Os ecos da Guerra Fria

Por Márcio Sampaio de Castro | Para o Valor, de São Paulo

A União Brasileira de Escritores (UBE) indicou o cientista político Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira para representar o Brasil na disputa pelo Prêmio Nobel de Literatura neste ano, depois que a Academia Real Sueca pediu que sugerisse um nome. Autor de obras como “Formação do Império Americano – da Guerra Contra a Espanha à Guerra no Iraque” (2005) e “A Segunda Guerra Fria” (2013), Moniz Bandeira tem se destacado como analista geopolítico bastante assertivo e com posições que muitas vezes contrariam o senso comum.

Aos 79 anos, Moniz Bandeira dedica-se ao seu mais novo projeto, o livro “A Desordem Mundial – O Espectro da Total Dominação: Guerras por Procuração, Caos e Catástrofes Humanitárias”, em que os recentes conflitos na Ucrânia e as crescentes tensões nas relações entre EUA e Rússia serão abordados.

Valor: Por que a Ucrânia se tornou tão importante no mapa geopolítico contemporâneo?

Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira: A Ucrânia sempre foi da maior importância geopolítica, pois é a ponte entre a Rússia e a Europa Ocidental. Ademais, enquanto as estepes do Ocidente são muito férteis para a agricultura, Donbas – toda a região leste e sudeste – é rica em ferro, carvão, manganês e vários outros minerais, tanto que ali se desenvolveu o importante centro industrial da Ucrânia, mas integrado e totalmente implicado com o parque industrial da Rússia, que era seu principal mercado, inclusive de material bélico.

“A Ucrânia sempre foi da maior importância geopolítica, pois é a ponte entre a Rússia e a Europa Ocidental”

Valor: Quando apoiou as mobilizações pela derrubada do presidente ucraniano Víktor Yanukóvytch, o Ocidente calculou mal o grau das respostas que viriam da Rússia?

Moniz Bandeira: Apesar de os EUA possuírem uma extraordinária elite acadêmica, com produção muito lúcida sobre todos os países, os círculos do poder, ao que tudo indica as autoridades de Washington nada leem, nada conhecem sobre os outros países, como diversos generais americanos e diretores da CIA já escreveram em suas memórias, e de nada adiantam os volumosos recursos que gastam com um monstruoso sistema de inteligência. Se conhecessem a Ucrânia e sua história, poderiam prever o que está a acontecer, como, aliás, fez o professor Henry Kissinger, com clareza e sabedoria. A economia da Ucrânia historicamente sempre esteve intrincada com a da Rússia, o povo também, e a região de Donbas [Lugansk e Donetsk] é, sobretudo e predominantemente, de influência russa.

Valor: Em “A Segunda Guerra Fria”, o senhor diz que haveria movimento por parte do Ocidente para cercar a Rússia, tornando-a um ator menor no cenário geopolítico.

Moniz Bandeira: A segunda guerra fria sobre a qual trato em meu livro e agora desenvolvo em outro, “A Desordem Mundial”, trava-se por diversos meios: guerras por procuração, como na Síria e na Ucrânia e em outros países, guerra econômica etc. E o problema é que, apesar da aparente recuperação da economia americana, os EUA não podem sustentar uma dívida pública de mais de US$ 18 tri, maior do que o seu PIB e que continua a crescer na mesma progressão. O petrodólar, esteio da predominância mundial, está a desvanecer e – como têm feito Rússia e China (com seus acordos) – a ser substituído por outras moedas e por tratados bilaterais de comércio e não mais multilaterais como os EUA trataram de impor desde os anos 1930, sobretudo, após a Segunda Guerra. O poder de compra do petrodólar está a declinar mais rapidamente desde 2014. E até o Qatar já celebrou acordo comercial com a China à base de swap monetário.

Valor: Vladimir Putin tem sido descrito como figura que ameaçaria a paz e a estabilidade regional e até global com suas atitudes.

Moniz Bandeira: Tal configuração, diabolizar o presidente Putin, é ato de guerra psicológica, através da mídia, mas a nada leva, como o professor Kissinger também já escreveu. O fato é que o presidente Putin é o único grande estadista da atualidade e o confronto com o Ocidente libertou a alma russa da garrafa. Quando os EUA promoveram o golpe em Kiev, retomou a Crimeia, com as jazidas de gás e petróleo existentes do Mar Negro e no Mar de Azov, nas quais as empresas do Ocidente já pretendiam investir. E as populações de Donbas se insurgiram. Era inevitável quando os neonazistas, ascendendo ao poder em Kiev, proibiram a língua russa na Ucrânia.