cicero_retangular

Jandira Feghali
Deputada federal (PCdoB-RJ)
O Globo-29 de janeiro, 2013

 

Para alguns, o alagoano Cícero Guedes dos Santos, vendedor de bananas no Norte Fluminense, era apenas mais um agricultor da região.

Para tantos outros, este mesmo simples vendedor era uma resistência de peso na região de Campos dos Goytacazes, mais precisamente na usina Cambahyba, pelas bandeiras do Movimento dos sem terra (MST) e tantas outras que ainda tentam, dentro da Justiça, requerer democraticamente seus direitos.

Seu assassinato – diversos tiros na cabeça e costas – desbrava uma terrível realidade no campo, entranhada de capítulos de uma luta injusta, que caminha esquecida aos olhos do poder público.

A simbologia da morte de Cícero deixa uma mensagem no ar: que proteção têm aqueles que lutam por justiça social? Líder de movimento popular, o moreno de bigode ralo, com fala insistente, cheio de sonhos, não está mais aqui para ecoar uma opinião, firmar sua bandeira e travar batalhas pela reforma agrária no Estado do Rio. E por quê?

O próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já havia autorizado, no fim do ano passado, o assentamento das famílias que estavam presentes nas terras de um dos maiores latifúndios improdutivos do Brasil.

O complexo de sete fazendas, com 3,5 mil hectares ao todo, não produzia há 14 anos e, ainda assim, possuía um apelo negativo por ter sido palco de incinerações de corpos de 10 militantes políticos durante a ditadura civil-militar brasileira. A revelação veio até de ex-funcionários do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), como consta no livro “Memórias da uma guerra suja”.

As terras de Cambahyba também são palco de denúncias graves de exploração de trabalho infantil, exploração de mão de obra escrava, falta de pagamento de indenizações trabalhistas, além de crimes ambientais. São aspectos nada relevantes para que a Justiça acelerasse o assentamento dessas famílias?

As balas que atingiram Cícero tinham uma estratégia clara. Calar o militante do MST é ceifar uma organizada campanha para assentar as mais de 100 famílias na “usina”. O próprio Cícero não era beneficiário dessa luta, visto que ele fazia parte do assentamento Zumbi dos Palmares, ao norte de Campos.

O vendedor de frutas estava à frente de uma característica que o próprio poder público, responsável pela execução de suas tarefas, está mal acostumado: a vontade de realizar.
Nós, partidários de sua sede por guerrear através de sonhos, choramos sua perda tão violenta.

Embora sua ida tenha sido como um assassinato com ar de impunidade, a voz de um líder popular não pode deixar de ressoar. Seja através da Ordem dos Advogados do Brasil, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, o grupo Tortura Nunca Mais ou o MST, vamos até o fim desta jornada que se inicia, na busca pelos culpados e por suas devidas punições.

O tombo do corpo de Cícero na terra de uma estradinha à beira da BR-356 não foi em vão. O próprio Rio de Janeiro – e o Brasil – precisa reconhecer isso, para que o medo de reivindicar não triunfe.