por: Sérgio Sérvulo da Cunha
O judiciário brasileiro não é sério.
Não é sério o servidor público que se queixa do volume de serviço, não precisa assinar ponto, e quer – além de repouso semanal, feriados, feriadões e recessos – mais sessenta dias de férias por ano; que, além desse, tem outro emprego, como professor; que é mais visto em cursos remunerados no exterior, em shoppings, congressos e convescotes do que na sala de audiências; que prega contra a corrupção, mas recebe acima do teto legal; que não profere sentenças; que preside uma audiência sem ter, antes, sequer aberto o respectivo processo; que delega funções privativas de seu cargo a estagiários e auxiliares descredenciados; que por pequenos pretextos – ou sem pretexto nenhum – costuma adiar audiências, sacrificando as partes, advogados e testemunhas; que deseja ficar acima da lei, sem a possibilidade de responsabilização por abuso de poder.
O grande volume de serviço transformou-se, de muito, num álibi, justificador de grandes panaceias, tais como súmulas vinculantes e repercussões gerais, que, apresentadas como medidas salvadoras, só fazem restringir os direitos das partes e dilatar o poder dos magistrados. Por isso, não é confiável nenhuma estatística proveniente do judiciário, porque seus números são inflados. Sem dúvida, é enorme o volume dos litígios. Mas se não são solucionados, se ficam engavetados ou represados, só fazem aumentar. Passam aí a funcionar contra a parte, como uma hipoteca, que a qualquer momento pode ser executada.
Tome um tribunal, como por exemplo, o STF, que tem 11ministros, um dos quais, seu presidente, é normalmente dispensado de relatar processos. Se aumentarmos seu número para 21, ficará reduzido pela metade o volume de serviço de cada ministro. Mas eles não querem ouvir falar nisso. Foram, na Constituinte, contra a criação do Superior Tribunal de Justiça, que roubou parte de sua competência; promulgada a Constituição, não reformaram seu regimento, que – salvo as emendas que recebeu – é o mesmo do tempo da ditadura; não obstante o volume do seu serviço, gostam de se exibir com longos e professorais votos, consumindo o tempo de uma sessão com o julgamento de somente dois ou três processos, excetuados aqueles que, nos gabinetes, são eliminados, por seus auxiliares, com a aposição de carimbos; gostam de se pavonear em viagens e conferências, pelo país e pelo exterior; e vão, correndinho, posar como presidente do TSE e do CNJ.
Se você quiser saber como funciona a cabeça corporativa de um juiz, basta examinar recentes declarações da ministra Carmen Lúcia, que preside o STF. Opondo-se à votação, realizada no Congresso, de texto sobre a prática de abuso de autoridade, ela troca visivelmente os conceitos, chamando de “criminalização” o que é “responsabilização”, de “ataque” o que é “crítica”, e de “justiça” o que é “judiciário”. Ora, o judiciário tem tanto a ver com a justiça quanto um hospital tem a ver com a saúde. Se responsabilidade significa criminalização, eu também quero ser descriminalizado. E, atenção, não quero ataques por parte de ninguém.
Também sofismas são os do Ministério Público, ao chamar de “dez medidas contra a corrupção” um pacote de providências que aumentam seu já dilatado poder.
Independentemente de sua motivação, é dever dos parlamentares se oporem a arbitrariedades que diminuem as garantias cidadãs, e votar medidas contra o abuso de autoridade.
No próximo editorial falarei desse pacote, dessa armadilha contra a qual todo brasileiro deve estar atento. Um bom princípio, a ser seguido sempre é esse: todo poder, concedido a uma autoridade, deve ser acompanhado da correspondente garantia, concedida ao cidadão.
E não me venham dizer que eu estou generalizando. Falo do judiciário como instituição; como toda instituição, o judiciário tem bons e maus profissionais. Mas infelizmente os últimos é que lhe dão o tom.