Ex-ministro e ex-governador defende alteração na Constituição para permitir realização de eleição direta para presidente ainda neste ano

Por: Rosane de Oliveira
28/05/2017 – 23h00min | Atualizada em 28/05/2017 – 23h29min

Ex-governador defende uma Constituinte funcionando ao lado do Congresso eleito Foto: Jefferson Botega / Agencia RBS

De volta à advocacia, o ex-governador Tarso Genro acompanha a crise do país e do PT com o olhar de quem foi ministro de três pastas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas prefere analisar a situação como um estudioso da política. Participa mais de reuniões com intelectuais do que com dirigentes partidários. Nesta entrevista, que precisou ser atualizada duas vezes em razão de fatos novos que sacudiram o país, o ex-governador fala da crise política, defende a mudança na Constituição para a realização de eleições diretas ainda neste ano e critica o que considera excessos da Lava-Jato.

Diante da delação da JBS e da pressão pela renúncia ou impeachment de Michel Temer, qual é o melhor caminho para o país?
O melhor caminho nem sempre é o possível, mas entendo que a forma mais republicana e democrática de se relegitimar o poder presidencial no país é aprovar, a partir da formação de uma nova maioria política, uma PEC para convocar eleições diretas. A mudança pode prever um curto mandato de transição, no qual presidente eleito monte um ministério de alto nível para levar o país mais tranquilo até 2018, ou determinar a alteração do calendário eleitoral para um mandato normal. A gravidade da crise recomenda a restauração plena da soberania popular. Deixar o povo escolher – acertar ou errar, segundo a perspectiva de cada um – é o melhor caminho para, a médio prazo, irmos restaurando a credibilidade da política.

Nunca se viu uma delação em que os colaboradores tenham obtido tantas vantagens quanto os donos da JBS. É aceitável?
Também me surpreendi com as vantagens concedidas aos delatores, mas isso já vinha acontecendo, ainda que de forma mais atenuada, em outros casos nitidamente direcionados. Se o processo geral de delação vai ter efeitos positivos no combate à corrupção, ainda está por se verificar. Tenho um juízo de que muitas delações foram feitas exclusivamente para os delatores se protegerem de altas penas e não para ajudar a aprofundar as investigações. Na Itália, o resultado foi negativo: 11 anos de governos de Silvio Berlusconi, os mais corruptos da história da república italiana. O “moralismo” tomado como a exibição da “minha honestidade” contra a vilania dos “outros” sempre foi uma desonestidade radical. Não podemos esquecer as lições da história, que demonstram que os mais moralistas, quando no poder, foram os mais corruptos de diversas formas, seja corrompendo-se pelo dinheiro, seja pelo gosto do uso arbitrário e violento da força contra os desamparados, tanto à esquerda como à direita do espectro político. O moralismo é o passaporte clandestino da consciência já corrompida, em quaisquer instituições humanas, como no Estado, nas igrejas, na imprensa, nos sindicatos ou nas associações de empresários.

Em caso de eleição indireta, qual seria o perfil do candidato ideal para substituir Temer?
Caso isso ocorra, a partir de uma interpretação consagrada pelo Supremo, certamente os partidos formarão frentes programáticas para apontar saídas para crise, assumindo compromissos com a população, já cansada deste cenário de autoritarismo e de um governo ilegítimo. A mim, interessa mais o conteúdo programático do que o nome propriamente dito, pois a escolha seria do Congresso, ele não seria cotejado nas urnas.

Lula e Dilma insistem em reduzir a Lava-Jato a uma conspiração midiática contra o PT. É razoável atribuir à mídia a responsabilidade pelas revelações de delatores que estão confessando crimes e devolvendo dinheiro desviado?
Não creio que Lula e Dilma façam isso. O que eles dizem é que os vazamentos ilegais e a publicação das delações têm substituído o que se apura no devido processo legal, prejudicando o direito de defesa. Hoje, no mundo inteiro, é sabido que a Lava-Jato, de uma ação normal do Estado contra a corrupção, se transformou num poderoso instrumento político, que ajudou a derrubar uma presidenta legítima e empossou um governo com mais defeitos e menos virtudes do que o anterior.

Quais são os pontos frágeis da delação dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana?
Para quem não conhece os fatos, é impossível dizer. Mas, o que está em jogo é a própria instituição da delação premiada, que passou a ser uma espécie de “mercado de soltura”, um mercado secreto que tanto pode apenar, ao seu final, inocentes quanto culpados. Aceitar, em nome da celeridade e da defesa do Estado, que se “condenem todos”, tanto inocentes quanto culpados, é uma concepção fascista do direito penal, que só pode prosperar de forma manipulada em momentos de crise.

Quem deve temer uma delação de Antonio Palocci?
Se Palocci falar a verdade na sua delação premiada, poderá prestar um serviço ao país, mas terá de falar de maneira abrangente, inclusive na sua relação com os bancos e os meios de comunicação. Quem deve temer são as pessoas que se relacionaram com ele, se ficar provado que cometeu ilegalidades.

O senhor diz que é preciso discutir improbidade administrativa porque setores do MP estão cometendo exageros.
Hoje, existe no Brasil uma certa confusão entre a gestão técnica e a gestão política dos governos. O MP, em razão da crise, tem assumido um papel relevante nas relações com os governos. Essas relações se irradiam para dentro de toda a máquina pública. Como consequência, há uma certa paralisia dos órgãos técnicos dos governos, um autopoliciamento dos servidores e dos gestores, para não serem enquadrados pelo MP em atos administrativos que possam realizar de forma equivocada, embora sem dolo. Existem setores do MP que confundem a improbidade com irregularidades técnicas sem má-fé do gestor. Todos os que têm formação nas áreas do direito constitucional e penal sabem que a improbidade deve ser dolosa: tem de trazer ¿proveito¿ para a pessoa que tomou uma decisão, com a intenção de fraudar a lei.

O melhor caminho é fazer a reforma política pelo Congresso ou por uma Constituinte?
O mais adequado seria uma Constituinte funcionando ao lado do Congresso eleito no próximo período, mas isso é muito difícil. Seria bom para o país que o atual Congresso fizesse uma minirreforma política, para chegarmos em melhores condições em 2018. Uma minirreforma que limitasse o número de partidos, bloqueasse coligações para transferência de tempo de TV, acabasse com o financiamento dos partidos e das campanhas pelas empresas e regulasse alianças verticais no país, para acabar com a força das oligarquias regionais. A votação em lista (fechada) também seria positiva, porque, ao contrário do que dizem, a votação em lista “aberta” é a que faz você votar em quem não sabe que está votando. Você vota no Tiririca e elege outra pessoa. Se não fizermos o mínimo para dar legitimidade ao próximo processo eleitoral, vamos ter um novo presidente também com enormes dificuldades de governar fora do fisiologismo clássico do nosso sistema político tradicional.

Se for confirmado que Lula é culpado de algum do crime, ele deve ser candidato?
No Brasil, neste momento, todo mundo é culpado. Basta vazarem delações que sejam acolhidas pela mídia. O atual governo é um governo de culpados, mais do qualquer governo anterior, por essa visão dominante, e ele só chegou ao poder com o apoio desta mesma mídia que quer tirar Lula do cenário eleitoral. Hoje, Aécio Neves é culpado, Fernando Henrique Cardoso é culpado, Lula é culpado, toda a esfera da política é culpada. Para sanar o que pende sobre esses políticos, independentemente da continuidade dos processos sem as regras de exceção vigentes, nada como a sua submissão ampla à soberania popular. Depois dos últimos fatos que circulam nessa mesma mídia, muitos políticos, aliás, sequer vão se apresentar. Os que têm coragem e consciência limpa que se apresentem.

O senhor não vê nem a responsabilidade política de Lula pelos desvios na Petrobras?
Sim. Idêntica à de Fernando Henrique. Idêntica à de todos os presidentes que passaram pelo país, que não conseguiram, não se deram conta ou não puderam se opor a um sistema de corrupção arraigado há muitas décadas, sistema que não foi visto nem pela polícia, nem pelos órgãos de controle, nem pelo MP e nem pela imprensa. Todos, aliás, são “responsáveis”.