Enviado pelo professor Caio N. Toledo
Os professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp) denunciam que o processo de impeachment do governo de Dilma Rousseff é um golpe contra as instituições democráticas, os movimentos sociais e as lutas por direitos em sentido amplo. Repudiam a farsa político-jurídica que atribui à presidenta Dilma crimes de responsabilidade, assim como aderem ao posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos de que não há no referido processo de impeachment elementos comprobatórios ou indícios dos crimes que lhe são imputados.
Como se depreende da adesão a esse posicionamento, os professores entendem que o processo de impeachment, conquanto instrumento previsto na Constituição, foi conduzido num clima de revanchismo e vingança política, como ficou evidente pela votação ocorrida na Câmara dos Deputados em 17 de abril do corrente ano; constituindo-se, assim, num atentado às regras básicas da cidadania e da democracia, em usurpação de poder e escárnio da soberania popular alicerçada no voto de 54.501.118 cidadãos que elegeram a presidenta Dilma Rousseff.
Os professores compreendem, igualmente, que o processo de impeachment no presente caso é um artifício construído pelos monopólios da mídia, arbitrado pela crescente e invasiva judicialização da política, perpetrado pela perfídia de deputados e senadores e por poderosos grupos de interesses, dentro e fora do país. Estes grupos estão claramente envolvidos em um projeto privatista, de diminuição do Estado, em detrimento de programas sociais.
Os docentes do IFCH reiteram que o “governo Temer” não é legítimo e está empenhado em estabelecer uma clara política de exclusão social, de subtração de direitos e de fragilização do combate à corrupção. Isso se expressa na composição de um ministério formado exclusivamente por homens brancos, dentre os quais, 78% são milionários, 31% donos de rádio e TV e 31% citados na operação Lava-Jato (dados do site do INESC).
A retirada de direitos e a nova política de exclusão social estão expressas na recomposição do ordenamento institucional da União pela MP 726/2016. Esta estabelece, entre outras coisas, a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres, para a Igualdade Racial e de Direitos Humanos cujo efeito é o de tornar invisíveis e não mais contemplar as questões relativas a populações historicamente discriminadas, como mulheres, negros, LGBT, indígenas, quilombolas, entre outras; a transformação do Ministério do Trabalho e Previdência em “Ministério do Trabalho” com a transferência da Previdência para o Ministério da Fazenda explicitando o compromisso deste governo interino com uma reforma previdenciária que considera relativa a noção de direitos adquiridos e, além disso, pretende implementar a terceirização de maneira ilimitada; o desaparecimento dos programas sociais do conjunto de atribuições do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, transformado em “Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário”, ficando doravante encarregado de questões relativas à pasta da Indústria e Comércio; o rebaixamento do Ministério da Cultura a uma secretaria vinculada ao Ministério da Educação, algo que vilipendia as conquistas recentes em políticas culturais; e a junção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ao Ministério das Comunicações, sem qualquer diálogo com a comunidade acadêmica.
Quanto à fragilização do combate à corrupção, ela se expressa na figura de um presidente citado em investigações de corrupção e condenado a oito anos de inelegibilidade por doações ilegais de campanha – conforme decisão recente do TRE-SP –, assim como, na composição de seu ministério, integrado por sete ministros citados na operação Lava-Jato. Além disso, a extinção da Controladoria Geral da União e sua transformação em Ministério de Transparência Fiscalização e Controle é uma clara sinalização de que o controle e enfrentamento da corrupção interna ao governo será limitado, pois a CGU, enquanto órgão diretamente vinculado à presidência da República, tinha autonomia para a investigação de todos os órgãos da União.
Há, ainda, a ameaça de aprovação de uma proposta de emenda constitucional que já vem sendo chamada de “Super DRU” (Desvinculação de Receitas da União). Esta proposta desvinculará receitas previstas na Constituição para União, Estados e Municípios, que definem percentual mínimo orçamentário para a saúde e educação. Ou seja, trata-se de uma medida que, se vier a ser aprovada, retirará recursos existentes para a garantia de direitos sociais constitucionais em nome do famigerado ajuste fiscal.
Alertamos também para a necessidade de resistirmos à aprovação do PLP 257/16, que vincula o remanejamento das dívidas dos estados com a União e, caso seja implementado, poderá eliminar direitos relativos à carreira dos servidores públicos e suspender a contratação de pessoal, assim como a criação de cargos, empregos e funções; impedir mudanças nas carreiras dos servidores; congelar salários; limitar reajustes do salário mínimo ao nível da inflação; e instituir “programas de desligamento voluntário e licença incentivada de servidores e empregados”. No caso das universidades públicas, o PLP elimina sua autonomia para determinar políticas de funcionamento que as consagraram como espaços vitais para a formação profissional e cidadã e como principais vetores da produção científica no Brasil.
Estas transformações políticas são apenas alguns dos exemplos dos caminhos autoritários escolhidos por este governo interino para gerir o país. As mudanças no plano das políticas públicas terão efeitos imediatos na sociedade, impactando diretamente as populações historicamente discriminadas pela ausência de representação e estrangulamento das políticas sociais; os movimentos sociais, pela criminalização de suas ações; as instituições representativas dos trabalhadores, por meio de uma reforma trabalhista e previdenciária submetida aos imperativos da produtividade. Estes são os primeiros sinais de uma política elitista e alicerçada na segregação em termos de raça, gênero, sexualidade e classe.
Pelos motivos acima expostos, nós, professores do IFCH-Unicamp, nos manifestamos contra o golpe e contra esse governo ilegítimo que procura se estabelecer em nosso país.
Docentes do IFCH-Unicamp reunidos em 18 de maio de 2016