A perda de dinamismo da economia brasileira, decorrente principalmente da desindustrialização do país e da deterioração perigosa das nossas contas externas, tem o seu lado positivo. Depois de anos de apreciação cambial e de destruição de parte significativa da indústria, creio que hoje poucos colocam em dúvida a afirmativa de que a taxa de câmbio é um dos preços relativos macroeconômicos vitais, e determinante fundamental do processo de desenvolvimento econômico. O que é estranho neste Brasil é a timidez com que aqueles, conscientes dos efeitos devastadores que o câmbio apreciado pode provocar na economia, defendem a sua depreciação, para tornar a nossa indústria competitiva internacionalmente. O novo ministro da Indústria, Comércio e Desenvolvimento, digno representante da indústria brasileira, defendeu uma taxa de câmbio mais competitiva, mas não o fez com a veemência necessária, dada a dramática situação que vive o seu setor. Ninguém mais se pronunciou, com clareza, sobre qual a política que será seguida pela nova equipe de governo.

A esta altura, com o estrago que já provocou na economia brasileira, a taxa de câmbio deveria ser o tema central da agenda nacional. Cabe discutir não só o nível da taxa real de câmbio, mas também a sua estabilidade, ou seja, a sua previsibilidade. Os empresários que dependem deste preço fundamental, que atuam no setor de bens e serviços transacionáveis, merecem saber quais as regras que o governo vai seguir, para podere tomar suas decisões de investimento. Se a determinação desse preço vital permanecer como uma resultante de outras políticas, o nível de incerteza permanecerá tão elevado que se torna proibitivo fazer novos investimentos. E precisamos, neste momento, mais do que nunca, reanimar o empresariado nacional para reverter o quadro recessivo em que estamos atolados. Medidas na área fiscal anunciadas deverão mudar o humor do setor financeiro, faltam agora reformas e medidas estimulando o lado da oferta de bens. Nada melhor que um novo regime de política cambial responsável.

É preciso, antes de mais nada, reconhecer que existe um problema de fundo em relação à política cambial no Brasil, a sua institucionalidade. Afinal quem é o responsável pela política cambial: Ministério da Fazenda ou o Banco Central? Em todos os países com instituições sólidas e bem definidas, é o Ministério da Fazenda e nunca o banco central, pois este tende a ter independência operacional, tendo, primordialmente, o controle da inflação e a estabilidade financeira como metas. Em alguns países, o câmbio é tão importante, é questão vital, e o próprio Poder Executivo assume a responsabilidade, pois responde pela definição do rumo futuro do país. Evidentemente, quem assume a responsabilidade tem que ter poder e instrumentos de atuação. Nesse sentido, um regime muito comum é o Ministério da Fazenda definir os objetivos e os instrumentos de política e, conceder um mandato para o banco central operacionalizá-la.

É preciso termos uma autoridade superior que se responsabilize e que coordene as políticas macroeconômicas

No Brasil vivemos uma ambiguidade ou uma indefinição, num jogo implícito de transferência de responsabilidade, na qual a política cambial acaba sendo considerada resultado de outras políticas, não se definindo nem os objetivos e metas, nem os instrumentos de intervenção no mercado cambial. Nesse “jogo de enganação”, a Fazenda, explícita ou implicitamente, diz ser responsável pela política fiscal e o banco central tem a meta de inflação e o seu instrumento de política seria a taxa de juros.

Na prática, como a gestão das reservas cambiais e a fixação da taxa de juros, dois dos instrumentos de determinação da taxa de câmbio, estão nas mãos do banco central, é este quem determina a taxa de câmbio. Mas aí existe um “conflito de interesses.” Como controlar a inflação é função explícita do Banco Central, e a taxa de juros, diretamente, tem pouca eficácia em controlá-la no Brasil, uma forma cômoda e, aparentemente sem maiores custos, pelo menos no curto prazo, utilizada para reduzir a inflação tem sido apreciar a taxa de câmbio.

Portanto, é preciso definir quem é o responsável para chegar à taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo, nível que equilibre as contas externas e que garanta a estabilidade de longo prazo, permitindo ao empresário reduzir as incertezas nas decisões de investimento. Mas, ainda mais importante é termos uma autoridade superior que se responsabilize e que coordene as políticas macroeconômicas.

Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).