por: Roberto Amaral

Comissão da verdadeA Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro  comprova, documentalmente,  o que todo mundo já sabia (mas que no entanto, precisa ainda ser afirmado  e reafirmado): a existência de tortura em imóveis ocupados pelas Forças Armadas ao tempo da repressão  militar. Trata-se da matéria  ‘Comissão  da verdade diz que preso foi torturado em hospital – Laudo mostra que jovem morreu em unidade de saúde do Exercito’ publicada pelo O GLOBO de 12 deste mês (p. 9).  Trata-se da prisão  seguida de tortura e assassinato (no HCE) do jovem engenheiro Raul Amaro.  Uma vez mais se desmonta a cínica declaração de julho passado, quando o Ministério  da Defesa, respaldando ‘relatórios’ irresponsáveis assinados pelos comandantes das três forças, negou a existência de  ‘irregularidades  em dependências militares’. Comentei na ocasião esse duplo desserviço à história e à democracia em artigo postado na Carta Capital on line  (‘Por que as forças armadas de hoje defendem a ditadura?’),  que continua à disposição do leitor neste sítio. Naquela ocasião ( 7 de julho), comentei que, ao afirmar a inexistência de irregularidades em dependências militares, as Forças Armadas, pior do que estarem mentindo à Nação e à História,  estavam declarando que não consideravam como ‘irregularidade’ a ’tortura’ e o assassinato, pois a existência de tortura e de assassinatos é  fato de conhecimento notório.

A matéria de O Globo (‘Comissão da Verdade diz que preso foi torturado em hospital’), respaldada em documentos fornecidos pela Comissão da Verdade,  narra o martírio de Raul Amaro Nin Ferreira, de 27 anos: preso por uma blitz no dia 1º de agito de 1971, Raul é levado para o DOPS,   de lá foi transferido para o Doi-Codi e dessa câmara de tortura foi levado para o Hospital Central do Exército (13ª enfermaria), no dia 4 do mesmo agosto, onde e quando ingressa, sem apresentar qualquer sorte de lesão. Oito dias passados, estava morto. Nada de novo no front, a não ser a patética evidência de um Hospital transformado  em Câmara de tortura e assassinato (RA).
Leia a seguir  a matéria de O Globo:

Comissão da Verdade do Rio afirma que preso foi torturado em hospital durante ditadura

Raul Amaro Nin teria sofrido lesões dentro de centro hospitalar do exército

por Raphael Kapa

 

O Globo, 11/08/2014

 

RIO — A Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), em audiência realizada nesta segunda-feira, apresentou provas que mostram que Raul Amaro Nin Ferreira, de 27 anos, foi torturado até a morte no Hospital Central do Exército durante a ditadura. De acordo com as informações divulgadas pela manhã na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, é a primeira vez que há comprovação destas práticas dentro de um centro hospitalar no Brasil.

— Mesmo nas piores situações de violações de direitos humanos que a humanidade enfrenta, as pessoas não são mortas dentro de um hospital. O triste da história que temos para revelar é exatamente isso: Raul Amaro foi torturado e morto dentro do Hospital Central do Exército — afirmou a presidente da CEV-Rio, Nadine Borges, em sessão que contou com a participação do ex-preso político Álvaro Caldas e de Felipe Nin, sobrinho de Raul.

O engenheiro Raul Amaro foi preso no dia 1º de agosto de 1971 em uma blitz montada em Laranjeiras. Ele foi levado ao Dops e, no dia seguinte, transferido para o DOI-Codi. Segundo a versão desta segunda, no dia 4 de agosto ele foi levado para o Hospital Central do Exército (HCE) com vários ferimentos no corpo. Em seu prontuário de entrada no Dops, o preso aparece em foto sem nenhuma lesão. A justificativa para os ferimentos, registrada na caderneta nº 6.400 da 13ª Enfermaria, era de que teria acontecido uma briga durante a revista na casa de Raul. Durante os oito dias que esteve no hospital, o preso foi interrogado duas vezes, como apontam documentos produzido pelos militares, e nessas ocasiões foi torturado, como afirma relatório do médico-legista Nelson Massini.

Em julho de 2012, O GLOBO noticiou que documentos mostravam que Raul teria chegado vivo ao Dops. A informação serviu para que a família retomasse a investigação e elaborasse um relatório com 262 páginas que evidenciam que o preso foi interrogado dentro do HCE. Em um dos documentos, o general Rubens do Nascimento Paiva “apresenta o comissário Eduardo Rodrigues e o escrivão Jeovah Silva, ambos do DOPS, que vão a este hospital a fim de interrogarem o preso Raul Amaro Nin Ferreira”.

— O Hospital Central era usado como uma extensão do DOI-Codi, para lá eram levados presos feridos na rua, em alguma ação de combate, ou por terem chegado ao limite de resistência da tortura — afirmou o ex-preso político Álvaro Caldas.

Além dos documentos autorizando interrogatórios, a investigação contou com uma análise do médico-legista Nelson Massini que confirmou que Raul foi torturado durante o período em que esteve no hospital. Utilizando uma metodologia que consiste em compreender a datação das lesões através de suas tonalidades — conhecida como espectro de equimoses de Legran Du Salle — o legista utilizou os documentos da época para chegar a conclusão.

— Ao vermos a descrição das lesões, vimos que ele as sofreu enquanto estava no hospital. Esta afirmação desmente a versão oficial de que ele teria tido uma briga antes de ser preso, e é confirmada quando comparamos com as informações que conseguimos com os levantamentos nos arquivos — analisou Massini.

A família de Raul emitiu uma nota manifestando o “horror” diante da hipótese de que Raul Amaro chegou a ser torturado nas dependências do Hospital Central do Exército (HCE).

“A família se sente chocada com a contradição entre o que já é público sobre o caso de Raul Amaro e as versões oficiais de que a instituição militar desconhece as torturas ocorridas em pessoas mantidas sob sua responsabilidade durante a ditadura militar e manifesta a expectativa de algum pronunciamento das autoridades competentes sobre o caso”, diz o texto.