Um ministro que passava acidentalmente ontem pelo Palácio do Planalto registrou que os operários já trabalhavam e estavam prestes a concluir a montagem do parlatório para a posse da presidente Dilma Rousseff, daqui a três semanas e meia. Com a imagem desgastada pelo escândalo de corrupção da Petrobras, o PT quer fazer da cerimônia uma grande festa, para mostrar que o novo governo assume com apoio popular.

Em 2010, Dilma falou do parlatório, durante 12 minutos, dos quais dedicou pelo menos quatro a rasgados elogios ao antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o “maior ídolo popular que o país já teve”. A Praça dos Três Poderes estava tomada de populares, a franca maioria em festa. As condições com que a presidente Dilma iniciou o primeiro mandato, há quatro anos, eram diferentes, todas bem mais favoráveis que agora.

Para começar, a oposição está maior, mais aguerrida e é capaz de reunir 5 mil pessoas em uma manifestação de fim de semana, convocada mais de um mês depois da eleição, quando seria de se esperar que a capacidade de mobilização contra o governo fosse menor, devido a um ambiente menos contaminado pela radicalização da disputa eleitoral. Dilma também assume um novo mandato sem que ninguém saiba onde vai parar a Operação Lava-Jato, cujos desdobramentos podem desestabilizar o Congresso e devem exigir mais agilidade e eficiência da articulação política do Planalto.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada no fim de semana, a aprovação do governo continua estável, nos mesmos 42% medidos dias antes do segundo turno das eleições, mas subiu quatro pontos o índice dos brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo. Em cada dez entrevistados pelo instituto, sete consideram que a presidente da República tem alguma responsabilidade no escândalo de corrupção da Petrobras.

As condições da economia em janeiro de 2015 também serão mais desfavoráveis para a presidente do que em janeiro de 2011, quando Dilma recebeu de Lula um país em crescimento. O PIB médio de Dilma deve ficar em 1,64%. O de Lula, no segundo mandato, foi de 4,6%. O ajuste fiscal a ser feito em 2015 será maior em relação ao PIB que o feito por Antonio Palocci em 2003, uma comparação que costuma ser feita pelo PT para mostrar que essa não é a primeira vez que o governo do partido é exigido em matéria de austeridade.

Apesar das condições mais adversas, a presidente Dilma mantém a mesma postura do primeiro exercício da Presidência – distante e centralizadora. O ministro que ontem registrou a montagem do parlatório, por exemplo, tem indícios de que fica no governo, mas não tem certeza. Como no primeiro mandato, Dilma deixa o tempo correr. O conceito de urgência dela e de seus aliados, certamente, não é o mesmo.

Para os aliados, tudo o que a presidente não tem é tempo. Quanto mais ela retarda decisões, mais a sua cadeira esquenta. O governo praticamente já não tem mais margem de manobra para influir na eleição para presidente da Câmara, onde Dilma provavelmente terá de engolir um candidato que mais atrapalha do que ajuda na recuperação da imagem ética de seu governo, já seriamente ameaçada pela Lava-Jato.

A presidente chega às vésperas da posse, aparentemente, sem uma coalizão partidária firme no Congresso e sem as ruas. Tendo a rua, ela terá o Congresso. Mas precisa cuidar dos dois. O histórico dos governos pós-regime militar indica que quem descurou de um ou de outro se deu mal. O primeiro presidente eleito da redemocratização, Fernando Collor de Mello, fez um ministério sem concessões partidárias. Perdeu a rua quando confiscou a poupança e entrou numa relação fisiológica com o Congresso que não bastou para lhe salvar o mandato.

Antes dele, José Sarney (1985-1990), um presidente acidental, teve a rua porque atendeu à expectativa de qualidade de vida das pessoas, com a edição do Plano Cruzado e a ilusão temporária de haver domado a inflação. Mas não mexeu quando devia no Cruzado para atender sua base político-parlamentar e ganhar as eleições de 1986. Ganhou mas perdeu a rua e virou um governo errático, apedrejado e com a popularidade ao rés do chão. Na eleição chegou a inventar a candidatura do apresentador de televisão Silvio Santos para tentar fazer o sucessor. Caiu no ridículo.

Saldo do Plano Real, a popularidade de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) assegurou a constituição de uma base estável no Congresso, a partir da aliança PSDB-PFL. Aliança que lhe deu o direito de disputar um novo mandato, em 1998, o que até então era proibido pela Constituição. Mas FHC cometeu o mesmo erro de Sarney, ao prolongar o congelamento do câmbio. Os últimos anos de seu governo foram melancólicos. A base parlamentar rachou, as CPIs dos Bancos e do Judiciário roubaram a cena e um ex-presidente do Banco Central no governo tucano foi algemado e preso pela Polícia Federal. Sem rua, foi presa fácil à quarta tentativa de Lula de chegar à Presidência.

Lula tinha rua e teve o Congresso até o mensalão. Tanto que reformou a Previdência Social e fez o ajuste fiscal no primeiro ano de governo, a custa de uma minoria em sua própria base parlamentar de apoio. Quando passou a ter dificuldades com o Congresso, Lula estabeleceu uma conexão direta com a rua que não se restringiria aos movimentos organizados. Nisso, inovou em relação aos antecessores. O presidente deixava Brasília na quarta-feira e só voltava a dar expediente em palácio na segunda.

Ninguém mais do que Lula defendeu Lula naquela época. Com Dilma é diferente. Ela nem está na rua para explicar e defender as medidas que terá de colocar em prática para ajustar a economia, que diferem de seu discurso de campanha, nem articula a formação de uma coalizão parlamentar efetiva para dar sustentação política a um governo que não terá como fugir de medidas impopulares, pelo menos nos dois primeiros anos. Os aliados da presidente estão apreensivos, inseguros e temerosos de que a Dilma do segundo mandato não seja muito diferente do primeiro.

 

Fonte: Valor Econômico