“Me consola Arraes não estar vivo para ver como PSB está”, diz ex-presidente do partido
Rio – Prestes a completar 75 anos no dia 24, Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, afirma sentir dor ao ver que “setores” à direita e “oportunistas” sejam “burocraticamente dominantes” em seu partido. Para Amaral, Miguel Arraes não se identificaria hoje com a legenda que fundou. O ex-ministro do governo Lula não poupa críticas aos rumos do PSB que, em sua avaliação, adotou estratégia “errada” para crescer ao admitir em seus quadros a família Bornhausen, ex-PFL, e o dono da Friboi, o empresário José Batista Júnior. Fora da direção partidária, Amaral utiliza o apartamento em Laranjeiras como escritório, onde elabora análises de conjuntura e reúne socialistas para formulação e rearticulação “das esquerdas”.
O DIA: Como o senhor viu o resultado das eleições?
ROBERTO AMARAL: O lado positivo foi a consagração e a confirmação do projeto do governo Lula e da presidenta Dilma. Um governo com inumeráveis críticas, mas com o mérito de ter valorizado as classes subalternas. Por outro lado, houve o reaparecimento da direita.Não ao estilo europeu, mas uma direita sem base ideológica nem fundamentação doutrinária e que, por isso, passou a adotar a prática fascista, com tendências ao desrespeito à democracia. A tática hoje da direita é tentar impedir a posse da Dilma.
Quem são hoje os representantes da direita?
Estão majoritariamente no PSDB, no DEM e no PPS. Mas há setores de direita em quase todos os partidos, inclusive no meu.
Quem, no PSB?
Prefiro não personalizar a entrevista.
Por que o senhor se colocou contra lançar candidato próprio?
Nunca me coloquei contra ter candidato. Ao contrário, sempre fui a favor de candidatura própria.
A de Eduardo Campos?
Sou contra ter apenas para crescer. É irresponsabilidade histórica. Entendo que candidatura serve ao processo eleitoral, mas deve servir antes de tudo ao processo político. A candidatura mais correta em 2006 era a de Lula; a de 2010, de Dilma; e, a de 2014, para a continuidade do processo, era a da Dilma. Tanto assim que a direita estava contra.
Errou, então, o PSB ao lançar Eduardo e depois afirmar a candidatura de Marina Silva?
Foi uma sequência de erros, e o menor deles foi ter lançado candidatura própria — o maior, a estratégia de fazer campanha pela direita. O debate não é ter ou não candidato. O PSB, por definição, tem campo e é o da esquerda, onde nascemos, em 1947, quando os atuais dirigentes não eram vivos. Não podemos, agora, ter candidatura negando isso. Minha crítica foi a estratégia do antidilmismo via direita. Há contra o governo uma série de críticas, mas à esquerda.
Ir para a direita fez com que Eduardo empolgasse os financiadores.
E empolgou setores ponderados do partido e os levou a assimilar a direita. É trágico.
Não são eles que têm força hoje no partido?
São burocraticamente dominantes. Vejo isso com dor.Me consola é que o Jamil (Haddad, presidente de honra do PSB) e o (Miguel) Arraes (avô de Eduardo Campos e um dos fundadores do partido) não estão mais vivos para ver o que está acontecendo, porque não se identificariam com o que aí está.. Mas acredito que esta fase seja passageira.
Ainda por mágoa do processo eleitoral?
O processo eleitoral feriu, mas estou convencido de que a adesão de setores do PSB à direita não se fez de forma ideológica, mas por puro oportunismo, porque pensavam que Aécio ganharia. O oportunista joga pela direita e pela esquerda. E há também uma política dentro do PSB de crescimento pelo crescimento. Há pessoas que dizem que o fundamental é crescer e, só aí, discutir o partido.
Quem?
Vem muito de São Paulo, onde está impregnada a política do PSDB… Mas não queria citar os estados.
Vão ficar independentes do governo Dilma?
Não existe isso. É um desrespeito à política e à lógica. Ou você apoia o governo ou não apoia o governo.
Deveria voltar a ser governista, então?
O PSB tinha de se definir. Ter coragem de se decidir. Aliás, o PSB não. Esta direção que quer fazer oposição, sem ser chamada de oposição e separada do DEM; ser governo, sem ser chamado de governista e se desvincular do PT.
A direção diz que era próxima a Eduardo e que dá continuidade à gestão.
Todo mundo era próximo de Eduardo Campos.
Mas claramente o PSB do Rio tem discordância sobre os rumos que o partido deveria tomar.
Quem define a linha do partido é o programa. E, pelo programa, atuamos na esquerda, que quer o avanço da emergência das massas, a manutenção das conquistas sociais e o reforço da soberania nacional. Temos de estar ao lado dos que defendem isso. E não de quem defende independência do Banco Central.
Então o partido tem ignorado o programa.
Se o partido estivesse se posicionando como estou dizendo, eu não teria renunciado à sua presidência. Renunciei, não por um ato pessoal, foi parar abrir discussão.
E houve a discussão?
Muito pouco. Há um texto muito antigo, que vou reescrever, que é sobre que partido queremos. Precisamos redefinir isso. Definimos que queríamos um partido para combater a social democracia. Este era o fundamento do congresso de 1986. No PSB não cabe a oligarquia Bornhausen (cujo patriarca pertenceu à UDN e ao DEM, em Santa Catarina).
Não só coube como o PSB deu legenda.
Alguma coisa está errada. Não sei nem o que é pior. Há algo errado quando o PSB entrega sua direção em Goiás ao herdeiro da Friboi (o empresário José Batista Júnior). Há algo errado quando entregam a direção do PSB do Paraná ao governador Beto Richa (do PSBD e recebeu, nas eleições, apoio do partido). Há algo errado quando se alia ao maior adversário de Miguel Arraes, em Pernambuco, o Jarbas Vasconcelos. Está errado! Estamos vivendo a tragédia da política, que deixou de ser a fonte do progresso e do bem-estar.
É uma crise do PSB?
A crise é geral da esquerda. Primeiro porque deixou de formular e, depois, por inorganicidade. Os partidos não estudam mais, não formulam mais e, como estão na máquina estatal, deixaram de lado a organização. Qual último documento sério, de análise de conjuntura, que você leu do PSB ou da esquerda sobre o Brasil, a América Latina? Não há mais. Não há como a população entender nada, pelo viés da esquerda, porque não há mais produção da esquerda.
O senhor sabia que o avião usado por Eduardo tinha problemas legais?
Não. Fui pego de surpresa.Eu não sabia de nada. As duas únicas pessoas que tinham alguma informação eram o Carlos Siqueira (coordenador de campanha e atual presidente do PSB) e seu assessor, que coordenava a agenda. A prestação de contas foi feita depois que eu saí. Não sei como andam as investigações.
Entrevista: Nonato Viegas – O Dia