Jornal Zero Hora em  4/mai/2014,
Em entrevista ao jornal Zero Hora, Gerdau diz que gaúchos são acomodados e repete discurso fundamentalista contra o Estado e a política de um modo geral. Para Gerdau, o Estado só não está falido e sem dinheiro quando se tratar de conseguir benefícios fiscais para suas empresas. (Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)
Jorge GerdauMarco Weissheimer

A entrevista com o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, publicada neste domingo (4) no jornal Zero Hora, mostra mais uma vez a, aparentemente, inesgotável capacidade de alguns representantes da chamada elite gaúcha de se eximirem de qualquer responsabilidade sobre os problemas do Estado e de sonegarem ao público informações sobre sua participação em escolhas políticas que estão intimamente ligadas a esses problemas. Sonegam outro tipo de informação: os benefícios fiscais e outras vantagens concedidas pelo “vilão Estado” que ajudaram a construir impérios empresariais. Na entrevista, entre outras coisas, Gerdau diz que “os gaúchos estão felizes, mas por acomodação”, o que ele qualifica como algo terrível:

“(…) O terrível é que, se você pergunta ao cidadão médio do Rio Grande do Sul, verá que ele está feliz. Não comparamos direito as coisas: se olharmos a logística de São Paulo e a nossa, é irritante. E como São Paulo fez? Com concessões [ao setor privado], mas nós as suspendemos”.

Ao falar da “acomodação gaúcha”, o empresário também ironiza “o churrasquinho do final de semana e um baita desafio que é o Gre-Nal”, apontando-os como ingredientes dessa acomodação.

Após se aventurar pelos terrenos da sociologia e da psicologia e sustentar que a felicidade acomodada dos gaúchos está relacionada a questões logísticas e a problemas cognitivos associados à capacidade de comparação, Gerdau fala mais claro e critica a substituição do modelo de pedágios no Rio Grande do Sul: “um Estado falido e sem dinheiro festeja a estatização das estradas”. O discurso é bem conhecido. Para Gerdau, o Estado só não está falido e sem dinheiro quando se trata de conseguir benefícios fiscais para suas empresas. Ele tampouco exerce o que recomenda e não compara os desempenhos das economias do RS e de São Paulo em 2013. E minimiza o fato de a economia gaúcha ter crescido acima da média nacional: “Estamos festejando que tivemos um crescimento econômico fantástico, mas que, somado ao do ano anterior, nos deixa na média histórica”.

Crítico contumaz e eloquente do que chama de ineficiência dos governos e do setor público em geral, o empresário Jorge Gerdau não hesita em recorrer a estes mesmos governos para obter isenções fiscais para seus negócios. Não é o único a fazer isso, mas essa aparente contradição ganha mais visibilidade pelos discursos inflamados que Gerdau costuma fazer aos seus pares contra a incompetência e a ineficiência do setor público, sempre devidamente amplificados por seus colegas donos de empresas de comunicação.

O Estado a serviço da família e da empresa

Esse discurso se repete a cada ano, como se fosse uma liturgia. Em abril de 2013, falando no 26º Fórum da Liberdade, em Porto Algre, Gerdau criticou a falta de eficiência, produtividade e visão estratégica sobre “onde eu quero chegar” por parte do setor público. Também criticou “o domínio da politicagem sobre a gestão” e se disse angustiado com a situação financeira do Estado do Rio Grande do Sul, criticando o saque de R$ 4,2 bilhões em depósitos judiciais para o caixa único do Estado.

A preocupação e a angústia de Gerdau com a situação financeira do Estado não impede, porém, que ele siga recorrendo ao instrumento da isenção fiscal para tocar seus negócios. Em seus discursos autoelogiosos sobre práticas eficientes de gestão, o empresário gaúcho não costuma citar a ajuda que recebe dos governos ineficientes, politiqueiros e incompetentes, para empregar algumas das palavras que ele costuma usar.

Gerdau não costuma dizer que é um usuário frequente de políticas públicas, como o Fundopem, por exemplo. O Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul é um instrumento de parceria entre os setores público e privado, que visa a promover o desenvolvimento por meio de incentivos fiscais. Nem sempre os maiores incentivos fiscais representam maior geração de postos de trabalho. Um dos maiores projetos de incentivos fiscais aprovados em 2013 beneficiou a Gerdau Aços Longos S/A, com um investimento de quase meio bilhão de reais (R$ 475.519.127,33), e uma geração prevista de dez empregos.

O uso desse tipo de instrumento não ameniza as críticas do empresário ao setor público. Segundo ele falta governança e eficiência, falta saber “onde eu quero chegar”. No Fórum da Liberdade, Gerdau elencou a escala de valores que embasa sua visão estratégica de gestão: “o empresário tem que cuidar em primeiro lugar da família, em segundo lugar, da empresa e, em terceiro lugar, dos políticos”. O empresário repete assim uma visão pré-Revolução Francesa, onde o Estado e os governos existem para privilegiar a primeira pessoa ou a própria família.

A política atrapalha?

Na entrevista à Zero Hora, Gerdau repete esse discurso, desqualificando o Estado e a política de um modo geral que, segundo ele, “atrapalha a gestão”:

“Não quero entrar em política, sou mais útil como empresário. Com a minha idade (77 anos), nem posso mais pensar na política. O processo político é doloroso”.

“Tudo o que funciona bem em administração no Brasil é o que não tem ingerência política na administração”.

Gerdau é modesto. Na verdade, ele não precisa “entrar na política” porque já está dentro dela há muito tempo. Mas a memória do empresário parece acomodada. Se, por um lado, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau, diagnostica uma acomodação alienada no Rio Grande do Sul, alimentada pelo churrasquinho de domingo, pela disputa Gre-Nal e por uma mistura de burrice e preguiça, por outro caberia perguntar: o que alimenta a felicidade de Gerdau, uma vez que ele se coloca fora da órbita da acomodação? Será porque é dinâmico, inteligente e rico? E fartamente subsidiado com recursos do Estado falido?

E por que é mesmo que o Estado “está falido”? O sr. Gerdau teria, por acaso, alguma responsabilidade por decisões de governos que apoiou umbilicalmente, como os governos Britto e Yeda, por exemplo? Teria alguma responsabilidade pelo percentual que o Rio Grande o Sul herdou, sobre a receita líquida, para pagar a dívida do Estado, acelerada durante a ditadura, que ele tanto apoiou e que foi negociada pelo governo de Antônio Britto, que ele ajudou a eleger e sempre admirou? E sobre a situação das estradas, caberia perguntar: os preços exorbitantes dos pedágios e a situação precária das estradas, fatos que antecederam a criação da EGR, tem algo a ver com o modelo inaugurado pelo governo Britto? E quais foram mesmo os resultados das consultorias com magos da gestão e seus PGPQs no governo Yeda?

A julgar pelas palavras de Gerdau, ele não tem nada a ver com isso. Afinal de contas, como ele disse no Fórum da Liberdade, “o empresário tem que cuidar em primeiro lugar da família, em segundo lugar, da empresa e, em terceiro lugar, dos políticos”. O Estado e a política, segundo essa lógica, existem para servir aos interesses da família e das suas respectivas empresas. Esse seria o segredo da felicidade.

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