Faz quatro anos desde que, em 19 de julho de 2012, o ciberativista australiano Julian Assange, paladino da luta pela informação livre, se viu obrigado a pedir refúgio ao escritório da embaixada do Equador em Londres. Este pequeno país latino-americano teve a coragem de dar asilo diplomático quando o fundador do Wikileaks estava sendo perseguido e assediado pelos governos de Estados Unidos e de vários de seus aliados (Reino Unido, Suécia). A justiça sueca exigia que Assange fosse a Estocolmo para apresentar pessoalmente seu testemunho sobre as acusações de agressão sexual feitas por duas mulheres. Ele supostamente teria mentido sobre ter usado preservativo.
Julian Assange nega as acusações e afirma que as relações com as duas mulheres foram consensuais. Ele garante ser vítima de um complô organizado por Washington (EUA). O fundador de Wikileaks se nega ir à Suécia, a não ser que a Justiça desse país lhe garanta que não será extraditado para os Estados Unidos, onde poderia ser detido, conduzido a um tribunal e, segundo seus advogados, possivelmente condenado à pena de morte por “delitos de espionagem”.
Em várias ocasiões, Assange propôs responder às perguntas dos encarregados suecos pela investigação por videoconferência. Mas, essa possibilidade tem sido rechaçada, sob o argumentando de que ele fugiu da Suíça ainda sabendo que tinha uma investigação aberta contra ele. No dia 11 de maio de 2015, o Tribunal Supremo sueco rechaçou novamente o pedido de anulação da ordem de detenção que pesa sobre ele.
Na realidade, o único crime de Julian Assange é ter fundado o Wikileaks. Em vários lugares existem fortes debates sobre se a plataforma de informação fez, ou não, prosperar a causa da liberdade de imprensa, se foi positivo para a democracia e se a plataforma deve ser censurada.
A verdade é que o papel do Wikileaks na difusão de meio milhão de segredos relativos aos crimes cometidos por militares no Afeganistão e no Iraque, e de cerca de 250 mil comunicados enviados pelas embaixadas dos Estados Unidos ao Departamento de Estado, constitui “um fato na história do jornalismo”. O Wikileaks foi criado em 2006 por grupos de internautas anônimos, com Julian Assange como porta-voz, e assumiu a missão de receber e tornar público o cruzamento de informações (leaks), garantindo a proteção das fontes.
Lembremos as três razões que, segundo Julian Assange, motivaram sua criação. “A primeira, a morte em escala mundial da sociedade civil. Rápidos fluxos financeiros por transferência eletrônica de fundos que se movem mais rápidos que a sanção política ou moral, destroçando a sociedade civil por todo o mundo. […] Neste sentido, a sociedade civil está morta, já não existe, e tem uma ampla classe de gente que sabe e está aproveitando para acumular riqueza e poder. A segunda […] é que há um enorme e crescente Estado de seguridade oculto espalhando pelo mundo, principalmente baseado nos Estados Unidos […] A terceira é que os meios de comunicação internacionais são um desastre […] o entorno dos médios internacionais é tão ruim e gera tanta distorção que seria melhor se não tivesse nenhum meio, nenhum”.
Assange defende uma visão radicalmente crítica ao jornalismo. Durante a entrevista chegou inclusive a afirmar que “visto o estado de impotência do jornalismo, pareceria ofensivo me chamarem de jornalista (…). A maior violência foi a guerra (do Iraque e Afeganistão) contada pelos jornalistas. Alguns participaram da criação das guerras por sua falta de questionamentos, sua falta de integridade e a covarde relação com as fontes governamentais”.
A filosofia do Wikileaks baseia-se num principio fundamental: os segredos existem para serem desvelados. Toda informação oculta nasce com a vocação de ser revelada e ficar à disposição dos cidadãos. A democracia não deve ocultar nada e os dirigentes políticos também não. Se as ações destes últimos não são incompatíveis com suas atuações públicas, as democracias não deveriam temer a difusão da “informação baseada”. Neste caso – e só neste – aquilo significaria que são moralmente exemplares e que o modelo político que encarnam poderiam realmente se estender, sem obstáculo ético algum, ao conjunto do planeta.
Por que os jornalistas se calariam em uma democracia, quando um político o contradiz nos bastidores?
O Wikileaks oferece aos internautas a possibilidade de tornar público em sua plataforma gravações, vídeos e textos confidenciais, sem indagar como eles foram obtidos, mas sempre verificando-os. O Wikileaks vive das doações de internautas e de fundações e não aceita ajudas públicas, nem publicidade. Um grande número de instâncias públicas tem reconhecido a utilidade de seu trabalho. Em 2008 recebeu o Index on Censorship Award, do semanário britânico The Economist e, em 2009, a Anistia Internacional lhe concedeu o prêmio de melhor “novo meio de comunicação” por colocar luzes, em novembro de 2008, em um documento censurado relativo a um caso de má gestão de fundos, por pessoas próximas ao antigo presidente do Quênia, Daniel Arap Moi.
Desde sua criação, o Wikileaks tem revelado segredos, em uma autêntica fábrica de primícias e tem difundido revelações com muito mais frequência que muitos meios de comunicação de prestígio em décadas. Entre os maiores escândalos que foram iluminados: os documentos que denunciavam as técnicas utilizadas pelo banco sueco Julius Baer para facilitar a evasão fiscal; o manual de procedimentos penais do exército estadunidense na base de Guantanamo; a lista de diretores, números de telefone e profissões dos membros do Partido Nacional Britânico (BNP, de extrema direita), na qual figuravam policiais; a lista detalhada de emails trocados com o exterior pelas vítimas dos atentados de World Trade Center no 11 de setembro de 2001; os documentos que provavam o caráter fraudulento da quebra do banco da Irlanda, The New Kaupthing; os protocolos secretos da Igreja da Cientologia; o histórico dos emails pessoais enviados durante a campanha eleitoral por Sarah Palin, candidata republicana à vice-presidência dos Estados Unidos, a John McCain por seu ordenador profissional (o que a legislação estadunidense proíbe); os expedientes do juízo do assassino Marc Dutroux, incluindo a lista com os números de telefone, contas bancárias e endereços de todas as pessoas investigadas neste célebre caso de pedofilia; sem esquecer o recente Panama Papers difundido em abril do ano passado.
Por todo esse – ao igual que Edward Snowden e Chelsea Manning -, Julian Assange forma parte de um novo grupo de dissidentes políticos que lutam por um modo diferente de emancipação e são atualmente rastreados, perseguidos e violentados não pelo regime autoritário, senão por Estados que pretendem ser “democracias exemplares”.
Em fevereiro passado, o grupo de trabalho sobre detenções arbitrarias da Organização de Nações Unidas (ONU), que depende do Comitê de Direitos Humanos do órgao, determinou que Julian Assange é “detido arbitrariamente” tanto pelo Reino Unido como pela Suécia. Os peritos independentes interfaciais também sinalaram que tanto as autoridades suecas como as britânicas deveriam “por fim a sua detenção” e “respeitar seus direitos a receber uma justa compensação”.
Segundo essa corte de justiça internacional, Juliana Assange tem sido submetido a diferentes formas de privação de liberdade: “detenção inicial na prisão de Wandsworth em Londres [Reino Unido]” em regime de alistamento, “seguido da prisão domiciliar, e depois o confinamento na embaixada de Equador”.
Ainda de acordo com o pronunciamento do grupo de peritos internacionais da ONU, supõe-se uma grande vitoóia no campo das relações públicas para Juliana Assange ao lhe dar a razão na sua larga luta contra as arbitrariedades das autoridades suecas e britânicas.
No referente ao presidente equatoriano, Rafael Correa, informou que seu governo garante asilo e proteção ao fundador de Wikileaks porque “Assange carece de garantias em relação aos seus direitos humanos e seus direitos em matéria de justiça”. Pela sua parte, o chanceler equatoriano, Guillaume Long, declarou que o Equador “mantém preocupações legítimas sobre os direitos humanos de Assange” e que Quito considera que o caso de Assange trata-se de algum tipo de “perseguição política”, motivos pelos quais Equador mantém o asilo.
Para reclamar a liberdade de Julian Assange, seus amigos de todo o mundo organizaram, entre o 19 e o 24 de junho passado, em várias capitais do planeta (Atenas, Belgrado, Berlim, Bruxelas, Buenos Aires, Madrid, Milan, Motevideo, Nápoles, New York, Quito, Paris, Sarajevo), uma serie de atos e conferências com a participação de importantes personalidades e grandes intelectuais (Noam Chomsky, Edgar Morin, Slavo Zizek, Arundhati Roy, Ken Loach, Yanis Varoufakis, Baltasar Garzón, Amy Goodman, Ignacio Escolar, Emir Sader, Eva Golinger, Evgeny Morozov).
Em Quito (Equador), o simpósio foi organizado pelo Centro Internacional de Estudos Superiores para América Latina (Ciespal) e contou com uma intervenção do proóprio Assange por meio de uma videoconferência. Durante cinco dias se debateram temas como “O caso Assange à luz do direito internacional e dos direitos humanos”, “Geopolítico e lutas desde o sul”, “Tecnopolítica e ciberguerra”, e “Do Pentágono Papers ao Panama Papers”.
O academico espanhol Francisco Sierra, diretor do Ciespal, declarou: “Acreditamos que, na realidade, o problema de Assange é esse: o da liberdade de informação. Quando não tem liberdade de informação, de movimento, nem de reunião, não tem direitos humanos. E, portanto, o primeiro direito é a comunicação, e tem que por em evidência que o caso Assange é um conflito grave de direito à comunicação”.
Todos estes eventos solidários em toda a geografia mundial tem dois objetivos. Em primeiro lugar, são reivindicações dos direitos que tem sido negados a Julian Assange, com a presunção da inocência ou a liberdade de movimento. E em segundo lugar, recordar o que representa o Wikileaks, um modelo desafiador da liberdade de informação e comunicação em um mundo permanentemente vigiado.
Tradução: María Julia Giménez
Edição: Simone Freire
– Ignacio Ramonet, La Jornada (México)
20 de Julho de 2016