilma será fixada memória que ficará a seu respeito, a memória do seu legado. Tendo sido, a presidenta, escolhida por ele, para ser candidata e governar, é natural que ele se sinta responsável por tudo que está acontecendo com o atual governo. O presidente age a partir do imperativo moral de buscar que o governo termine com dignidade. Não tenho informação de que o presidente queira trocar o ministro da Fazenda.
Jornal do Brasil – Qual é a alternativa de uma política econômica para um governo petista?
Tarso Genro – Defendo as mesmas posições do Prêmio Nobel Paul Krugman, juros altos e superávit fiscal a qualquer preço é um suicídio recessivo. É o que está acontecendo com o país. Ajustes como o atual podem promover, ao seu final, um crescimento que apenas recupera o que foi perdido na recessão, até a necessidade de um novo ajuste… e uma nova recessão. Só mais distribuição de renda, juros mais baixos, reindustrialização, com uma nova política monetária, podem tirar o país do fosso.
Jornal do Brasil – Por que Mantega era bom naquele momento e hoje virou alvo de diferentes setores?
Tarso Genro – Mantega é a vítima predileta dos monetaristas e do neoliberalismo, pois, como todos sabem, foi o ministro que deu suporte a todas as políticas do presidente Lula, que melhoraram a vida de 50 milhões de pessoas no Brasil e não se rendeu, em regra, às chantagens das agências de risco. Quando a crise capitalista global bateu forte aqui no Brasil, Mantega foi o escolhido para ser malhado. E isto está sendo feito inclusive com agressões públicas.
Jornal do Brasil – O senhor é contrário a todos os pontos do ajuste fiscal? CPMF, inclusive?
Tarso Genro – Acho que o aumento do CPMF, um imposto, insonegável e limpo, cuja progressividade pode ficar transparente, é uma proposta positiva. Pena que ela não venha acompanhada de outras que desonerem quem produz, crie o imposto sobre grandes fortunas, aumente o imposto de renda no topo, diminua o imposto de renda dos setores médios, taxe fortemente os lucros do capital.
Jornal do Brasil – Qual é a opinião do senhor sobre a tardia manifestação do PSDB contra Eduardo Cunha?
Tarso Genro – É coerente com a trajetória do PSDB. Fortalecem qualquer um contra o PT e depois saem de ré, como se fossem os pais da moral e dos bons costumes. É um partido sem projeto, que vive da apologia da crise.
Jornal do Brasil – Eduardo Cunha perdeu as condições de colocar em votação a abertura de um impeachment contra a presidente Dilma?
Tarso Genro – Não só perdeu, como não tinha. Eduardo Cunha é produto da cumplicidade da mídia oligopólica com a pior parte do mundo da política, para inviabilizar o governo Dilma. Só a presidenta Dilma, ao que parece, não sabia disso. Você sabe que eu nunca defendi que qualquer partido fosse rei da moral e dos bons costumes, porque o crime está em todos os lugares, na sociedade e no Estado. Mas o endeusamento consciente que a grande mídia fez de Cunha, junto com PSDB e o DEM, para, ao fim e ao cabo elegê-lo presidente da Câmara, foi um crime doloso contra o país.
Jornal do Brasil – Como o senhor vê esse reaquecimento em favor do impeachment da presidente Dilma? O TSE tem um processo em andamento.
Tarso Genro – Acho que esse é o caminho que a oposição escolheu para buscar eleger seu candidato em 2018. Isso será, portanto, recorrente. Bem, mas anote: com este método de buscar a vitória, se ganharem a eleição, vai ser muito difícil governar, porque o que eles menos falam é sobre um projeto para o país e sobre como governar. Não é de graça que o Serra já está ganhando, de novo, terreno contra Aécio Neves, candidato fracassado e líder oposicionista também fracassado.
Jornal do Brasil – A oposição costuma dizer que à época em que o PT foi oposição ele também esgarçou o quanto pode o governo FHC, sobretudo com a proposta de impeachment. Há diferenças entre o momento atual e aquele?
Tarso Genro – Acho que o PT não fez, à época de FHC, nem a metade do que está sendo feito, hoje, contra Lula e Dilma, pois hoje a oposição conta com uma fração das instituições do Estado para manobrar e fortalecer os movimentos da oposição, a partir do Estado, com um grande apoio midiático. Prova: qual foi tratamento dado por estas instituições à compra de voto, para a reeleição de FHC? Tratamento débil e omisso.
Jornal do Brasil – Como o senhor vê a posição do Judiciário, sobretudo no Supremo, com as declarações do ministro Gilmar Mendes sobre o governo?
Tarso Genro – Acho que há uma “partidarização” de uma fração do Judiciário e do Ministério Público, já que politização é o seu estado normal. Acho que as declarações do Ministro Gilmar devem ser respondidas pelo governo e pelos seus pares, no âmbito de uma polêmica política entre Poderes e dentro do próprio Poder Judiciário. Se o Governo não responde fica difícil alguém de fora responder com propriedade.
Jornal do Brasil – É possível avaliar quais são as chances de que Cunha seja cassado no Conselho de Ética?
Tarso Genro – Depende do grau de decência que assolar os nossos parlamentares no momento, pois, pelas respostas do próprio Cunha ele já estaria enquadrado.
Jornal do Brasil – Como estão as movimentações da frente democrática suprapartidária para as eleições de 2016?
Tarso Genro – A Nova Frente é uma ideia em movimento e ela é a única forma de retirar a esquerda, que apoiou Dilma e Lula, da defensiva em que ela se encontra, sem um projeto claro para retirar o país da crise, subordinada aos humores conservadores do PMDB. A formação de uma frente é um processo político complexo e atualmente existem vários movimentos, no país, que vão neste sentido. Penso que depois de 2016 começará a se pensar num organismo nacional unitário, já destinado a disputar as eleições de 2018.
Jornal do Brasil – Como o senhor avalia a saída de Alessandro Molon do PT?
Tarso Genro – Lamento a saída do Molon. É um quadro político de esquerda e coerente. Quem pensa que o Molon vai fortalecer o conservadorismo ou a direita, esteja ele onde estiver, está enganado. O mesmo digo de Randolfe.
Jornal do Brasil – A Rede Sustentabilidade é um partido de esquerda?
Tarso Genro – Não é um partido de esquerda, mas pode se tornar, a depender de como se apresentar nas eleições de 2018. O PT não era um partido de esquerda? Hoje, como se sabe, está mais ao centro, não sei se de maneira definitiva. Creio que o PT poderá retornar, para 2018, como um partido renovado e de esquerda, depois destas duras lições que está sofrendo. A propósito, o que é ser de esquerda, hoje? Na minha opinião é, no mínimo, opor os valores da social democracia e do socialismo aos valores morais, políticos e econômicos- à ideologia do mercado sem travas sociais e ao projeto liberal, de liquidar com as funções públicas do Estado.
Jornal do Brasil – O que precisaria para se empreender a refundação do PT, como o senhor chegou a sugerir numa entrevista ao ‘Estado de S.Paulo’?
Tarso Genro – Refundar o PT significa, na minha opinião, construir os velhos valores da esquerda com a âncora no presente: compatibilizar a máxima igualdade, numa sociedade em que o mercado sirva à satisfação de uma vida digna para todos e não ao consumismo elitista desenfreado. Refundar o PT significa colocá-lo, ao lado de outras forças políticas, na defesa de um projeto humanista e democrático, de desenvolvimento inclusivo, com sustentabilidade e respeito aos direitos humanos. Significa colocá-lo como vanguarda consequente, na defesa de um “novo modo de vida” e no esforço solidário para promover uma reforma democrática do Estado. A direita é regressiva. O centro, hoje, é conservador. Esse é tormento de qualquer partido de esquerda, no mundo infectado pelos ajustes promovidos pelo capital financeiro.
Fonte: Jornal do Brasil