por: Eduardo Galeno
Postado na Revista Diálogos do Sul – DS dia 22 de julho de 2014
A multiplicação do terrorismo
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carniceira de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplica-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados a humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com torpe pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, ao borde da loucura suicida, é a mão das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, desde há muitos anos, o direito a existência da Palestina. Já a pouca Palestina que sobra. Passo a passo, Israel a está apagando do mapa.
Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel tem devorado outro pedaço da Palestina, e os banquetes prosseguem. A comilança se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição sofridos pelos judeus, e pelo pânico gerado pelos palestinos diante do cerco.
Israel é o país que jamais cumpriu com as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que se burla das leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza?
O governo espanhol não poderia ter bombardeado impunemente o País Vasco para acabar com ETA, nem o governo britânico poderia arrasar Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do holocausto implica uma apólice de impunidade eterna? Ou essa luz verde provem da potencia que manda mais que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?
O exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis são os danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia de esquartejamento humano, que a indústria militar está experimentando com êxito nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita.
Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, através dos meios de comunicação de massa de manipulação, que nos convidam a acreditar que uma vida israelita vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos incitam a crer que são humanitárias as dezenas de bombas atômicas de Israel, e que uma potencia nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se titulam quando fazem teatro?
Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se torna mais evidente. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.
Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus de esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima enquanto secretamente celebra mais esta jogada de mestre. Porque a caça de judeus sempre foi um costume europeu, porém desde há meio século essa dívida histórica esta sendo cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são antissemitas. Eles estão pagando, em sangue constante e gritante, uma conta alheia.