O cientista político, jornalista e escritor Roberto Amaral, um dos principais refundadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB), lança seu novo livro, “A Serpente Sem Casca (da Crise à Frente Popular)”, coedição da editora Altadena, Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. À frente do partido nas últimas décadas, Amaral foi um dos articuladores das alianças com o PT. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ocupou o Ministério da Ciência e Tecnologia. Desde o ano passado, quando o PSB decidiu apoiar o tucano Aécio Neves no segundo turno da eleição presidencial, está afastado da cúpula partidária. Nesta entrevista ao Valor, Amaral critica os rumos do partido e afirma: “O PSB é um barata-voa, está perdido”.
Valor: Discute-se se é a crise política que alimenta a crise econômica ou vice versa. Qual é sua opinião?
Roberto Amaral: Vou além disso. Acho que vivemos uma crise na democracia representativa, na soberania popular, no presidencialismo de coalizão e na governabilidade. A crise no sistema de partidos pode levar à falência do sistema representativo. A oposição renunciou ao seu papel e está instrumentalizada por um único objetivo, o do impeachment. Buscam-se soluções para a crise por fora da representação popular.
Valor: Pode-se dizer que os atuais partidos não representam os eleitores que lhes deram seus votos?
Amaral: Os eleitores já não se identificam com os eleitos. E os eleitos não se sentem comprometidos com os mandatos que receberam. Passaram a ter projetos autônomos, sem vínculo com o eleitorado. O eleitor escolhe um parlamentar. Passado um tempo, esse camarada troca de partido, não consulta ninguém e passa a agir em benefício próprio. Não está mais comprometido com o eleitor e sim com as benesses, cargos e em assaltar a estrutura estatal.
Valor: Esse comportamento seria uma das causas do que parece constituir a falência da democracia representativa no Brasil?
Amaral: É a desmoralização do processo democrático. É um desassombro, um descaramento. Mostra também a crise do presidencialismo de coalização. Dilma Rousseff foi eleita com 51% dos votos. O PT, no entanto, não elegeu nem 70 deputados federais. Aconteceu também com Lula e com Fernando Henrique Cardoso [que fala disso em seu livro de memórias]. Sem maioria, ou negociam ou caem. São chantageados.
Valor: O fim das doações de empresas privadas para campanhas pode ajudar a melhorar a qualidade dos eleitos?
Amaral: Vamos ter um teste nas eleições municipais de 2016 e 2018. É provável que isso nos leve a diminuir o número de partidos. Haverá também uma decantação. Não temos sequer três partidos no Brasil que sigam algum programa. Temos encontros de interesses, conglomerados subempresariais.
Valor: E o PSB, seu partido, como está?
Amaral: O PSB é um barata-voa, está perdido.
Valor: Por quê?
Amaral: O PSB era um partido com tradição de centro-esquerda. Hoje, não vejo futuro. Dificilmente voltará a ter seu papel histórico. Tenho muita pena. As pessoas de hoje do PSB são pouco letradas. Não têm liderança nem projeto. Renegaram tudo quando se associaram a Aécio [o senador Aécio Neves, do PSDB mineiro, candidato a presidente em 2014, apoiado no segundo turno pelo PSB]. Agora o partido vai de um lado para outro. Um rio só tem duas margens. Ou se está em uma ou se está em outra. O PSB está ora a favor do impeachment de Dilma ora contra. Quer uma coisa, depois quer outra.
Valor: Circulou a informação de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, poderia sair do PSDB e filiar-se ao PSB. Se pudermos chamar assim, a ala paulista do PSB, que já tem o vice-governador Marcio França, estaria apostando nessa hipótese. O que o senhor acha?
Amaral: Alckmin não precisa sair do PSDB. Ele já tem o PSB de São Paulo, que não é pouca coisa e funciona como uma sucursal do PSDB. Quando semeia esse boato, Alckmin, como sempre, usa o PSB para a luta interna que os tucanos travam entre si. Tenta se cacifar entre os que se opõem ao seu projeto eleitoral, como o próprio Aécio. Ambos querem ser candidatos à Presidência.
Valor: O senhor acredita na hipótese de a presidente Dilma Rousseff sofrer impeachment?
Amaral: Nossa prioridade, dos partidos de centro-esquerda, deve ser defender o mandato de Dilma. O impeachment será um golpe na soberania popular.
Valor: A crise econômica não dará forças à tese do impeachment?
Amaral: Há setores, inclusive no PT, que dizem que, para defender seu mandato, Dilma precisa mudar a política econômica. Esquecem, porém, de que a política econômica não se dá solta no espaço. É preciso lembrar que um ajuste muito parecido a este foi feito por Lula, logo depois de assumir seu primeiro mandato, em 2002. A equipe econômica era formada por Antônio Palocci [Fazenda] e Henrique Meirelles [Banco Central]. Qual diferença havia?
Valor: Mas esta não é a política defendida pelo PT ou por outros aliados. Naquela época, Lula tinha acabado de vencer a eleição, inclusive, com o compromisso de manter a estabilidade, política que já vinha dos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique.
Amaral: Sim. Mas agora estamos em um situação difícil. O que podemos fazer? Temos que manter nossas propostas: taxar as grandes fortunas, rever a política de juros, a meta do superávit primário.
Valor: As denúncias de corrupção não podem causar o impeachment?
Amaral: Vivemos um momento dramaticamente grave. Sinto-me deprimido. Denúncias que envolvem partidos, que envolvem empresas, envolvem até a igreja evangélica. Mas estamos tão deprimidos que não conseguimos registrar um fato positivo: devíamos ter orgulho de dizer e mostrar ao mundo que o Brasil tem uma democracia e instituições que não se abalam. Nunca tivemos tantos políticos presos. Se somarmos o tamanho das empresas cujos donos estão na cadeia, teremos um percentual significativo do PIB. Pensar só na corrupção é o lado mais fácil. Temos que pensar que nunca tanto foi investigado e punido.
Fonte: Valor Online