Agora, além de maldizer o Nordeste, acharam por bem falar do Maranhão, já que o meu estado foi onde houve, proporcionalmente, mais votos para Dilma. Parece haver um consenso entre os insatisfeitos de que a votação expressiva do Maranhão deve-se unicamente ao Bolsa-Família e que, egoisticamente, os maranhenses ficaram com medo de deixar de perder seu “privilégio”. Bem, gostaria de deixar o meu testemunho de porque acho que 70% dos maranhenses votaram em Dilma. Não tenho a pretensão de dizer que isso é uma verdade absoluta ou falar em nome de seis milhões e meio de maranhenses, até porque votei no Aécio, mas, como já disse, é apenas um testemunho.

Quebradeiras de coco babaçu mamando nas tetas do governo

Quebradeiras de coco babaçu mamando nas tetas do governo

Bem, o Maranhão de minha infância foi um estado pobre e que hoje me impressiona o tanto que mudou em um espaço de tempo tão pequeno.

Apesar de nunca ter vivido em miséria ou pobreza, pois, graças a Deus, minha família era de classe média, cresci em um lugar onde a mão de obra era tão barata que as casas de classe média do Maranhão pareciam verdadeiras cortes tamanho o número de empregados. As crianças vinham do interior do Maranhão, fugindo, como diria Patativa do Assaré, “com medo da peste, da fome feroz”. Eram “criadas” pelas donas de casas maranhenses. “Criadas” significava que elas trabalhariam de graça para ter a oportunidade de estudar em uma escola pública, desde que a noite, e caso a Casa Grande, digo, a família fosse condescendente, essa criança receberia algumas roupas usadas como “presente”. Quando virasse adolescente, com muita sorte, receberia, um salário mínimo??, não, meio salário-mínimo, ou, como dizíamos no Maranhão, meio salário, que naquela época era miserável. Era um sistema tão surreal, que havia um sentimento de gratidão entre essas meninas e as donas de casa, pois elas sentiam-se realmente “criadas” e sabiam que se não tivessem vindo do interior para se submeterem a isso, a sua sorte seria bem pior.

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Curta de Glauber Rocha, que foi encomendado por José Sarney em sua posse ao governo do Estado do Maranhão em 66. Até vinte anos atrás era tão atual…

Lembro de uma professora minha, em plena aula, dizer que tinha um jardineiro que cobrava só um prato de comida para poder fazer o trabalho. Ela dizia que sabia que era barato, mas é o que ele cobrava. “Ah, mas também era um senhor prato que ele comia” – ela dizia como para se justificar. Acostumei-me a estudar em escolas em que os poucos negros trabalhavam como porteiros ou faxineiras. Não lembro de ter muitos amigos negros no Maranhão (negro quando digo é da cor do Pelé, não moreno quase que nem eu), não por não gostar deles, mas sim porque os negros não faziam parte do nosso círculo social. Os poucos amigos negros que lembro de brincar na rua do meu bairro eram adotados ou “criados”. Isso no segundo maior estado negro do país.

Lembro de, quando criança, ficar aterrorizado em descobrir que alguns dos jardineiros, motoristas, entre outros que prestavam serviços eventuais para nossa casa, não sabiam ler nem escrever e, ironicamente, aprendiam as primeiras palavras das crianças da casa que, naquela inocência, acreditavam que poderiam ajudar. Lembro de perguntar quantos irmãos eles tinham e eles responderem que a mãe teve oito filhos, mas só cinco “renderam”, já que era natural crianças morrerem de desnutrição no Maranhão antes dos cinco anos.

Lembro, quando criança, de conversar com um menino vizinho meu e perguntar do lavador de carros da casa dele, que gostávamos porque nos dava algumas aulas de capoeira (apesar de algumas mães não aprovarem por dizer que aquilo era coisa de preto e vagabundo). Vi que fazia tempo que ele não ia mais lá e resolvi perguntar por que: – Ah, nós juntamos um bando de roupas usadas e demos para ele. Depois ele veio pedir salário, ele era muito folgado – foi a resposta que recebi e que, se hoje acho de uma atrocidade tremenda, naquela época, como criança, achei apenas natural.

Mas não só a classe pobre maranhense era assim. A classe média do Maranhão também era pobre, ainda que frente a grande maioria da cidade fôssemos ricos. Quando criança, ficava maravilhado ouvindo as histórias dos poucos felizardos que haviam tido a graça de visitar São Paulo, como tudo lá parecia coisa de outro mundo, não era “aquele lixo que é São Luís” – como a gente costumava dizer. Naquela época, mesmo um classe média maranhense, deveria ter uma renda per capita cinco vezes menor do que um classe média paulista, isso sou eu chutando.

Poderia escrever trinta, quarenta páginas sobre a minha realidade de criança, mas acho que deixei meu ponto.

Maranhenses que só pensam em si mesmos e votaram na Dilma

Maranhenses que só pensam em si mesmos e votaram na Dilma

Hoje, em São Luís, é preciso muita coragem para se “criar” meninas na sua casa. Com a melhora das instituições e o maior nível de escolaridade, ninguém se sujeita a esse tipo de trabalho escravo e, depois de levar um processo na justiça do trabalho, pode acontecer é de você ir limpar a casa da empregada para pagar a dívida. Depois da Emenda Constitucional das Domésticas “empregada no Maranhão agora só quer ser chique” – como escutei na última vez que fui lá. O interior do Maranhão pode não ter virado uma maravilha, mas pelo menos deixamos de ver pessoas literalmente fugindo de lá para não padecerem de fome ou desnutrição e hoje poderem ir para escola. Educação ruim, é verdade, mas melhor do que quando não tinham nem isso e tinham que aprender a ler com as crianças da Casa Grande.

Hoje o Maranhão pode não ter virado São Paulo, a ilha das maravilhas de todo maranhense da década de 80, mas com certeza a nossa diferença diminui absurdamente. O Nordeste nos 12 anos do governo Lula-Dilma cresceu a uma taxa três vezes maior que a média da taxa de crescimento do Brasil. A título de comparação, em 2011, o Maranhão cresceu a taxas chinesas, 10,3%, enquanto o PIB nacional cresceu 2,7%. Se isso foi por mérito do PT, foi por causa do crescimento da China, foi por causa das reformas do FHC, foi por causa da seleção de Parreira de 1994, por causa do Capitão Planeta, ninguém pode afirmar, mas é natural a tendência das pessoas a ligar os pequenos avanços que conseguiram a quem está no poder. Os nossos avós, a Getúlio Vargas, os maranhenses, a Lula e Dilma e, graças a Deus, não aos Sarneys.

Acredito que não há demérito nenhum em dizer “não conheço esse tema, será se dava para você falar um pouco mais?”. Na verdade, é bem melhor do que sair falando barbaridades sobre estados e pessoas que nem sabe onde fica e nunca visitou, apesar de já ter ido a Paris e a Disney. Afinal, o Estado de uma pessoa não é só aquilo que você teve que decorar na aula de Geografia, o Estado de uma pessoa é de onde ela vem, é onde estão os seus amigos de infância, a sua família, é de onde vêm as pessoas com quem ela se sente mais a vontade e é de onde se ela teve que sair foi porque, como disse o Luiz Gonzaga, teve que pegar “o último pau-de-arara”.
E, assim, meu Estado não elegeu Feliciano, a filha de Garotinho, Eduardo Cunha, Maluf, Tiririca, Russomano, Fraga entre outros grandes políticos sucesso de votos. Tiramos os Sarneys. Talvez não estejamos tão mal assim.

Hein Hein, bando de qualhira! Fica mangando dos outros, arrumando cascaria, depois pega um bogue ou leva uma chuchada e fica todo escangalhado! Aí eu vou ver ficar arriliado. Ninguém aqui é seus pareceiro não!

Fonte: http://www.omundonumamochila.com.br/2014/10/ai-ai-agora-deram-para-falar-do-maranhao.html