por: Guilherme Estrela

“Qual crise pode abalar uma empresa petrolífera que detém mais de 30 bilhões de barris de reservas e possui conhecimento, tecnologia e excelência operacional para produzi-los com excepcional lucratividade?”

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O geólogo Guilherme Estrella trabalhou na Petrobras por mais de 40 anos, quando exerceu vários cargos no Brasil e no exterior. De 2003 a 2012, foi diretor de exploração e produção da estatal. Foi neste período que a Petrobras e o governo federal divulgaram as informações sobre as imensas reservas brasileiras de petróleo e gás em águas profundas, o que valeu a Estrella a designação de “descobridor do pré-sal” ou “pai do pré-sal”. Os serviços prestados por Estrella à sociedade brasileira e uma trajetória profissional sem máculas não o livraram da fúria inquisitória da grande imprensa brasileira. Na edição do Jornal Nacional de 5 de fevereiro, Estrella foi acusado de ligação com o esquema de corrupção de Pedro Barusco, inverdade que foi desmentida no mesmo programa quatro dias depois com direito a um pedido de desculpas de William Bonner. Avesso à exposição pública, Estrella concedeu esta entrevista exclusiva ao JE, em que detalhou sua visão sobre a Petrobras, o pré-sal e o mercado de petróleo.

P: Que Petrobras vai emergir da crise atual? Como você vê a empresa em médio e longo prazos?

R: Qual crise pode abalar uma empresa petrolífera que detém mais de 30 bilhões de barris de reservas de petróleo e gás natural, possui conhecimento, tecnologia e excelência operacional para produzi-los em grandes e crescentes volumes (hoje mais de 2,8 milhões de bbl equivalentes) com excepcional lucratividade – mesmo aos atuais preços internacionais? Acrescente-se a isto 11 refinarias (mais uma em construção), três terminais de GNL, duas fábricas de fertilizantes e certamente o mais importante ativo estratégico a garantir a sua sustentabilidade a longo prazo, que é sua posição hegemônica num mercado praticamente cativo de um dos mais importantes países do mundo, em todos os sentidos, e com gigantescas oportunidades de permanente e contínuo crescimento econômico e social, como já vem acontecendo?

Crise seria se o corpo de empregados da Petrobras não estivesse a demonstrar através de excepcionais resultados empresariais a competência, a dedicação e o compromisso com o Brasil e com a empresa em níveis como sempre de excelência profissional. Se isto estivesse a ocorrer, aí sim, investidores, acionistas e, mais importante, os cidadãos brasileiros teriam razões para perder a confiança na Petrobras

Vejamos a mais recente conquista, pela terceira vez, a única empresa petrolífera do mundo a atingir este feito: o prêmio maior da indústria petrolífera mundial, na conferência de tecnologia off shore (OTC), pelo megaprojeto de exploração e produção do pré-sal.

É inquestionável, portanto, que o que está a acontecer justifica não a desconfi ança, mas o contrário, o integral apoio do chamado “mais amplo público de interesse” da Petrobras nos destinos da companhia. ainda mais quando gente corrupta está fi nalmente a ser identifi cada e devidamente punida pela justiça brasileira, num processo criminoso que atinge a companhia há décadas – como tem sido confessado por muitos dos envolvidos – e que só agora está sendo corrigido exemplarmente.

Na verdade, a repetir opinião de cidadãos brasileiros muito importantes, refl exivos e conscientes de nossa importância como nação neste século XXI, esta “crise” – isso mesmo, entre aspas – é uma tentativa de desconstrução não só da Petrobras, mas do Brasil.

Há amplo reconhecimento internacional que o nosso país está destinado a transformar-se num decisivo protagonista da cena geopolítica mundial.

Sem querer ser repetitivo, não se está aqui a subestimar a total negatividade da imoralidade que ocorreu na Petrobras, mas este é o campo de atuação da justiça brasileira que pela primeira vez em nossa história adquiriu a independência e a autonomia para cumprir sua missão constitucional. Está defi nitivamente enterrada a era do “Engavetador Geral da República”.

Resumo da ópera, os extraordinários resultados empresariais da Petrobras na última década, como de resto ao longo de seus mais de 60 anos, desmascaram e põem a nu os reais objetivos desta campanha lesa-pátria em que insistem os poderosos defensores de interesses não brasileiros na tentativa de desestabilizar a Petrobras e o Brasil.

P: Qual é a sua análise do mercado mundial do petróleo no tocante ao preço do barril? O preço tende a se estabilizar no baixo patamar atual ou se recuperar? Qual o custo de produção do barril do pré-sal hoje e como esse custo deve evoluir nos próximos anos? O Brasil corre o risco de “micar” com o pré-sal?

R: O registro histórico exibe uma marca incontestável, que é a periódica oscilação, para cima e para baixo, do preço do petróleo. A causa principal para as grandes altas é a instabilidade política das regiões produtoras mais importantes – leia-se Oriente Médio. A causa maior das baixas mais expressivas são as crises econômicas globais.

O Oriente Médio está mergulhado numa crise sem fim, provocada pela descarada intervenção de potências militares estrangeiras nas políticas internas dos países da região. Logo, o preço do petróleo não deveria ter despencado.

O mundo atravessa há mais de uma década uma profunda crise econômica que começou com a criminosa crise do sistema financeiro norte-americano e se espalhou planeta afora, produzindo acentuada queda nas taxas de crescimento dos países, quando não períodos de recessão e demolição das economias nacionais, como vimos principalmente na Europa, com as trágicas consequências sociais que todos conhecemos. Logo, o petróleo deveria estar em patamares baixos em relação ao passado pré-crise.

O que diferencia o momento que estamos a atravessar são as importantes descobertas de óleo e gás de “xisto” nas bacias sedimentares interiores norte-americanas, que passaram a desempenhar um item importante no suprimento do maior – de longe – consumidor de energia do planeta. Neste contexto há dois pontos críticos para se refl etir sobre um cenário prospectivo minimamente confiável.

O primeiro é que a demanda mundial não caiu – as previsões continuam a apontar para o crescimento do consumo apesar da crise econômica mundial.

O segundo é que preços baixos como o que estamos a praticar inviabilizam a produção do óleo/gás de “xisto” norte-americano. As empresas de serviços especializados na indústria petrolífera já indicam que as atividades de E&P nas bacias sedimentares norte-americanas estão decrescendo signifi cativamente, o que traz certo realismo na previsão de que a produção do maior consumidor mundial chegou ao limite econômico e pode diminuir rapidamente.

Estas considerações levam-nos a considerar o atual patamar de preços baixos como um “ciclo”, que, repito, como nos mostram os dados históricos, passará. Retornaremos a preços em patamares bem mais elevados num futuro próximo.

Um fato que reforça esta previsão é a manutenção, por parte do governo norte-americano, da proibição de exportação do óleo produzido em seu território nacional, que dá a entender que há incertezas concretas quanto à sustentabilidade de sua produção interna.

Quanto ao pré-sal brasileiro, nada a ameaçar sua produção. O chamado “CTPP” – custo total do petróleo produzido – da Petrobras não só é muito atrativo em relação aos preços atuais como tende a diminuir a partir dos resultados obtidos pelos programas de desenvolvimento tecnológico e de melhorias operacionais, iniciados há mais de 10 anos, cujos impactos positivos no CTPP já são sentidos.

Em relação a reservas de petróleo e gás natural, a primeira e básica, elementar lição que a realidade geopolítica mundial concernente à segurança energética estratégica das nações nos dá é que não há “micos” neste assunto.

Ao contrário, as grandes potências mundiais surgidas ao longo do século passado têm nos ensinado à exaustão que a identifi cação e apropriação de reservas petrolíferas no planeta Terra, onde quer que existam, necessárias para a sustentabilidade e preservação de suas hegemonias globais, são prioritárias em suas estratégias de segurança nacional. E os exemplos estão aí a nos mostrar à exaustão que as soluções adotadas para que isto lhes seja assegurado extrapolam frequentemente o trabalho de seus geólogos, e passam a ser tratadas por seus generais e almirantes. Simplesmente porque energia – leia-se petróleo e gás natural – é ponto central da soberania de qualquer nação importante no mundo, como o Brasil. Aliás, na opinião de muitos analistas, a reativação da quarta frota norte-americana – para o Atlântico Sul – está aí para não deixar dúvidas quanto a isto.

O pré-sal brasileiro é uma das mais importantes e estratégicas riquezas da nossa pátria, absolutamente indispensável para que o Brasil, como nação soberana e detentora real de autonomia de decisão, se desenvolva social, econômica, tecnológica e politicamente.

P: Considerando a perda do grau de investimento, a Petrobras terá recursos para fazer os investimentos necessários para cumprir as condições estipuladas no modelo atual de partilha de exploração do pré-sal, que prevê que a empresa será a operadora e terá 30% de todos os campos? A Petrobras conseguirá cumprir os cronogramas estipulados pela ANP?

R: Muito me impacta, como cidadão brasileiro, a importância que se dá, entre nós, às avaliações das chamadas “agências de risco” e outros prestigiados analistas de mercado a respeito do Brasil e de nossas maiores empresas. O que são estas instituições e quem estas pessoas? A que interesses se subordinam e servem? Eu mesmo – pessoalmente e num evento interno – cheguei a ouvir a declaração de um destes “profi ssionais” a recomendar que se comprassem ações da OGX e da HRT, “mais atrativas que as da Petrobras”. Uma barbaridade sem tamanho, mas acatada pela sinistra entidade chamada de “mercado”; e muita gente honesta acreditou e colocou suas economias naquelas ações. Deu no que deu.

É indispensável que se veja o fi lme Trabalho Interno, do diretor Charles Ferguson, premiado em 2010 em Cannes, Toronto e Nova Iorque. O DVD está nas lojas já há algum tempo. Conta nua e cruamente a história da crise econômica mundial que resultou na falênciado sistema fi nanceiro norte-americano, salvo pela módica mesada, durante anos, de US$ 85 bilhões mantida pelo governo daquele país para empresas, bancos e outros. Pois bem, estas mesmas “agências de risco” avaliaram continuamente papéis do mercado fi nanceiro internacional como “AAA”, “triple A” na língua deles, até que estes papéis valessem zero! Esse pessoal não tem demonstrado competência para cumprir, exercer minimamente o papel de avaliadores confi áveis a que se propõem.

Mesmo que se conceda considerar a opinião destas agências, não faz qualquer sentido, agride a mais rudimentar racionalidade econômica que a Petrobras, a maior empresa petrolífera mundial com ações em bolsa, com mais de 30 bilhões de barris de reservas totais de petróleo e gás natural e a produzir mais 2,8 milhões de barris equivalentes, tenha sua “avaliação” diminuída.

Prova disto foi, no ano passado, a Petrobras ter ido ao exterior buscar fi nanciamento e conseguir US$ 8 bilhões e ter oferta de US$ 22 bilhões, a signifi car de forma inconteste a confi ança dos investidores externos na saúde financeira e econômica da empresa e na competência de seu quadro de empregados para a transformação de seus imensos recursos em riquezas que garantam o retorno adequado de seus investimentos.

São inúmeras as opiniões que indicam haver outros interesses por detrás desta avaliação e que o foco central destas avaliações seria concretamente enfraquecer a empresa e tentar extinguir o marco regulatório do pré-sal, centrado na operação única por parte da Petrobras. Portanto a Petrobras tem todas as condições necessárias e sufi cientes para obter o financiamento destinado à implantação de seus projetos e para o integral cumprimento de todos os seus compromissos, mais que com a ANP, com o Brasil.

P: Como você avalia a proposta de mudança do modelo de partilha para o de concessão? O que é melhor para a sociedade brasileira? Por quê?

R: Primeiro vamos analisar os fundamentos básicos que diferenciam os dois modelos – concessão e partilha de produção – o que é muito simples. O ponto central de ambos é representado pelo risco exploratório para se descobrir uma acumulação de óleo/gás cuja produção seja economicamente viável.

A estatística mundial aponta para índice de sucesso de poços exploratórios em torno dos 10%. Quer dizer, para cada 10 poços exploratórios que as empresas petrolíferas perfuram, somente um resulta em descoberta que vai desaguar num campo com produção de óleo/gás economicamente viável.

Para correr este risco – que não é pequeno, principalmente pelo elevado custo de perfuração dos poços no mar, a maioria maior que US$ 60 milhões, não raro extrapolando US$ 100 milhões – há que se atrair o investidor com condições compensadoras.

No caso das concessões, este atrativo é a propriedade integral do petróleo e gás produzidos sem a imposição de condicionante política, social ou econômica por parte do poder concedente, no nosso caso o Estado brasileiro.

O modelo de concessão tem como coluna de sustentação negocial o risco exploratório que o investidor enfrenta. Em caso de sucesso, ele é proprietário integral do petróleo e gás produzidos, sem qualquer interferência do concedente.

Agora considero importante para a compreensão integral do caso brasileiro falar algo sobre o que aconteceu na nossa bacia de Santos. Objeto de pesados investimentos exploratórios por parte da Petrobras, ainda sob o regime do monopólio, as águas rasas desta imensa bacia sedimentar brasileira hoje totalmente submersa, sem dúvida a mais extensa bacia marítima de nosso país, mostraram-se em sua maior parte estéreis com respeito às condições geológicas mínimas para a ocorrência de acumulações de petróleo e gás natural.

Aberta aos chamados contratos de risco na década de 70 do século passado, houve apenas uma pequena descoberta de gás em águas rasas – merluza – pela Shell, cuja economicidade foi muito discutida à época, mas que afi nal foi desenvolvida. Pouco mais tarde a Petrobras descobriu óleo leve no Paraná/Santa Catarina, os campos de Coral, Estrela-do-mar e outros campos pequenos, muito problemáticos e com baixas produtividade e atratividade econômica.

Com a quebra do monopólio, em 1997, blocos em águas profundas e ultraprofundas foram adquiridos por várias empresas estrangeiras, mas foi a Petrobras que, de longe, conseguiu a maioria deles e a empresa que, também de longe, mais investiu em exploração na bacia de Santos desde então.

Como resultado direto desta decisão de concreta retomada pela Petrobras das atividades exploratórias na bacia de Santos, logo surgiram descobertas do pós-sal (campos de Mexilhão – o maior campo de gás brasileiro – Uruguá e Tambaú, com óleo pesado “tipo Campos”, mais tarde os campos de Baúna e Piracaba) e depois – em águas ultraprofundas, mais de 2.000m de lâmina d’água – vários megacampos (mais de um bilhão de barris de reservas) de óleo leve no pré-sal – Lula, Sapinhoá, “Franco”, “Libra” e tantos outros.

As descobertas do pré-sal por parte da Petrobras se deram em todos os poços perfurados com aquele objetivo específi co, revelando que os exploracionistas da companhia haviam construído com inquestionável sucesso geocientífico o que se denomina de “sistema petrolífero”. A partir daí o risco exploratório desapareceu, eliminando o pilar principal do modelo de concessão. Quando isto ocorre, em qualquer parte do planeta, o modelo de concessão é imediatamente substituído pelo de “partilha de produção”, segundo o qual, em linhas bem gerais, os governos nacionais tornam-se proprietários do petróleo e gás produzidos pelos campos descobertos e ressarcem as empresas operadoras pelos gastos operacionais.

Mas o modelo de partilha escolhido pelo governo brasileiro adota características especiais: levando em conta ter sua empresa estatal como a principal operadora em águas ultraprofundas de todo o mundo, designá-la como operadora única, com no mínimo 30% de participação nos consórcios vencedores das licitações; e participar – o governo brasileiro – nos consórcios através de uma empresa pública – a Petróleo Pré-sal.

Esta estruturação do modelo garante ao país, tendo sua empresa como operadora – que é quem tudo decide nos consórcios – o cumprimento de políticas governamentais voltadas ao desenvolvimento científi co, tecnológico e industrial brasileiro e a promoção de empresas genuinamente brasileiras em todo o amplo espectro da indústria petrolífera. Assegura desta forma a consolidação da engenharia verdadeiramente brasileira num setor estratégico para o país ao longo deste século XXI.

A proposta de desmonte deste modelo e retorno ao modelo de concessão é lesiva, portanto, aos reais interesses estratégicos nacionais e por isso representa um inaceitável retrocesso pela nação brasileira.

P: Considerando os problemas enfrentados pela Sete Brasil e outros fornecedores e a queda no preço do barril, é viável manter as exigências de conteúdo nacional?

R: O Brasil parou por décadas. Atravessou um longo período de desindustrialização, mais do que isso, de desnacionalização do parque industrial que sobrou após este período. O país foi submetido a um processo de privatização de suas empresas estatais acompanhado pelo criminoso desmonte de seus respectivos órgãos de pesquisa, desenvolvimento e engenharia (P,D&E). Só sobrou o Cenpes, da Petrobras, que a onda neoliberal-colonialista não conseguiu arrastar, apesar dos enormes esforços para isto.

O governo que entra em 2003 decide retomar o desenvolvimento nacional com extrema rapidez, começando pelo setor petrolífero, a exigir que a Petrobras “contrate no Brasil o que pode ser feito no Brasil”. Logo em seguida surge o pré-sal, a aprofundar a demanda por novos equipamentos.

Certamente não é fácil dar este pulo a partir de uma “terra arrasada” como era a situação da indústria naval brasileira. Muitos “avaliadores do contexto nacional” externaram seu total ceticismo quanto à possibilidade disso se materializar. Quebraram a cara, como sabemos. Estão aí os inúmeros navios de produção, barcos de apoio e navios petroleiros fabricados nos estaleiros aqui localizados.

Mas o pré-sal trouxe uma novidade entre suas necessidades mais essenciais: diferentemente dos navios de produção – equipamentos cuja construção emprega tecnologias correntes, dominadas – para perfurar em águas ultraprofundas exigem-se sondas de perfuração superespeciais, de tecnologia ultra-avançada, principalmente na automação e nos requisitos de segurança operacional.

Como a faixa de águas ultraprofundas é a última fronteira exploratória para petróleo e gás natural do planeta, estas sondas especiais serão extremamente requisitadas ao longo deste século XXI e as difi culdades iniciais da Petrobras em contratar estes equipamentos comprovam isso.

Para permitir a produção desta imensa riqueza nacional é indispensável a capacitação da indústria naval brasileira, de maneira que o Brasil não dependa dos estaleiros no exterior para construir estas sondas. Dentro deste contexto absolutamente estratégico foi constituída a empresa Sete Brasil. Trata-se, portanto, de uma iniciativa do mais alto interesse nacional brasileiro, e todas as medidas que sejam necessárias para torná-la realidade devem ser tomadas pelo governo brasileiro, levando em conta que preços atuais do petróleo não devem afetar a imperativa necessidade do Brasil de ser um país soberano e autossufi ciente em energia.

P: Você acredita na retomada da construção das refi narias no Maranhão e Ceará e das ampliações no Coperj e na Abreu e Lima ou o abandono destes projetos é definitivo?

R: O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo. Mas nosso consumo de energia per capita é extremamente pequeno. Em dados de 2010 – não devem ser muito diferentes hoje – os valores em tep/ano eram: mundo (1,83); OCDE (4,56); América Latina (1,24); China (1,60); Rússia (7,50); Brasil (1,29).

Como consumo de energia equivale a qualidade de vida, podemos deduzir o abismo que existe entre a qualidade de vida de um brasileiro e a de seu igual em qualquer dos países que compõem o grupo das 10 maiores economias mundiais, o que é uma realidade concreta.

Logo, mantido o processo de desenvolvimento econômico-social que estamos a experimentar na última década, nosso consumo de energia per capita deve crescer em taxas muito elevadas ao longo da primeira metade deste século. Dentro deste contexto, leia-se consumo de gás natural e de derivados de petróleo.

Gente do ramo considera que o Brasil – um país sobre pneus – deverá consumir entre cinco e seis milhões de barris de petróleo/dia por volta de 2030.

Logo, novas refi narias deverão ser construídas para atender a demanda doméstica de derivados. Como a produção nacional, com o pré-sal e demais descobertas em águas ultraprofundas ao longo de nosso mar territorial, excederá este volume, o Brasil deverá exportar, na mesma época, cerca de um a dois milhões de barris/dia de petróleo bruto. Agregar valor, pelo refi no, a este excedente nacional será indispensável e estas novas refinarias atenderão a estas imposições econômicas para valorizar nossas exportações.

As regiões nordeste e norte-oceânica brasileiras carecem de refi narias para suprir seu próprio consumo. Ao mesmo tempo, por localizarem-se ao longo da linha do Equador e às portas do Atlântico Norte, com suas economias altamente consumidoras de energia, refi narias ali localizadas – além da Abreu e Lima – serão importantes para exportar seus produtos. Não tenho dúvidas quanto a estas premissas. Agora, capacidade produtiva, (re) localização e época de construção podem ser objeto de (re) estudos ou não.

O Comperj – localizado em nossa região industrial mais desenvolvida – é um importante ativo em construção da Petrobras para a produção de matéria prima petroquímica e para a produção de combustíveis, principalmente diesel, de que somos carentes. Seu projeto original foi modifi cado para atender a estas exigências, e a produção do óleo do pré-sal da bacia de Santos, com sua elevada razão gás/óleo, é crítica, decisiva para garantir a viabilidade do projeto.

P: Que medidas a Petrobras deveria ter tomado no passado, e não tomou, visando o combate à corrupção na empresa? A Petrobras criou mecanismos para impedir a repetição destes casos?

R: Corrupção é um problema universal, como sabemos todos. Existem inclusive “agências” que “medem” índices de corrupção. Corrupção ocorre nas famílias – famílias reais, inclusive, e por que não? – clubes, instituições e grupamentos humanos de todos os tipos, governos também de todos os tipos, democracias, ditaduras, empresas estatais e privadas, pequenas e gigantescas, instituições religiosas, bancos de todos os tamanhos, países organizados com este fim, como um todo – alguns são chamados de “lavanderias” – enfi m, é uma mazela que caracteriza a sociedade humana, inclusive nos órgãos que a sociedade criou para fazer cumprir as leis e combatê-la. Repito, todos sabemos disto.

Mas ter consciência desta realidade não signifi ca aceitá-la, pelo contrário, e longe de mim querer ensinar isso a qualquer pessoa. Trabalhei a vida inteira numa grande empresa e construí uma opinião que – da mesma forma – nada tem de inédita tampouco inovadora: são as pessoas, os seres humanos os agentes, os criadores de um ambiente em que a corrupção possa se instalar.

Minha experiência de vida ensina-me uma realidade concreta: a simples existência de leis rigorosas ou “mecanismos” não evitam, por si só, a corrupção. Há que manter-se um esforço permanente na criação, preservação e valorização coletiva de ambientes de trabalho – no caso das instituições de todos os tipos – cuja cultura rejeite, por princípio e valores fundamentais, qualquer iniciativa que, de alguma forma, facilite o desvio de conduta que desague em corrupção e que, paralelamente, na mesma intensidade, seja completamente intolerante com qualquer postura de impunidade em relação a atos de corrupção. De modo que seja por todos muito bem entendida a ideia de que toda e qualquer tendência de qualquer pessoa a atos ilegais não será de forma alguma aceita – mais do que isso, será exemplarmente punida. E que todos, verdadeiramente todos saibam, entendam,conheçam e pratiquem estas diretrizes.