Nada disso, assinalou, frisou, sublinhou Celso de Mello. Qualquer pessoa que tenha perdido nesse tribunal sempre pode recorrer, em último caso, ao STF. Sobra sempre essa possibilidade. Só não sobraria para quem caiu direto na corte mais alta do país! Por isso mesmo, repetia ele sílaba por sílaba, e com muitos errres pelo meio, é necessárrrio que rrreste uma porrrta, uma saída, uma al-terrr-na-ti-va rrre-currr-sal em julgamento feito por instância única de decisão. Tanto é assim, lembrou Celso de Mello, que TODOS os regimentos internos do Supremo Tribunal, o de 1909, o de 1940, o de 1970, o de 1980, estabeleceram a possibilidade de recurso quando surgem quatro votos divergentes. Gilmar Mendes, num momento exaltado na última semana, perguntara qual a razão desses quatro votos. Se é para reexaminar o que já se decidiu, por que não falar em três, dois, um, ou zero voto divergente? Qualquer número justificaria o pedido para a corte pensar melhor no que decidiu. Não se trata de número cabalístico, disse Celso. Com quatro votos, há mais possibilidade de que o recurso não seja pura protelação, mas possa de fato modificar o conteúdo do que se julgou… Abre-se a possibilidade de uma dúvida razoável quanto ao acerto da decisão. O ponto mais decisivo da intervenção de Celso de Mello não foi propriamente jurídico, mas factual. Ministros como Joaquim Barbosa e Fux consideravam que a lei 8.038, promulgada em 1990, tinha abolido a possibilidade dos embargos. Mesmo sem mencionar o tema, a lei teria tornado obsoleto um artigo do regimento interno do tribunal, que previa isso. Ora, lembrou Celso de Mello, tanto esse artigo não estava obsoleto que em 1998 o então presidente Fernando Henrique elaborou um projeto de lei, eliminando (agora sim de modo explícito) os embargos infringentes. E esse projeto foi rejeitado pela Câmara, com votos dos principais líderes partidários. Ou seja, PSDB, PFL (o atual DEM) e outros partidos decidiram que os embargos infringentes deveriam continuar. O Senado foi da mesma opinião. A própria Presidência da República se conformou e não insistiu mais no assunto. Como poderia então o STF achar que o Legislativo aboliu tacitamente, em 1990, um recurso cuja permanência fez questão de manter em 1998? Este, pelo menos, o raciocínio de Celso de Mello. De resto, se a divisão no plenário é tão grande, sendo a questão decidida apenas por um voto, vale o princípio de que deve prevalecer a tese mais favorável ao condenado… Celso de Mello foi firme, quase esmagador, na alegria de manter a própria posição e de resguardar sua autonomia de juiz face ao clamor de “maiorias eventuais”. Com a insistência vocal de sempre, colocou os pingos nos is. É de se temer que os “is”, no caso, sejam os da palavra “impunidade”. Artigo publicado originalmente em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/129749-pingos-nos-is.shtml |