Carta, 30.03.2012

O ministro dos meios de comunicação

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Ministro Paulo Bernardo (imagem retirada da internet)

Apoiado em falso argumento, Paulo Bernardo enterra o debate sobre uma nova lei de comunicação de massas. E estuda um presente para as empresas de telefonia

Quem alimentava esperanças de assistir no Brasil a uma discussão séria e fundamentada sobre a atualização das leis de comunicação pode desistir. O último projeto elaborado pelo governo, obra do ex-secretário Franklin Martins ainda no governo Lula, foi enterrado oficial mente pelo atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Em entrevista recente a O Estado de S. Paulo, Bernardo não deixou dúvidas: o governo Dilma não está disposto a bancar a regulamentação da mídia nem a considera necessária. “Temos de discutir menos apaixonadamente essa questão da mídia. Entendo que a democracia brasileira pressupõe mídia livre e liberdade de expressão. Não queremos mudar isso”, afirmou o ministro, numa platitude bem ao gosto dos donos dos meios de comunicação, embora desprovida de qualquer conteúdo. O ministro não é bobo e deveria saber: quem normalmente alerta para os efeitos deletérios do oligopólio midiático existente no País deseja mais e não menos liberdade. E não somente liberdade concentrada nas mãos de uns poucos.

0 sistema de regulação no Brasil, cuja principal regra, a lei de radiodifusão, foi criada nos anos 1960, estimula a lei da selva, em que prevalece a vontade dos mais fortes. Contém vícios do passado e não resolve impasses do presente. Não há impedimento à propriedade cruzada, o que estimula os monopólios, licenças são negociadas ao arrepio da Constituição, o que explica o aumento do proselitismo religioso eletrônico, e políticos permanecem livres para ser donos ou sócios de emissoras de rádio e tevê, uma afronta ao jogo democrático. Fora isso, as mudanças tecnológicas em curso, com o crescimento da internet e a convergência (hoje se pode ler um texto jornalístico ou assistir à tevê no celular e no computador) exigem por si só uma rediscussão dos marcos regulatórios do setor. Nada disso tem a ver com censura, ao contrário do discurso conservador e conveniente a quem opera sem nenhum freio.

Essas constatações tão simples parecem insuficientes para comover Bernardo. E dá-se assim, por meio de suas mãos, uma morte semelhante, por asfixia, do debate igualmente enterrado no governo Fernando Henrique Cardoso, que chegou a preparar em vão três marcos regulatórios do setor.

Entende-se o empenho de Bernardo. O ministro é o símbolo de uma nova burocracia petista emergente nos últimos anos. De posições melífluas e discrição conveniente, eleitoralmente pragmática e paroquial, a nova turma abrigada no governo atua nos bastidores e joga para expandir seus poderes pessoais na Esplanada. Antes de assumir a pasta da Comunicação no governo Dilma, Bernardo, cuja base política fica no Paraná, «ocupou o Planejamento na administração Lula, quando o ministério tinha um papel secundário (todas as principais decisões estavam concentradas na Casa Civil, ocupada pela futura presidenta, e na Fazenda de Cuido Mantega). Por ser discreto, ou melhor, por não ter causado maiores problemas, ganhou espaço em Brasília, assim como sua mulher, Gleisi Hoffmann, atual titular da Casa Civil. Não se conhece nenhuma boa ideia de Bernardo no ministério. A praticamente um ano e meio da Copa de 2014, teme–se por um apagão na telefonia durante os jogos. Os serviços telefônicos, aliás, nunca estiveram tão ruins.

Quanto aos meios de comunicação, sua posição é clara faz bastante tempo. Desde a posse, em 2011, o ministro tem demonstrado grande disposição para enterrar o assunto. Seu primeiro ato foi barrar a tramitação do projeto de Franklin Martins, que estava pronto para seguir ao Congresso após longas e tensas conferências realizadas Brasil afora. A maioria dos grupos de comunicação recusou-se a debater o tema, mas as audiências públicas seguiram em frente e produziram resultados. Porém, Bernardo considerou o projeto incipiente.

Segundo consta, Bernardo não agiria por conta própria. Diante dos desafios na economia, Dilma Rousseff não pretenderia desenterrar o assunto, ao menos não agora, informam fontes do Palácio do Planalto. A principal razão seria a de desaprovar a regulação elaborada por Martins. Dilma consideraria o projeto “antiquado”. Além disso, ecoaria no governo a crítica midiática ao suposto viés autoritário da proposta. O Planalto não aprovaria, por exemplo, a criação de uma “agência nacional de comunicação” para regulamentar o conteúdo, embora o Reino Unido, berço do conceito moderno de liberdade de expressão, esteja prestes a criar um conselho semelhante (texto de Gianni Carta à pág. 30).

Na entrevista ao Estadão, o ministro das Comunicações anunciou ainda a intenção de desonerar em 6 bilhões de reais as operadoras de telefonia, uma nova fonte de conflito. Circula também a informação de que o ministério, com o apoio da Agência Nacional de Telecomunicações, estaria disposto a repassar às empresas a infraestrutura da telefonia fixa pertencente à União. A intenção seria ceder a infraestrutura, avaliada em 17 bilhões de reais, em troca de investimentos na expansão da rede de banda larga. Os críticos dizem que Brasília entregará um patrimônio nacional à toa, pois existem outras formas de estimular a ampliação da internet rápida. A respeito, leia artigo de Samuel Possebon, editor da revista especializada Teletime, à pág. 29.

O que mais causou furor no PT foi, no entanto, o desdém do ministro ao debate sobre a mídia. “Há um medo, uma covardia de debater o tema no País. Há a interdição completa desse assunto, nem debater se pode”, diz o deputado Fernando Ferro (PT-PE), que vê o governo Dilma refém das críticas da mídia. “Os proprietários dos veículos de comunicação criaram uma cultura de que qualquer questionamento significa atacar a liberdade de expressão. Esse clima contaminou jornalistas e também o Congresso e o governo. Ninguém pode contrariar esses arautos da liberdade de expressão, mesmo que essa concentração seja o oposto do que o capitalismo que eles defendem propõe, ou seja, a livre competição.”

Para Ferro, o debate é tão interditado que as questões relacionadas à mídia nem chegam ao plenário do Congresso, são barradas nas próprias comissões pelo intenso lobby dos proprietários de veículos de comunicação, muitos deles, por sinal, políticos de profissão. O projeto para coibir a prática dos “jabás” nas rádios, por exemplo, está parado há oito anos nas comissões. Pouco vai adiantar se o projeto nascer no Parlamento, como propõe o PT. “Por parte do Executivo não virá”, acredita Ferro. “E um misto de medo com conivência e cumplicidade. Além de sado-masoquismo, pois o governo paga para ser espancado pelos jornais.”

Muitos se perguntam o que poderia ser 5 feito de fato para democratizar os meios S de comunicação no País ou ao menos desconcentrá-los. Duas iniciativas parecem fundamentais. A primeira é limitar a propriedade cruzada, ou seja, impedir a um mesmo grupo de mídia de controlar ao mesmo tempo rádios, tevês, jornais e internet, a partir de um critério regional. Foi o que Cristina Kirchner fez de maneira radical na Argentina, contrariando os interesses do gigantesco Grupo Clarín, que terá de se desfazer de boa parte de suas concessões.

Essa não é, porém, uma iniciativa exclusiva de governos “bolivarianos” e autoritários, como a mídia brasileira gosta de pintar. Países democráticos e desenvolvidos, os Estados Unidos e toda a Europa Ocidental em particular, limitam a propriedade cruzada por acreditar que a concentração do poder midiático enfraquece a democracia.

Outra iniciativa importante seria o fim do monopólio constitucional da mídia a cidadãos nacionais, vedando a estrangeiros a participação no negócio. É uma situação estranha a brasileira. Desde o fim da ditadura, vários setores econômicos nacionais foram submetidos à concorrência externa, inclusive os bancos. Em geral, a abertura dos mercados sempre foi e continua a ser aplaudida pelas empresas de comunicação. Desde que não alcance seu quintal. Não há setor mais nacionalista com influência no Congresso, pronto a defender a qualquer tempo e hora a necessidade de proteção ao seu conteúdo, ainda que eles deem pouca atenção a dois pilares essenciais ao sistema: a regionalização e a diversidade da programação.

Junte-se à inapetência para mudar as leis de comunicação a mudança nos critérios de distribuição de verbas publicitárias do governo. Sob o comando da jornalista Helena Chagas, as regras e a burocracia da Secretaria de Comunicação da Presidência da República mudaram radicalmente em relação aos tempos de Martins, seu antecessor. Voltaram a ser amplamente beneficiados os maiores grupos de comunicação, os de sempre, que cresceram à sombra de uma espécie de propina hoje institucionalizada, o Bônus de Verificação ou BV (quanto mais uma agência de publicidade programa anúncios em um determinado veículo, mais dinheiro ela recebe de volta).

Existe uma insatisfação crescente, principalmente nas estatais, com os atuais critérios de distribuição da publicidade governamental. Era uma decisão do governo Lula desconcentrar e regionalizar a propaganda oficial. Com Fernando Henrique Cardoso no cargo, praticamente só os veículos de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Minas Gerais recebiam anúncios do governo. Quando Lula chegou ao poder, em 2003, o então ministro-chefe da Secom, Luiz Gushiken, disse a seguinte frase aos responsáveis pelo marketing das empresas e dos bancos estatais: “Vocês obtêm lucro em todos os estados brasileiros. Temos de ser republicanos”. Isso significava que a publicidade oficiai não deveria ir apenas para veículos r dos grandes centros, mas pulverizada 3 para meios de outras capitais e do interior do País. Com Martins à frente da Secom, a estratégia foi mantida. Helena Chagas reviu o critério. “Essa história de “critério técnico” é balela, não tem nada de técnico”, reclama o executivo de marketing de uma estatal. A maior queixa é quanto à falta de autonomia: se um veículo menor procurar a empresa e oferecer um pacote de publicidade, o contrato é barrado na Secom com a exigência de que seja feito com concorrentes do mesmo local. “Um exemplo: para fechar um pacote com um jornal de Varginha (MG), é preciso fazer também em outro jornal de lá, que nem nos procurou. E irreal”, critica o executivo.

A Globo agradece. Nos últimos dez anos, considerados os piores da história do País pela maioria dos principais jornalistas da casa, a família Marinho não tem do que reclamar. Divulgado na quarta-feira 27, o balanço da Globopar, holding do grupo, indica um faturamento líquido de 12,6 bilhões de reais no ano passado, três vezes mais do que no último ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. O lucro, de 2,9 bilhões, é apenas 1 bilhão menor do que todo o faturamento de dez anos antes. Poucas empresas brasileiras cresceram tanto. A União deu sua contribuição – e dá cada vez mais. No ano passado, um terço de toda a verba do governo federal, excluídas as estatais, pingou nos cofres da empresa. Foram quase 50 milhões de reais só em anúncios de utilidade pública. Não à toa, os herdeiros de Roberto Marinho (João Roberto, Roberto Irineu e José Roberto) voltaram a figurar, após nove anos de ausência, na lista dos bilionários da revista norte-americana Forbes. Segundo a publicação, o patrimônio pessoal de cada um deles alcança 5 bilhões de reais.

O que diria Roberto Marinho se vivo fosse? Manteria os termos de uma carta aberta, publicada em O Globo em 1989 e endereçada a Lula, na qual dizia não ter nada em especial contra o então candidato? Que se movia unicamente por seu instinto de cidadão? Às críticas de Lula ao poder desmesurado do conglomerado midiático, Roberto Marinho respondeu: “A orientação que imprimo aos veículos que me cabe dirigir visa estritamente à defesa do que julgo serem os reais interesses do País e dos caminhos a serem trilhados para que se possa alcançar o bem-estar do povo”.

Naquela eleição, a Globo apoiou Fernando Collorde Mello. Deu no que deu.