por: Marco Weissheimer
A presidente Dilma Rousseff não tem base política hoje para fazer um governo diferente do que aí está. A oposição segue não aceitando o resultado eleitoral, repetindo um comportamento autoritário recorrente na história brasileira e o PT e seus aliados mais próximos não têm base política para implementar um programa de reformas estruturais. O resultado disso é que o governo se tornou refém do PMDB. Sem o PMDB, a ameaça do impeachment se agrava. A análise é do economista Márcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, que participou de um debate sobre a conjuntura nacional na manhã desta terça-feira (6), no auditório da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Promovido pelo Fórum21, o debate tratou da possibilidade da construção de outra agenda econômica no Brasil, considerando o atual cenário nacional e internacional. As margens políticas para essa construção são muito estreitas, admitiu Pochmann. “No momento, o governo trata de recompor minimamente uma base de estabilidade política no Congresso Nacional. De certo modo, o que Dilma está fazendo agora na economia também foi feito em 2003, no primeiro governo Lula, que tomou medidas como o aumento dos juros e corte de gastos. Tudo indica que estamos nos aproximando do ponto ótimo da crise que deverá obrigar o governo a tomar medidas mais ousadas. Estamos diante de um cenário onde não há uma saída fácil de curto prazo. Além disso, vivemos um período de perda de legitimidade que afeta todo o sistema político do país”.
O exemplo de Juscelino Kubitschek
Marcio Pochmann comparou a crise vivida pelo governo Dilma com aquela experimentada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, logo após a eleição deste em 1955. Juscelino tinha apenas cerca de um terço de apoio no Congresso e começou a governar em meio a políticas de austeridade. A saída que ele encontrou para conseguir se movimentar neste cenário foi estabelecer uma conexão com a sociedade por meio de um programa de expansão para o país, o famoso Plano de Metas, assinalou. Pochmann defendeu que o atual cenário político também exige do governo um movimento por fora do Congresso, por meio de um projeto que reconecte a sociedade. “O governo está aprisionado no curto-prazismo, sem fazer a pergunta mais importante hoje: qual projeto pode unificar o país?”
A ausência de um projeto de médio e longo prazo para o Brasil, defendeu ainda o economista, não é um problema que se restringe ao governo Dilma. Para ele, o país carece hoje de um projeto de dominação interna. Pochmann chamou a atenção para a crise do “sãopaulismo” que, entre 1870 e 1990, teve um projeto de dominação para o país, expresso no discurso que apresentava o estado de São Paulo como a “locomotiva do país”. São Paulo representava a modernidade industrial, um modelo que era referido e perseguido pelas demais unidades da Federação. A perda de vitalidade desse projeto, assinalou Pochmann, está relacionada ao intenso processo de desindustrialização que o Brasil vive nas últimas décadas. Em 1980, a indústria representava cerca de 34% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje, representa apenas cerca de 9%.
Duas escolhas erradas
A força dinâmica da economia de São Paulo hoje, disse ainda o presidente da Fundação Perseu Abramo, reside no agronegócio e nos bancos. O problema é que esses dois setores não estão voltados para um projeto de país e sim para o mercado internacional. “Eles não dialogam com o Brasil, mas sim com o mundo”, resumiu. Não é um acaso, portanto, que a bancada ruralista seja hoje a maior do Congresso com 273 deputados. Esse setor não tem um projeto de país capaz de impulsionar um novo ciclo de dinamismo na economia. As maiorias políticas constituídas pelos governos Fernando Henrique Cardoso, em torno do Plano Real, e depois pelo governo Lula não conseguiram interromper o processo de desindustrialização da economia brasileira e fazer as reformas estruturais necessárias para o país retomar um ciclo de crescimento sustentável de longo prazo.
No período entre 1945 e 1980, o Brasil teve uma média anual de crescimento de 6,7%. Entre 1981 e 2015, esse índice caiu para 2,0% ao ano, um crescimento irrisório considerando as demandas do país, enfatizou Pochmann. Para o economista, neste período mais recente, o país fez duas escolhas erradas que cobraram um alto preço. A primeira, no início dos anos 80, foi o programa de ajuste exportador, que estatizou dívidas privadas, aumentou a dívida interna e provocou 15 anos de paralisia. A segunda, em 1990, foi a proposta de inserção na globalização financeira feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso. “O aceso aos recursos externos, neste período, não resultou em novos investimentos, mas serviram principalmente para fechar a balança de pagamentos. Tivemos vários anos de política cambial valorizada que acelerou a destruição do nosso parque produtivo”.
Os limites do governo Lula
A partir de 2002, assinalou ainda Pochmann, Lula conseguiu construir uma maioria política heterogênea composta por setores que tinham sido derrotados nos anos 90. Essa maioria, porém, colocou uma camisa de força no governo Lula, impondo a ele uma condição: nada de reformas estruturais. E, de fato, o governo Lula atravessou oito anos sem conseguir fazer nenhuma mudança profunda nas estruturas agrária, tributária e política do país, apenas para citar três casos. “O governo Lula foi um êxito em repor empregos, renda, promover inclusão social e expandir os serviços públicos. Mas não houve nenhuma reforma estrutural e se fracassou na tentativa de reconfigurar a maioria política”.
O economista lembrou que, originalmente, o Programa Fome Zero previa o protagonismo dos pobres e miseráveis na construção de políticas para combater a fome, a pobreza e a desigualdade. Esse programa propunha a auto-organização dos miseráveis. “Quem faria o cadastramento dos beneficiários não seria a prefeitura, o que provocou uma reação dos poderes políticos locais. Não sei se esse modelo seria viável, mas o pragmatismo do presidente Lula levou à substituição do Fome Zero pelo Bolsa Família, que teve ótimos resultados, mas não politizou os miseráveis. Houve uma ascensão social dos miseráveis, mas estes, em boa medida, acabaram abraçando uma agenda de valores conservadores”.
Essa lacuna entre benefícios conquistados e o sentido político dos mesmos apareceu também de outras formas acrescentou Pochmann. “Cerca de 22 milhões de trabalhadores ascenderam socialmente, mas não houve mudança na taxa de sindicalização. De cada dez destes trabalhadores, só dois se filiaram a algum sindicato. O mesmo aconteceu com os estudantes beneficiados pelos programas do governo federal e com os beneficiários do Minha Casa, Minha Vida”.
Documento propõe novo projeto de desenvolvimento
A superação de problemas como a desindustrialização e a baixa taxa de crescimento da economia exige a construção de um novo projeto de desenvolvimento que pense o país no médio e longo prazo, defendeu o economista. Mais de uma centena de especialistas e um conjunto de entidades como a Fundação Perseu Abramo, o Centro Celso Furtado, o Fórum 21 e a Plataforma Política Social, entre outras, elaboraram o documento Por um Brasil Justo e Democrático que se pretende uma alternativa ao discurso que apresenta a austeridade e o ajuste fiscal como o caminho para que o Brasil volte a crescer.
Entre as propostas defendidas por esses especialistas e entidades estão a estabilização da economia brasileira com meio de propostas como a regulação do mercado cambial, a adoção de bandas fiscais, a mudança no cálculo da inflação, um projeto de reindustrialização que dialogue com o problema da sustentabilidade ambiental, uma mudança no padrão de relação do Estado com o setor privado, a construção de uma política de distribuição de renda de segunda geração, incidindo no modelo de tributação vigente no país, e uma rearticulação externa do Brasil.