Entrevista de Roberto Amaral concedida ao Jornal do Comércio, de Pernambuco, publicada na edição de 14 de dezembro.

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Afeito a palavras precisas, Roberto Amaral, um histórico socialista, prevê uma crise não só política, mas eleitoral no PSB. Rifado da direção nacional do partido, ele evita “fulanizar” na entrevista que concedeu ao JC, mas critica o “líder” que se vale de “sucessos burocráticos”. Recomenda aos “políticos pernambucanos”, por fim, o filme o “Som ao Redor”.

Segue abaixo a íntegra da entrevista:

Jornal do Comércio: 1. Como o senhor avalia o resultado dessas eleições, com a vitória da presidente Dilma Rousseff?

Roberto Amaral: Como positivo. Consagra a opção político-eleitoral do povo brasileiro dos últimos 12 anos. Política que compreende como prioridade a emergência das massas, a defesa do nacional-desenvolvimentismo, tese sempre abraçada por doutor Miguel Arraes, e pela soberania nacional. Temas gratos aos PSB desde 1985. Isso aponta para a construção de uma sociedade distinta daquela que vinha sendo moldada sob a égide do neoliberalismo (Color e FHC). Não quero dizer que vivemos num ‘céu de brigadeiro’. Vivemos avanços que precisam ser preservados e turbulências que precisamos evitar. Os problemas são graves, do ponto e vista político e do ponto de vista econômico. Há uma crise econômica internacional agravada por uma crise política que diz respeito ao Ocidente e nos envolve. E também vivemos no Brasil, de par com a crise econômica, a crise da representação popular. E, com ela, vasos comunicantes, a crise dos partidos políticos.

Jornal do Comércio: 2. Uma mensagem já deixada pelas manifestações de 2013…

Roberto Amaral: O eleitorado vem, eleição após eleição, indicando a ausência de indentidade entre sua vontade e a representação política. E os partidos, os políticos, os parlamentares e os governantes, não têm dado a devida importância a fenômeno tão grave. Somos a maior democracia latina e uma das maiores do mundo; no entanto, nosso povo nao está saitisfeito.

Jornal do Comércio: 3. O PSB não está atento a essa questão?

Roberto Amaral: Venho defendendo há muito, dentro do PSB, uma reflexão sobre isso. Mas os ‘pragmáticos’, pensam que essa questão é ‘coisa de intelectual’, ou dos que, pejorativamente, chamam de ‘programáticos’. Vimos defendendo uma forma de transição da democracia representativa para a participativa, com maior presença do povo no processo decisório. Os conselhos populares são apenas um indicativo. Essas últimas eleições revelaram um certo e perigoso esgotamento da via parlamentar. Há anos que vem se degradando qualidade política e ética da representação popular, degradada pela força corruptora do poder econômico, e a manipulação ideológica dos grandes veículos de comunicação de massa massa.

Jornal do Comércio: 4. Com a guinada à direita, o PSB saiu menor deste eleição do que entrou?

Roberto Amaral: O PSB, do ponto de vista puramente eleitoral, saiu mais ou menos como entrou. Do ponto de vista político saiu-se muito mal. Do ponto de vista eleitoral, manteve sua bancada, quando a expectativa era fazer 40 deputados federais. Tínhamos seis governadores e agora ficamos com apenas três, com o agravante de havermos perdido o único governador de Estado que tínhamos no Sudeste, que era o Espírito Santo. Aumentamos a bancada no Senado, e isso pode ser muito bom. Mas abandonamos nosso campo tradicional, o da esquerda; o partido inclinou-se para a direita, aceitando a liderança do PSDB e se aproximando ideologicamente do PPS. Tenho a impressão de que esse triste movimento, afora a traição programática, pode revelar-se amanhã um desastre do ponto de vista eleitoral. O que salvou nosso desempenho na Câmara foi a bancada eleita em Pernambuco (oito entre 34 parlamentares), mas sabemos que as circunstâncias eleitorais de Pernambuco em 2014 não se repetirão necessariamente a cada quatro anos. O partido precisa pensar olhando para seus compromissos ideológicos, pensando no hoje com o olhar voltado para o amanhã. Pensar apenas no ‘ aqui e agora’ é candidatar-se ao suicídio

Jornal do Comércio: 5. Pesou contra ainda a aproximação com nomes ideologicamente contrários?

Roberto Amaral: Sim, estão hoje ao lado do PSB tradicionais advesários do partido e do dr Arraes. O mais simbólico, sem entrar no mérito pessoal, é o ilustre senador Jarbas Vasconcelos.

Jornal do Comércio: 6. Com a ausência de Eduardo, existe uma crise de lideranças naturais. Temos hoje, à frente do processo político e dos dois principais cargos, dois jovens técnicos…

Roberto Amaral: As lideranças normalmente se formam no processo político, transformando-se depois em lideranças populares e partidárias. Dificilmente, constrói-se uma liderança partidária sem tempo de militância e simplesmente limitado a sucessos burocráticos. O Eduardo assumiu a liderança do PSB no plano estadual e nacional após longa militância política, que vinha desde o movimento estudatil. Ele já havia sido deputado estadual e federal, e candidato a prefeito. Foi nessas condições que ele assumiu a presidência do partido nacional, com morte de dr Arraes, com quem trabalhou como chefe de gabinete, chefe da Casa Civil e secretário da Fazenda. Não vejo ninguém hoje na direção do PSB com esse perfil. Mas os fatos que é que vão falar. Tenho para mim que não basta ser prefeito ou governador para automaticamente tornar-se líder politico. Na política a ascensão dos quadros não se opera burocraticamente. O mando dá, de imediato, a chefia. Temos um chefe, mas não necessariamente um líder. Quantos prefeitos e governadores, em Pernambuco, desapareceram na rolagem do tempo?

Jornal do Comércio: 7. Então o senhor reconhece uma crise no PSB de Pernambuco e Nacional?

Roberto Amaral: Enxergo uma crise política, de representação, a curto e médio prazo. Basta comparar o perfil dos antigos dirigentes com o dos atuais. Isso reflete a crise de identidade que o partido está vivendo. Mas toda crise é episódica. Como nãovamos viver eternamente em crise (pois nenhum organismo suporta isso), o PSB mais cedo ou mais tarde vai se definir entre a esquerda e a direita. Prefiro a primeira opção, mas, hoje, a tendência dominante é reacionária. O PPS está revelando que a saída pela direita pode ser uma falsa saída; por isso está se desmiliguindo a cada eleição. Espero que não seja esse o futuro do PSB.

Jornal do Comércio: 8. No segunto turno, o PSB optou pela oposição, aliando-se ao PSDB. Agora, se declara independente, mais próximo dos partidos de direita, sem, no entanto, alinhados formalmente. Fala-se em indepedência da bancada federal…

Roberto Amaral: Desde 1985, essa é a primeira vez que o PSB se define pela não definição, que se define não se definindo e opta por não optar. Isso é ruim para a construção da imagem do partido. Muitos problemas nos aguardam, isto é, aguardam os que se acham comprometidos com o país. O partido vai ser chamado seguidademnte a definir-se. Precisa dizer para a sociedade qual é de fato seu projeto. Será cobrado. Não dá pproclamar-se de esquerda no genérico e votar pela direita, como faz presentemente. No tempo do dr Arraes, o PSB tinha clareza de qual era o seu campo. Poderia fazer alianças mais à direita ou à esquerda. Éramos um rio e os partidos com os quais nos aliávamos eventualmente eram tributários desse rio. É diferente do que ocorre hoje, quando absorvemos oligarquias reacionárias e lhes damos a direção partidária ou quando, por mero jogo aritmético, absorvemos em nossas bancadas quadros da direita e mesmo protofascista como um parlamentar pernambucano, do meu partido, que se orgulha de ser guarda-costas do Bolsando, contra quem, acabo de saber, o PSB representou junto ao conselho de Ética da Câmara Federal. Tudo Isso deixa o partido confuso e a militância sem rumo. Sem saber como comportar-se. Uma coisa era o critério anterior quando tínhamos, por exemplo, relações pessoais e de diálogo com setores mesmo do PSDB, como era o caso de Sérgio Guerra. Ele era um ex-deputado federal do PSB, um ex-secretário de Estado do dr. Arraes. Era um quadro conservador com o qual o Eduardo e eu dialogávamos. Mas não havia promiscuidade. Respeitávamos a história programática levada às últimas consequências por Jamil Haddad e Arraes. Na linha do nosso Programa, tínhamos uma linha de atuação política e de alianças partidárias claras, a opção pelos pobres e a defesa da soberania nacional. Você não pode associar essas ideias com as que defendem e as representam hoje Aécio Neves ou Roberto Freire ou o senador Jarbas Vasconcelos. Lembre-se que, posta de lado a questão política e ideológica que nos separa de Jarbas, que é um homem de bem, há a considerar, por um compromisso de honra, a história recente do embate dele com dr Arraes e com Eduardo. A única vez que em que o dr Arraes foi atacado em sua honorabilidade foi no caso do precatórios, uma injúria afinal desfeita pela Justiça após muito sofrimento pessoal do r. Arraes e dona Madalena, e nossa do PSB, uma felonia da oposição de direita de Pernambuco, sob liderança de Jarbas. Direita com a qual estamos casados, noivos ou namorando.

Jornal do Comércio: 9. Toda vez que esse passado recente é evocado, as lideranças atuais falam frases como o “passado ficou no passado”…

Roberto Amaral: Não sei se essa resposta responde a homenagem que todos devemos à coerência do dr Miguel Arraes de Alencar. Muito menos à sua honra e à honra do PSB.O passado existe para iluminar o futuro. Arraes entrou na política ainda nos anos 40 do século passado como secretário de Estado, deputado, prefeito, governador por três vezes, e nunca ninguém teve dúvida de qual seria o seu pronunciamento político. Nunca errou nas suas escolhas políticas, isso é um patrimônio que levou mais de 50 anos para ser construído. Não pode ser jogado pela janela, como ‘passado’. E não se pode jogar para debaixo do tapete as agressões feitas à sua honra. Ser ‘herdeiro’ de Arraes não é apenas herdar seus votos e o amor do povo, é acima de tudo honrar sua memória. O passado importa sim a quem faz política com ética.

Jornal do Comércio: 10. Quando da aliança do PSB ao PSDB, o senhor falou que Pernambuco não fugiu a sua história do coronelismo…

Roberto Amaral: O dr Arraes era, de origem, um sertanejo cearense. No discurso de posse do primeiro mandato, citou Carlos Drummond de Andrade: o sentimento de povo que carregava consigo. Ele nunca pertenceu à elite pernambucana. Nunca foi por ela absorvido, era tolerado como inevitável. Sua liderança em Pernambuco estava construída junto aos pobres, a gente que usa chapéu de palha. Jamais se vinculou pessoalmente ou vinculou u o PSB à tradição reacionária que separa nosso povo entre os da casa-grande e os da senzala, a visão preconceituosa e reacionária da elite pernambucana. Ainda que decadente, ela carrega consigo, presunçosa, aquele sentimento de posse do senhor de engenho sobre o escravo e o fâmulo. Sobre o outro. O grande latifundio se acabou, a usina fechou, os filhos dos senhores feudais foram pra Recife, viraram classe média, estão procurando emprego no serviço público, mas continuam arrogantes, exercendo o sentimento de posse, de mando, de superioridade política, de superioridade econômica, de superioridade social e, por fim, de superioridade étnica. Recomendo aos políticos pernambucanos assistir esse belíssimo filme que é ‘Som ao Redor.’..

Jornal do Comércio: 11. No caso o senhor está fazendo um paralelo a essa tradição do coronelismo à forma como se deu essa aliança…?

Roberto Amaral: Veja, quando dr Arraes entrou no PSB não reivindicou sequer a direção estadual do partido em Pernambuco. Não pediu um só cargo na direção nacional. Não exigia em nome da força eleitoral, pois sua liderança era fundamentalmente política. Ele assumiu naturalmente a liderança do PSB, e não sua chefia. Não foi nomeado. Foi escolhido. E não por ter deputados ou prefeitos atrás de si. Quando dr Arraes foi derrotado em Pernambuco na eleição que disputara com Jarbas, nossa bancada aqui foi reduzida, mais metade dos prefeitos que ele havia elegido saíra do PSB, chegou a Brasília, claramente fragilizado, e mesmo assim em nosso congresso o reelejemo presidente do partido. É isso o que as pessoas qsem formação política não compreendem… É a diferenca entre a direção burocrática e a direção político-deológica.

Jornal do Comércio: 12. Com Eduardo Campos existia uma perpectiva de futuro para o PSB. Ele construia, pelo menos em intenção, uma terceira via no Pais. A sua morte e a posterior aliança com Aécio derrubou a tese da terceira via? E o PSB, na sua opinião, não pode mais levantar-se como representante dessa terceira via?

Roberto Amaral: A lamentável aliança com Aécio (lamentável fundamentalmente do ponto de vista político) consagrou a derrota da terceira via, que não havíamos conseguido construir politicamente no processo eleitoral. A pá de cal é a oposição de fato do PSB à Dilma, reforçando a polaridade PSDB/PT cuja ruptura era o projeto da candidatura do Eduardo. Não saber ou poder construí-la, essa sim foi nossa grande derrota.

Jornal do Comércio: 13. Se a aliança com Marina Silva, em 2013, não foi apenas pragmáticas, o senhor acredita que ela continuará dialogando com o PSB futuramente? Para uma futura aliança para 2018, por exemplo? Digo isto porque hoje, sem Eduardo, o partido não tem mais uma liderança nacional.

Roberto Amaral: Temo que Marina terá perdido aquela que certamente terá ido sua última grande chance política. E veja que o cavalo passou encilhado duas vezes em sua porta… Penso que o PSB perdeu a grande oportunidade, que defendi inclusive pela imprensa, de construir as base do ‘socialismo-sustentável’.

Jornal do Comércio: 14. Na eleição em PE deste ano, a participação da familia Campos foi muito importante para o sucesso. Os filhos mais velhos adotaram posturas políticas, ocupando espaço de fala na dianteira do palanque. O senhor acredita que por serem filhos de Eduardo são naturais lideranças políticas do partido? O mais velho, João, mesmo com apenas 20 anos, ganhou um cargo de coordenação dentro da Executiva estadual.

Roberto Amaral: Em face da tradição política brasileira, e não apenas nordestina, e não apenas pernambucana, esses meninos têm todas as condições objetivas de continuarem a saga familiar, da qual não excluo a Marília. Não conheço, porém, a formação ideológica deles.

Jornal do Comércio: 15. O senhor mantém diálogo e é procurado pelas atuais lideranças do partido, como Carlos Siqueira, Paulo Câmara ou Geraldo Julio?

Roberto Amaral: Não quero fulanizar. Não quero falar em nome de pessoas. A minha questão é política e ideológica.