Por: José Viegas Filho

José_ViegasAcredito que nem os dirigentes dos EUA e da União Europeia nem os da Rússia desejam envolver-se em uma confrontação aguda neste momento em que todos eles, assim como o mundo em geral, já enfrentam boa quantidade de problemas difíceis.

Mas existem sempre, nos segmentos estratégicos dos Estados, aqueles que têm por missão preparar-se para o pior cenário, os que pensam permanentemente na projeção global do poder militar e os que desenvolvem a retórica destinada a amedrontar o inimigo.

A crise ucraniana está passando por esse momento, sempre perigoso porque uma vez feita a ameaça, ou, como se diz agora, uma vez traçada a linha vermelha, o risco de uma escalada de tensões torna-se mais real, ou até mesmo inevitável.

A realização do referendum na Crimeia tornou sensível a dosagem da resposta. Guerra, propriamente dita, não deve haver, mas as sanções de parte a parte podem ser mais, ou menos, robustas, as manobras preventivas e as retaliações podem ser mais, ou menos, agressivas e a possibilidade de ocorrência de situações não previstas pode aumentar.

Há um cenário nesta situação que eu quero focalizar especialmente. A anexação da Crimeia torna inevitável algum tipo de resposta por parte do Ocidente, seja em torno da própria Ucrânia, seja em questões estratégicas mais amplas, como a definição das fronteiras entre a OTAN e a Rússia, seja quanto à extensão e ao posicionamento do escudo anti-mísseis dos EUA, que preocupa a Rússia desde os anos 90.

Uma possível resposta de Moscou nesse jogo de xadrez estratégico seria o aprofundamento de uma aliança com a China, que incluiria o aumento significativo do fornecimento de material militar e de gas e petróleo da primeira para a segunda e em troca de um alinhamento mais visível da segunda com a primeira. Algo assim como o velho cenário Orwelliano de 1984: uma rivalidade entre o Ocidente e a Eurásia, só que muito mais sutil, penetrante e invisível do que a parafernália originalmente imaginada por Orwell.

O que mais nos importa nesse cenário é que ele distorce o aspecto fundamental do grupo de grandes países emergentes do qual fazemos parte – os BRICS -, cujo objetivo não é de natureza militar, mas sim política: o uso conjugado da influência que podemos exercer sobre a arquitetura do poder mundial em termos de estratégia política e econômica e não militar.

O Brasil, assim como a África do Sul, é um país pacífico cujo poder militar é modesto e exclusivamente defensivo. Assim somos e assim queremos continuar a ser, pelo menos nas próximas décadas. O problema que esse cenário apresenta para nós é que o desenvolvimento de uma aliança militar estratégica entre a Rússia e a China desfiguraria a imagem internacional dos BRICS e, se não puséssemos em prática uma boa ideia, poderíamos ser vistos como “capangas” da “Eurásia”, o que, não é difícil ver, não corresponde aos nossos interesses e requereria, portanto, uma reafirmação da nossa independência.

É possível que eu, assim como quase todos os que pensam no cenário de uma nova Guerra Fria, estejamos pensando com olhos postos no passado e não no futuro. Mas nós também devemos ter os nossos estrategistas políticos a imaginar contra-cenários, desenvolvendo ideias e medidas que nos tirem de situações desconfortáveis.

Em um mundo re-militarizado, teremos que reafirmar e talvez mesmo redesenhar nossa linha de ação internacional. Não partiremos do nada, pois já construímos instrumentos adequados e conceitos estruturadores e aqui refiro-me a dois deles: O reforço das instituições regionais como a UNASUL e o Conselho Sul-Americano de Defesa, que certamente podem definir um perfil de atuação próprio para a nossa região, e o IBAS, grupo que reúne três países significativos dos três continentes do Sul: O Brasil, a África do Sul e a Índia, que têm uma visão do mundo muito mais congruente do que os próprios BRICS.