Obama admite uma ‘mudança de método’, mas Cuba insiste em saber com que objetivos
Mais de mil jornalistas estrangeiros se encontram em Havana. A maioria vinda dos EUA. Cobrem o início do diálogo entre delegações cubana e estadunidense para o restabelecimento de relações, após 53 anos de bloqueio decretado pela Casa Branca.
Obama admitiu, em dezembro de 2014, e repetiu agora no discurso sobre o Estado da União, que o embargo “não funcionou”. Graças à mediação do Papa Francisco, se iniciaram neste 22 de janeiro as conversações oficiais entre ambos os países.
Falei com vários cubanos. O sentimento predominante aqui, como me disse em “off” um ex-ministro, é que tão cedo “não serão normais as relações normais entre os dois países”. Os dois falam linguagens distintas: os EUA em FM; Cuba em AM.
Desde que os EUA ajudaram Cuba a se independentizar da Espanha, no fim do século XIX, a Casa Branca julga que a ilha é como uma filha resgatada pela mãe. Um dos preços da independência foi a perda de soberania de Cuba sobre a base naval de Guantánamo, tema espinhoso que ainda não entrou na pauta das conversações.
O governo de Cuba considera hipocrisia restabelecer relações apenas formais, sem o cancelamento da “lei de ajuste cubano”, que prevê cidadania estadunidense a todo cubano refugiado que pisar em solo dos EUA.
Cuba sabe — e teme — que flexibilizar a lei de migração trará anualmente, no mínimo, três milhões de turistas dos EUA e milhões de dólares a uma economia debilitada. E, na bagagem, uma cultura consumista que se chocará com a austeridade em que vive o povo de Cuba.
Mesmo empresários conservadores do país do Norte pressionam o Congresso para que suspenda o bloqueio o quanto antes, enquanto países como o Brasil e tantos outros já se adiantaram com parceiros do potencial de comércio representado pela geopolítica de Cuba, situada no centro do Caribe.
Obama deixou claro em seu último discurso: não está em jogo modificar os objetivos que regem a política externa americana, que considera seu modelo de democracia ideal para o mundo. Ele admite, cartesianamente, uma “mudança de método”. Mas Cuba insiste em saber com que objetivos.
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.