Causa espanto o questionamento, encabeçado por parte de setores ligados aos interesses do financismo, a respeito das razões que teriam levado o colegiado a não elevar o custo do dinheiro. Como se a alta na Selic fosse uma medida óbvia a ser adotada na reunião.
Paulo Kliass
A segunda reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) desse ano, realizada em 5 e 6 de março, concluiu pela manutenção da taxa oficial de juros no patamar de 7,25% ao ano. O aspecto que mais chama a atenção não é exatamente a decisão de não elevar a taxa SELIC. Afinal os dados relativos ao desempenho da economia em 2012 apontam para a necessidade de retomada mais efetiva do ritmo de atividade econômica. O que causa espanto é que haja mesmo um questionamento, encabeçado por parte de setores ligados à defesa explícita e arraigada dos interesses do financismo, a respeito das razões que teriam levado o colegiado a não elevar o custo do dinheiro. Como se a alta na SELIC fosse uma medida óbvia e inquestionável a ser adotada na reunião.
Ora, uma das marcas que diferenciam a gestão da Presidenta Dilma daquela de seu predecessor é justamente a sua capacidade de influenciar mais diretamente os rumos e as decisões relativas à política econômica de seu governo. Durante os 2 mandatos de Lula, a condução da política monetária estava delegada, com total liberdade de ação, ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. E o detalhe era que o cidadão havia sido convidado para ocupar o posto depois de uma longa e exitosa carreira como dirigente do sistema financeiro privado. Ao final, deixou a presidência internacional do Bank of Boston para retornar ao Brasil, elegeu-se deputado federal pelo PSDB e largou tudo quando recebeu o convite de Lula, por uma sugestão de Palocci. Os resultados dessa aventura desastrosa e irresponsável estão sendo sentidos até hoje em nossas terras: i) aumento da dívida pública; ii) comprometimento do orçamento público para pagamento de juros e serviços desse endividamento; iii) reforço da tendência à financeirização da nossa economia, entre tantos outros.
SELIC em baixa de 12,50% a 7,25% ao ano
Com a nova administração a partir de 2011, o Banco Central deixa de usufruir da suposta âindependênciaâ que existia até então. Isso porque não se conhece caso de administração de política monetária no mundo que seja marcada pela âneutralidade técnicaâ. O discurso que propõe o sedutor modelo da âautoridade monetária independenteâ, na verdade, esconde a realidade de que a economia do País vai ser conduzida diretamente pelos interesses da banca privada. Por maior que possa ser o conteúdo técnico de uma decisão sobre taxa de juros, no fundo trata-se de uma decisão política. E nada mais correto que assim o seja, pois quem foi eleito para governar – e, assim, tem legitimidade para tanto – foi o chefe de governo e não um colegiado da tecnocracia. Por sua própria formação e por seu estilo de tr abal ho, Dilma mantém uma relação de maior proximidade com Tombini e parece acompanhar com mais detalhe a evolução das decisões do COPOM. Essa determinação talvez esteja na base da explicação do porque, meio ano após sua posse, a tendência da SELIC tenha apresentado um comportamento inédito até então. Ao longo de 10 reuniões seguidas, o Conselho decidiu por também 10 reduções sucessivas na taxa de juros do Banco Central. Ela saiu de 12,50% em agosto de 2011 até estacionar nos atuais 7,25% em outubro de 2012.
Os resultados oficiais, divulgados recentemente pelo IBGE, a respeito do crescimento do PIB brasileiro não confirmaram as versões otimistas que se tentou passar ao longo do ano passado. Nosso produto cresceu apenas 0,9%, muito abaixo da média dos países vizinhos, da América Latina e mesmo dos similares do bloco dos BRICs. Frente a esse quadro, a última ferramenta que se pode imaginar um governo lançar mão é o aumento da taxa oficial de juros. Seria mesmo uma loucura! Um verdadeiro tiro no pé, tendo em vista o desejo generalizado e a necessidade premente de retomada da atividade econômica em níveis mais elevados.
Retomada dos investimentos exige taxas de juros baixas
Uma das sinalizações mais importantes, sem dúvida alguma, para acelerar o crescimento é a taxa de juros. A manutenção ou mesmo a redução na SELIC indica a disposição do governo em incentivar a redução do custo do dinheiro, E portanto a diminuição da parcela de recursos que a sociedade, em seu conjunto, gasta com atividades parasitas vinculadas ao financismo. É claro quer tal medida necessita vir acompanhada de outras, como aliás já vem sendo feito, de maneira a que a decisão relativa à SELIC seja também sentida na ponta do balcão, no custo nas operações de crédito e dos empréstimos. Ou seja, é preciso que os bancos e demais instituições financ eiras promovam uma redução das taxas praticadas nas operações com famílias e empresas.
A análise dos números do PIB do ano passado mostra que, dentre os fatores explicativos do baixo crescimento verificado, encontra-se a baixa capacidade apresentada pelos investimentos. Em relação a 2011, houve mesmo uma retração superior a 4% nesse quesito estratégico para o futuro de qualquer país. A participação daquilo que o economês chama de âformação bruta de capital fixoâ (FBCF) – variável que procura medir o investimento na economia – no PIB foi pouco superior a 18%. Ocorre que para crescer sem riscos de choque de infra-estrutura a níveis de 4% ou 5% em seu Produto, o País precisaria elevar sua capacidade de investir para algo em torno de 25% do PIB. Isso significa que, além das medidas de estímulo tributário e incentivo à setores como energia, telecomunicações e transportes, o governo precisa sinalizar a manutenção de taxas reais de juros que estimulem o investimento produtivo. Nesse sentido, uma elevação na SELIC significaria o pior dos mundos para a retomada do crescimento econômico sustentado.
Na prática, torna-se necessário operar uma reorientação de prioridades. Ao invés de continuar estimulando o modelo de viés meramente consumista, como tem ocorrido até o momento, o Brasil precisa incentivar o crescimento da parcela da Renda Nacional associada à poupança agregada e ao investimento agregado na economia. E para obter êxito nessa empreitada, o primeiro passo é desestimular a atividade financista. Para tanto, o caminho a ser trilhado exige patamar de custo financeiro relativamente reduzido para operações e atividades de crescimento do parque produtivo e de serviços, para novas máquinas e equipamentos, para ampliação da infra-estrutura e demais necessidades vinculadas ao investimento.
O financismo ameaça com o volta da inflação
Ao optar por não elevar a SELIC, o COPOM também refletiu uma prioridade de governo. Apesar dos incessantes reclamos do financismo estampados nas páginas e telas de economia dos grandes meios de comunicação, tudo indica que as autoridades monetárias não se deixaram levar desta feita nem pela força do âlobbyâ da banca nem pelo canto de sereia das viúvas da época de ouro do neoliberalismo. Isso porque o discurso afinado para justificar a elevação da taxa oficial de juros vem embutido com a tentativa de criação de um falso clima de catastrofismo no País, associado a eventual retorno do risco inflacionário. Some-se a tal argumento, o já surrado discurso contra o suposto descontrole da política fiscal, a conhecida crítica ao âexagero dos gastos públicosâ na rubrica despesas correntes. Ocorre que a malandragem mora no detalhe: omite-se a enormidade de recursos despendidos do orçamento público com pagamento de juros e serviç o da dívida de União, Estados e Municípios. De acordo com tal visão, amparada pela esperteza conceitual do superávit primário, despesas com rubrica financeira merecem tratamento VIP e não podem ser cortadas como as demais consideradas supérfluas, a exemplo de saúde, educação, previdência social, entre outras. Uma absurda inversão de valores e de prioridades na gestão da coisa pública.
Na verdade, cabe ao governo zelar pela manutenção dos índices de inflação dentro do patamar razoável, hoje representado pelas metas oficiais. O intervalo aceito atualmente é de um crescimento anual de preços localizado entre 2,5% e 6,5%. Até o presente momento, a situação está sob controle e nada indica existência de cenários que reforcem os argumentos apocalípticos de plantão. E mesmo que haja alguma alteração inesperada, existe um conjunto de medidas a serem adotadas pelo governo para coibir o crescimento de preços sem a necessidade de voltar a lanç ar mão da alta da SELIC. Caso haja algum foco setorial ou sobre determinado produto (nos meses recentes a pressão tem sido na área de alimentos), existe sempre a possibilidade de lançar mão de importação temporária ou outros estímulos para assegurar a oferta desses bens e cortar o risco de inflação pela raiz.
Finalmente, vale observar que o momento que vivemos deveria servir para uma análise mais profunda dos próprios instrumentos de política monetária e de questionamento de sua eficácia para atingir os objetivos a que se propõem. Nos países ditos desenvolvidos, por exemplo, as autoridades econômicas começam a incorporar outras referências de acompanhamento do desempenho de suas economias, para além da inflação ou da elevação da taxa de juros. Por exemplo, começam a ser incorporados valores que até bem pouco tempo eram considerados verdadeiras heresias, tais como metas de crescimento da economia, de IDH ou de manutenção do nível de e mprego. Esse movimento é tão amplo e expressivo que até mesmo o ex-Ministro da economia durante a década de 1970 e ex-integrante do CDES, Delfim Neto, escreveu recentemente um artigo surpreendente. Na verdade, trata-se de uma profunda auto-crítica e um convite a reavaliar os limites e os alcances do receituário de política monetária usado até o momento.
“Diante de tanta confusão “científica”, é preciso recomendar humildade aos nossos sacerdotes adoradores da religião do “tripé”, que supõem que não existe vida fora da manipulação da taxa Selic.”
Ao decidir pela manutenção da SELIC, o COPOM oferece uma indicação positiva para viabilizar a retomada do investimento e para que seja possível atingirmos um crescimento do PIB em 2013 superior aos resultados pífios dos anos anteriores. Quem sabe nossas autoridades comecem a perceber que – sim! – é possível haver vida fora da manipulação da taxa oficial de juros.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.