por: J. Carlos de Assis
Milton Friedman, o pai do moderno monetarismo e influente ideólogo da doutrina neoliberal, costumava dizer que, em economia, não há almoço grátis. Era a forma de desqualificar os programas sociais do Governo que, a seu ver, acabavam por ser pagos por uma parte da sociedade não obstante seu caráter assistencial. O problema é que Friedman, um descarado promotor dos interesses das classes dominantes, esquecia-se de um aspecto do sistema financeiro que constitui um absoluto almoço grátis: as relações entre o Banco Central e a banca privada no chamado mercado aberto, ou open market.
Peço aos que estão familiarizados com esse processo que me perdoem pela tentativa de explicação redundante. Aos que não são da área, peço que tenham paciência. Da mesma forma que Friedman dizia que não há almoço grátis na economia, podemos dizer que não há entendimento grátis nessa área. As relações não são simples, pelo menos enquanto não são claramente explicadas. Costumo dizer que, se fossem simples, há muito que a maioria dos banqueiros centrais e seus financiadores da banca privada estariam na ponta de um poste. Pois o que existe é, essencialmente, um assalto ao povo sem que ele perceba.
Vamos nos limitar á situação brasileira. Comecemos por uma situação, como agora, em que o Banco Central está reduzindo a taxa básica de juros, Selic, depois de elevá-la a limites extremos. Durante o tempo de elevação das taxas, os banqueiros compravam títulos públicos às taxas mais elevadas de remuneração. Era uma forma de ganhar dinheiro de graça já que o pagador era o Governo, que o refinanciava no open a uma taxa ligeiramente mais baixa que a Selic. Vejamos agora o que acontece com a redução da Selic. Os banqueiros estavam aplicados em títulos com remuneração mais alta, com ganhos diários. E daí?
Atenção: a nova taxa do Banco Central, que todos celebram porque parece representar um menor custo da dívida pública, na verdade é um atalho adicional para os ganhos dos banqueiros e financistas. Como eles tem em carteira títulos com remuneração antiga, mais alta, eles passam a financiá-los no mercado aberto com taxa de juros mais baixas, a nova Selic, aumentando suas margens de ganho. Estou falando não em milhões de reais, mas em bilhões de reais. Isso é puro almoço grátis. A diferença, em relação ao almoço grátis de Friedman, é que favorece aos banqueiros e aos financistas, e não aos pobres.
Alguém poderá questionar: então, dado o fato de que a taxa básica de juros foi elevada a níveis muito altos, não haveria forma de reduzi-la sem promover ganhos extraordinários de banqueiros e financistas. É um engano. A forma simples, direta e eficaz de compensar esses ganhos extraordinários é a tributação. Na medida em que o Banco Central reduz as taxas básicas de juros, o Tesouro deveria introduzir uma cunha de tributação para eliminar os ganhos extraordinários de banqueiros e financistas. Claro, isso é incompatível com o sistema de poder econômico prevalecente no Brasil.
Mudar esse sistema não seria simples porque aplicações em títulos do Tesouro são isentas de imposto de renda no Brasil. É mais um motivo para imaginarmos situações extremas nas quais alguns responsáveis pela política econômica deveriam encarar a realidade da ponta do poste. Entretanto, somos seguramente uma população pacífica. Acredito que, aos poucos, a partir da pedagogia da própria realidade, o povo brasileiro aprenderá a distinguir os entreguistas e vendilhões da pátria de defensores dos interesses nacionais genuínos. Nesse momento poderemos realizar no país uma reforma tributária para valer.