Há seis meses, em abril, o Vice Presidente Nacional do PSB, Roberto Amaral, concedeu  longa entrevista ao reporter Eduardo Bresciane, do  O Estado de São Paulo. Nela, fez uma análise histórica do desenvolvimento e atuação do movimento socialista e particularmente do PSB desde 1902 aos dias de hoje, passando pelo getulismo, a ditadura militar, a refundação do partido, em 1985, a atuação no impeachment de Collor, o apoio ao Governo Itamar, à candidatura de Lula e a participação do partido em seus dois governos e também no da Presidente Dilma.

Entrevista ao IGNum depoimento lúcido e profundo, ele configurou como o partido vem participando, há décadas e efetivamente, da construção da democracia brasileira, sem nunca haver renegado sua posição de esquerda e de socialista.

Roberto Amaral também falou do direito do PSB, hoje um partido maduro e com inegável crescimento nas urnas, de ter uma candidatura própria à Presidência da República – mesmo que, à época, a sigla ainda integrasse a base de sustentação do Governo. E abordou a necessidade de alianças e apoios para um partido conseguir cumprir seu dever primeiro, que é ter representação eleitoral. Cujo limite, deixou claro, sempre foi e será o partido não abdicar de seus ideais e Programa em troca dessas associações.

“A política não é feita de sabores. Existe a política ideal e a realpolitik e a política real é a política possível, não é a política dos desejos”, ensinou o líder socialista, praticamente antevendo a saída do PSB do Governo. “Não vejo uma candidatura própria nossa como uma candidatura de oposição, mas talvez o Partido se sinta mais livre, mais leve, deixando o Governo”, declarou ele em abril (Vera Canfran).

* A entrevista foi publicada de forma resumida por O Estado de São Paulo em sua edição de 1º de abril. A íntegra pode ser conferida abaixo:

OESP –  Ministro, o assunto que desejamos  abordar tem a ver com as pretensões do PSB e o trabalho que vocês estão começando a realizar em relação às próximas eleições. O senhor pode fazer uma exposição de como é que vocês estão fazendo o trabalho de base para as próximas eleições?

RA – Esse trabalho não começou agora, vem de dois ou três anos, e resulta de  análise (contratamos uma consultoria) e de um Plano de Trabalho dela resultante.  Demos prioridade  às eleições municipais de 2012 (o resultado parece mostrar que nossa estratégia estava correta) e nos voltamos, agora, para a segunda fase, a saber,  a preparação para  as eleições de 2014, com  dois  objetivos declarados, a saber, nossa presença afirmativa no pleito presidencial, e o aumento das bancadas federais, principalmente da bancada na Câmara dos Deputados. As razões dessa especificidade são óbvias: o número de deputados federais determina nosso papel na Câmara (inclusive a participação nas Comissões e na Mesa), a partilha do tempo de televisão na propaganda eleitoral, e, finalmente, mas importantíssimo para um partido que não dispõe de financiadores, a quota-parte no Fundo Partidário. Uma grande bancada, mas acima de tudo competente, digna, comprometida com o Programa partidário é instrumento decisivo na afirmação partidária junto da sociedade e na atração de quadros. O parlamentar, pela sua atuação, é o construtor da boa ou má imagem partidária. Esta é a razão, ideológica, da boa política, que nos leva a priorizar a eleição de deputados federais. Mas há, imperiosa, também, a razão da pequena política; o sucesso eleitoral muito depende de coligações, e essas coligações, na sua grande maioria mostrengos ideológicos, são determinadas por aquela necessidade de somar tempo de televisão. Embora construída pelo Congresso, isto é, pelos próprios partidos, pelos políticos, pelos parlamentares, dispomos de uma legislação eleitoral  perversa, anti-política,  que faz com que o centro do debate eleitoral deixe de ser ideológico; sequer considera as afinidades políticas entre os partidos que se coligam, mas tão-simplesmente a aritmética do tempo de televisão. O desafio é este:  ou o partido, porque tem uma boa bancada,  tem garantido  tempo de televisão que lhe possibilita a difusão de suas idéias, ou (porque não tem uma boa, isto é numerosa, bancada de deputados federais),  é levado a negociar coligações e quase sempre essas  coligações são heterodoxas, esdrúxulas, contraditórias. Acabamos de viver exemplo clássico. Na maior cidade do Brasil, São Paulo, o PT, em aliança com  o PSB e o PCdoB,   coligou-se com o Maluf, um perseguido da Justiça, porque precisava (é sempre um ‘determinismo’) de tempo de televisão para fazer frente, na campanha, ao candidato tucano.   Não estou julgando ninguém, nem pessoas nem partidos,  até porque meu Partido também firma coligações no mínimo heterodoxas, e pela mesma razão: precisa de tempo de televisão para concorrer. Porque estamos incomodados com essa contingência,  elegemos como um dos objetivos de 2014 aumentar significativamente  nossa presença na Câmara dos Deputados. Trabalhamos para eleger uma bancada nunca inferior a 50 parlamentares, e, se possível, 50 parlamentares comprometidos com nosso programa.

Quando, com Antônio Houaiss e Jamil Haddad, entendemos, em 1985, que era chegado o momento da organização partidária dos socialistas, e então optamos por refundar o PSB de João Mangabeira,  já entendíamos como historicamente superada a fase dos partidos-frente, ônibus ou Kombi.  Agora, entendemos como desafio enfrentar o hegemonismo partidário na esquerda. Se a política de frente fôra correta e necessária para enfrentar o inimigo comum, a ditadura, o processo de redemocratização não apenas ensejava como principalmente exigia definições partidárias  e ideológicas. Continuamos insistindo em nossa afirmação no campo que chamo de esquerda-socialista, um pedaço das esquerdas, ou, melhor dizendo, das esquerdas, assim mesmo, no plural.

OESP –  Era uma situação clara, ou era a favor ou era contra a ditadura….

RA – Quem estava contra, da  direita à esquerda, tinha aquele guarda-chuva,  primeiro MDB, depois PMDB, que, no entanto sobrevive. Cessada  a ‘tempestade’, não havia mais por que ficar debaixo do guarda-chuva.  Era hora de aproveitar o sol. O fato de termos alianças preferenciais, ou seja, privilegiarmos alianças no campo da esquerda, do que sobra da esquerda brasileira, ou mais precisamente do campo popular, não impede que cada um de nossos partidos, mesmo aliados, principalmente no campo das lutas sindicais e sociais,   mantenham e até aprofundem  suas diferenças e  seus projetos, próprios, de Poder.  O partido que não tem projetos próprios, deixa de ser partido político. O que é um Partido político, senão  uma organização de políticos que se reúnem em torno de um programa e de uma visão comum de mundo e,  a partir dessa visão de mundo constrói um  projeto de Poder, onde espera realizar, isto é implantar, seu Programa? O que alimenta o partido político, que  atrai quadros e militantes, é a expectativa de poder.  O poder municipal, o poder estadual e o poder federal, nós queremos conquistar maximamente o poder. Essa estratégia requer táticas delas servidoras. E a primeira delas é disputar eleições. Time que não joga não pode ter torcida, é verdade, mas também é verdade que time que perde, ou só perde, ou não ganha, também não tem torcida. Mas nós do PSB não somos fundadores da história, nem nos consideramos autônomos em face do processo histórico, ou autônomos em face do processo eleitoral.  Todo movimento popular  brasileiro sofre ou sofreu a benfazeja influência do socialismo, e dos anarquistas imigrantes, principalmente espanhóis e italianos que começaram atuar nos fins do século XIX e primeiros anos do século XX.  O primeiro partido socialista brasileiro foi organizado em São Paulo em 1902, se antecipando às greves que incendiariam a capital em 1917.  Todos os nossos partidos enfrentaram, direta ou indiretamente, contestando-a, como partido, como liderança, a Ditadura Vargas; o PSB nasce em 1947, como fruto da esquerda democrática. E combatendo o ‘queremismo’.  A Esquerda Democrática reunia os partidos não comunistas  que haviam feito a luta contra o Estado Novo, é seu o lema, muito significativo, Socialismo e liberdade.  Nosso presidente, João Mangabeira, foi Ministro de João Goulart tanto no Parlamentarismo quanto no Presidencialismo. Mas bem antes, os socialistas tiveram atuação destacada na Constituinte de 1946, defendendo a reforma agrária, a participação dos empregados nos lucros das empresas, a liberdade sindical e o direito de greve; lutaram contra  a cassação do registro  do PCB e dos mandatos de seus parlamentares. No segundo governo Vargas, isto e, o governo da fase democrática, lutou pela criação da Petrobras e pelo monopólio estatal do petróleo; defendeu a democracia, combateu os golpes intentados pela UDN e defendeu a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira, e,  a seguir seu,  governo que enfrentou diversas intentonas golpistas (Aragarças e Jacareacanga ), militares e civis, como as seguidas interposições de pedidos de impeachment. Lutou pela defesa da legalidade e da Constituição ante a tentativa de golpe de 1961, defendendo a legalidade e a posse de Jango. Integramos o governo Jango, primeiro, por intermédio  de João Mangabeira, ministro das Minas e Energia na curta fase parlamentarista,  e o Ministério da Justiça na fase presidencialista,  por intermédio de Evandro Lins e Silva, ministro-chefe da casa Civil e ministro das Relações Exteriores,  com Hermes Lima, primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, e com Francisco Mangabeira, presidente da Petrobras.  Por que estou  dizendo isto? Porque este Partido tem história. Foi um dos primeiros a serem golpeados em 64; a listagem de seus presidentes vale como um discurso:  João Mangabeira na primeira fase, e, na restauração, Antônio Houaiss, Jamil Haddad e Miguel Arraes.

Quando da refundação — e ai estou de volta  à raiz de sua pergunta— tínhamos um desafio. O que era o Partido Socialista até então? Um partido  de quadros e com baixa inserção popular, dificuldade que trazíamos de 1947.  Na chegada de 46, na queda da ditadura, o mundo, e o Brasil nele, comemorava a vitória da democracia sobre o nazi-fascismo, as vitórias do Exército Vermelho, e, com elas, a ascensão dos movimentos populares, do proletariado e dos partidos comunistas e trabalhistas. Nosso campo estava, assim, bloqueado pela esquerda,  daí a dificuldade de o PSB, até 1964,   estabelecer o diálogo com o proletariado e com as grandes massas, organizadas ou não.

OESP –  Era veículo do monopólio….

RA –Monopólio… ou dos comunistas, ou do getulismo, mais tarde trabalhismo, hegemônicos diante do que hoje chamaríamos de pensamento ou ação  nacional-popular. Não havia meio termo. Ou você era comunista, estava na organização dos comunistas quase sempre na clandestinidade ou nas organizações por eles influenciadas, ou estava nas organizações do PTB, na estrutura institucional.  O PTB, por seu turno, oferecia espaço legal para a ação, principalmente parlamentar, dos comunistas.

Quando retomamos o Partido, em 1985, encontravamo-nos em situação similar, acossados, pois, de um lado já se haviam organizado os partidos comunistas (PCB e PCdoB), e, de outro, haviam surgido, impulsionados por duas lideranças carismáticas,  o PT de Lula  e o PDT de Leonel Brizola, este sonhando em recuperar o getulismo, e assumir o trabalhismo. Ambos aspirando ao exclusivismo em suas respectivas áreas ideológicas. O PSB  só começará a se transformar em  partido de massas a partir do Congresso de Maceió, em 1993, quando Miguel Arraes é eleito seu Presidente, por sugestão minha e assentimento de Jamil Haddad. Estava concluída a tarefa lindamente liderada por Jamil,   de organizar o partido, dar-lhe vida e fixá-lo no campo da esquerda, para o que muito contribuiu nossa opção eleitoral em 1989.  Com a eleição de Arraes, numa sucessão natural a Jamil Haddad, também ficava clara a opção eleitoral do PSB. Que é um partido eleitoral? É um partido que, ademais de optar pela via eleitoral-institucional para a chegada ao poder, é um partido que, e lá vai o truísmo, quer ganhar eleições. Desse partido os quadros e militantes têm o direito de cobrar de seus dirigentes  condições objetivas de elegibilidade;  tínhamos, então, e temos hoje, esse desafio de atender a cobranças de elegibilidade, mantendo  intactas, mais precisamente, lutando (e sofrendo) para manter intactas, as propostas programáticas. Este é o desafio do PSB, hoje.   Quando  apostamos em  Lula, já em  1988, quando começaram as negociações, ele era, eleitoralmente, um traço nas sondagens de opinião.    Em 1989,  participamos da construção e da campanha da Frente Brasil-Popular, no primeiro e segundo turnos.  No primeiro dia de governo   estávamos  na oposição a Collor.  Fomos decisivos   na instauração e no funcionamento da CPI que levou o ex-presidente ao impeachment, e nela foram decisivas as atuações do senador Bisol, do PSB, e do deputado Jamil Haddad.  O advogado da sociedade contra Collor, coube-lhe atuar na acusação no julgamento do impeachment no Senado, foi Evandro Lins e Silva, nosso fundador. Seu auxiliar de acusação foi Sérgio Sérvulo, também quadro nosso. Participamos do governo    Itamar, contra a intransigência do PT, e a história mostrou que estávamos  certos. Co-responsáveis pela cassação do mandato do presidente corrupto, entendíamos ser fundamental contribuir  para consolidar  o processo democrático e evitar o retorno do Governo às mãos da direita.  Dele participamos, com dois dos nossos quadros mais importantes, Jamil Haddad ministro da Saúde, e Antônio Houaiss, Ministro da Cultura. Quando Fernando Henrique Cardoso tornou-se um Primeiro-ministro de fato, deixamos o Governo. Participamos da Campanha do Lula em 94 e 98. Em 2002 enfrentávamos mais dois problemas. Os grandes partidos queriam acabar com os partidos pequenos, e seu instrumento era a chamada ‘cláusula de barreira’ que limitava a atividade parlamentar, o acesso à televisão e ao fundo partidário àqueles partidos que, nas eleições para a Câmara dos Deputados, obtivessem um mínimo de 5% dos votos. De novo, a prioridade era eleger deputados federais e para isso precisávamos divulgar nossa sigla e nosso número (40) escondidos nas campanhas presidenciais anteriores.   Precisávamos consolidar nossa imagem junto à sociedade,  construir  nosso espaço, assumir e divulgar nossos programas. E isso, naquela contingência, exigia uma candidatura à presidência, mas uma candidatura dentro de nosso campo. Esta a justificativa da candidatura de Anthony Garotinho, que, sob a direção do partido, revelou-se com  uma campanha pautada pela esquerda, conduzida por um programa de governo de esquerda,    à esquerda de Lula e de Ciro, e formando com eles uma frente anti-Serra. Além do mais, prendemos o eleitorado evangélico mais atrasado, o qual, em circunstâncias outras, certamente migraria para a candidatura conservadora. Nosso candidato obteve excelente desempenho eleitoral conquistando cerca de 18 milhões de votos, 15% do eleitorado, ficando a apenas 300 mil votos do candidato do governo. E Lula foi para o segundo turno.  Minutos após  a proclamação do  resultado do primeiro turno, estávamos, sem nenhuma negociação prévia,  anunciado  nosso apoio ao Lula. Apoiámos no segundo turno, participamos do Governo, primeiro por meu intermédio, depois por intermédio do Eduardo Campos, depois do Sérgio Rezende; participamos dos dois turnos da campanha de 2006 ao lado de Lula, e em 2010 ao lado de Dilma. Estamos hoje no Governo, nos sentimos bem no governo, estamos satisfeitos, achamos que não estamos de graça porque fomos também artífices  dessa história.

 OESP –  E esta conseqüência vai até aonde?

RA – Até onde interessar ao Governo e a nós. Em determinado momento pode interessar a nós e não interessar mais ao Governo; pode interessar ao Governo e não mais nos interessar. O fato é que, hoje, estamos na partilha de um projeto comum. Mas a agenda nossa, do PSB, será decidida por nós, no momento de nossa conveniência.

OESP – Então não é devedor ao Governo? O fato de ter cargos no Governo não amarra o Partido ao projeto…

RA – Nem amarra a uma eleição futura.

OESP – Essa eleição futura está ficando  cada vez mais próxima e cada vez mais antecipada

RA – Nós… vamos fazer justiça, Eduardo não parava de dizer que não ia discutir 2014 em  2013.  Eu mesmo escrevi diversos artigos com este tema. Além da permanente  pressão da imprensa para antecipar o jogo – e por quê?-  o presidente Lula,  no ato do PT comemorativo dos 10 anos de governo, cometeu um erro político, talvez grave,  ao lançar, do meu reiterado ponto de vista de maneira precipitada e em momento impróprio, a candidatura da presidente à reeleição. Trouxe para o cenário político a sucessão, o que foi um erro, repito. Primeiro, nós, o país,   não havíamos saído e não saímos ainda da crise internacional do capitalismo; estamos mesmo em seu limiar,  e no pior momento de suas consequências sobre nós.  Todos os indicadores dizem que a crise da Europa vai se agravar e está se agravando.  O desempenho dos EUA  não tranqüiliza  e sabemos que a qualquer momento podemos ter uma crise ainda mais grave no Oriente, em ebulição.  Nada, porém,  ocorrerá sem projetar reflexos sobre nós,  pois o Brasil não é uma autarquia.  Com a globalização,  estamos todos no mesmo barco.  O PSB vem dizendo que este é o momento de estarmos  todos em torno do Governo, fortalecendo-o, para que possa enfrentar a crise, ou seja, para evitar que a ‘marola’  se transforme em tsunami.  Segundo, entendíamos, e continuamos  entendendo, que este é o momento para uma grande discussão nacional em torno de nossos problemas e de nossas alternativas.  Precisamos mobilizar  todas as forças de   opinião para realizar  um grande debate  sobre o país e seu futuro próximo.

Os últimos 10 anos de avanços precisam ser conservados; mas, até  para serem  conservados, mantidos,  e se possível  aprofundados, eles reclamam reflexão. Terceiro, considero injusta para a Presidente Dilma a antecipação do debate porque ela termina sendo a antecipação, política, do fim de seu mandato. Mas o fato é que as eleições foram antecipadas. E não por nós.

OESP –   Mas o senhor acha que esse mandato já foi reduzido, justamente por esse movimento do  Presidente Lula fez ?

RA – Por tudo isso. Ele se antecipou e essa antecipação não se dará apenas no plano nacional, pois teremos eleições em 27 Estados e no Distrito Federal e  uma coisa implicada a outra. Você faz coligação aqui com o partido A ali com o partido B, como é que você vai concertar isso?  A antecipação do pleito nacional desencadeou as disputas locais.

OESP –  Para nascer um projeto nacional vai ser preciso fazer um pacote de coligações…

 RA – Pior ainda, está nascendo uma crise entre o  PT e o PMDB  no Rio de Janeiro, essa saraivada de acusações entre o Sérgio Cabral e o Lindeberg é resultado da disputa local e isso está  ocorrendo em todos os Estados. Não estou dizendo que o Partido Socialista Brasileiro terá, necessariamente,  candidatura a Presidente da República, mas ele não abre mão do direito de poder  ter .

OESP –  Agora para poder ter…

RA – Tem que negociar, ninguém é  candidato de  si mesmo, nenhum partido é projeto de si mesmo, a candidatura para se firmar tem que ter ressonância na sociedade, para se firmar no Partido ela tem que falar à militância,  aos diversos setores que compõem a sociedade, a cidadania.  Tem que representar interesses.  Quais  interesses representaríamos na disputa, quais os interesses de classe que estão/estarão atrás da nossa candidatura, quais os interesses da sociedade que serão atendidos em nosso programa?  Qual será  nossa contribuição ao processo democrático?

OESP  –  O senhor acha que começam a surgir respostas a essas perguntas?

RA – Não estou convencido de que esta reação esteja surgindo, mas acho que é o momento propício.

 OESP-   No momento das perguntas….

RA – Das perguntas …   Perto das eleições de 89, no início do ano ou final do anterior, fui procurado por lideranças do PSB de Alagoas que pleiteavam que o Partido patrocinasse ações contra o Collor, que, para elas, poderia eleger-se presidente. Não foram levadas a sério.  Um ano e meio é muito tempo!   Não sei se você se lembra que na campanha de 2006, quem estava estourando na mídia  era a Roseana Sarney. A única coisa natural na política é a candidatura à reeleição.  Todo titular de cargo majoritário é um candidato natural e legítimo à reeleição.

OESP – Agora, natural, legítimo o que justificaria….

RA – Quase que ele é obrigado a ser candidato, porque quando ele não anuncia sua candidatura à reeleição  está reconhecendo a rejeição popular.

OESP  – Agora, o Partido que apóia o candidato e o candidato vai disputar a reeleição, o Partido precisa de um discurso, de um motivo para tentar se apresentar com uma tentativa extra .

RA – Ele pode se apresentar como alternativa. Ele pode se apresentar  como um  avanço, ele pode se apresentar como projeto de auto afirmação partidária.  No processo eleitoral … as eleições tem dois elementos paralelos para os socialistas: um é o eleitoral, outro é o pedagógico.  A campanha eleitoral é o grande  momento para o diálogo com a  sociedade. É o único momento em que o Partido fala diretamente para o seu eleitorado. Nas outras oportunidades ele depende da intermediação inevitavelmente manipuladora dos meios de comunicação. Durante o processo eleitoral o  partido vai para o rádio, vai para a televisão, vai para os comícios e fala,  diz o que quer, se afirma e faz proselitismo. É um momento muito rico. Sei que a política conservadora não entende isso, a política é um jogo de perdas e ganhos. Estou convencido de que  Lula só chegou em 2002 e se elegeu por causa da campanha de 89. Não foi porque ele fez quatro campanhas nacionais.  A mera disputa de mais de um pleito não se transforma automaticamente em trunfo.   O Ciro disputou duas. O Brizola quando concorreu  pela  segunda, vez teve uma votação ínfima. Para não falar em Enéas.

OESP –   Agora, que motivos podem levar o PSB a uma candidatura própria?

RA – Todos esses.

OESP –  Neste momento?

RA – Este momento é de  avaliação. Temos um nome que está na praça, se ele será  candidato ou não os fatos dirão. De objetivo é que ele ‘está na praça’ e  está sendo tratado como tal.

OESP –  Você acha que ele está sendo testado? 

RA – Está, inclusive pela imprensa. Está com o nome na praça. E oferece uma alternativa fora do círculo vicioso do PSDB paulista, que continua PSDB paulista mesmo quando lança um velho político mineiro de cinquenta anos.  Será que ele tem repercussão? Veremos. Continuo sem  entender a existência de temores no nosso lado, do lado progressista da política brasileira. Imagine que coisa maravilhosa seria a disputa entre a Dilma e o Eduardo! Não darmos  margem à Direita.  Isto é um sonho! Estamos no mesmo campo.

OESP  –  O senhor acha que essa é uma candidatura que deveria, digamos, preocupar muito mais o campo da Direita do que Esquerda?

RA – Claro, o campo conservador…

OESP –  Ironicamente parece o mais empolgado com essa candidatura.

RA – É, talvez por não haver outra  alternativa e os nossos companheiros não estarem compreendendo o processo político.  Talvez seja necessário lembrar o óbvio, a saber, que o sistema brasileiro é de dois turnos,  e em hipótese nenhuma a esquerda estará ameaçada se ela disputa o mesmo lado. Esquerda e Esquerda. Isto é um avanço.

OESP –   Se tivesse  ao menos um dos dois…

RA – Você está respondendo por mim. O que pode acontecer com essas candidaturas?  Dilma e  Eduardo chegarem ao final, ótimo; a Dilma com alguém da direita, vamos apoiá-la; o Eduardo com alguém da direita, contamos com o apoio do PT.

OESP –  Como é que vocês estão conduzindo esse debate interno com os companheiros mesmo, inclusive  no próprio partido, com as declarações dos irmãos Ciro e Cid Gomes…

RA – O Partido nunca teve dissidência.

OESP –  Mas a opinião deles de que o natural seria  apoiar a Dilma?

RA – Respeitamos a opinião deles e vamos respeitar a opinião da maioria, como sempre fizemos. E o Cid  já deu declarações no sentido de que  respeitará a opinião partidária.

OESP –  E como levar essa relação com o PT no meio desse processo de  teste  partidário.

RA – Essa é uma responsabilidade bilateral; nós estamos tendo muito cuidado, mas é preciso também que o PT tenha muito cuidado. No que eu converso com a direção do PT, com o Ruy Falcão, por exemplo,  vejo essa preocupação.  É preciso, antes de tudo, aceitar que  qualquer partido do nosso campo pode  ter candidato. O Lula, aliás, tem insistido neste ponto. Espero que não prospere na esquerda a visão autoritária que separa nossos partidos entre os que podem e os que não podem ter candidaturas.  Todos podemos ter.  O que não podemos é utilizar  nossas candidaturas para fragilizar nosso campo.

 OESP –   Então o rival de vocês  não é o PT é muito mais o campo conservador ?

RA – Nosso adversário estratégico é a direita.  O PSB tem um projeto  para o Brasil  e quer construí-lo com todas as forças do pais.   Iniciaremos no dia 6 de nnnn, na PUC do Rio de Janeiro, uma série de seminários para discutir o desenvolvimento nacional. Temos problemas que precisamos discutir fraternalmente. Reunir as nossas Fundações, a Fundação João Mangabeira, a Fundação do PT, a Fundação do PCdoB, a Fundação do PDT, e realizar seminários para abrir discussão.  Eu não sei por que uma simples discussão está assustando tanto e a quem está assustando.

OESP –   Qual é o projeto para defender?  Já tem?

RA – Não, detalhado, não.  Eu tenho uma visão  muito pessoal, pessoalíssima, de que a sociedade brasileira não aceita mais recuos, ela quer avançar, ou seja, o discurso do PSDB (e seus satélites, DEM, PPS…) ficou anacrônico. Tudo isso que eles estão apresentando –  está nos jornais–   não interessa mais à opinião pública. Nosso povo quer saber é de emprego, quer saber se seu salário está pagando suas despesas, quer saber de seu poder aquisitivo, se ele se transformou em consumidor. Precisamos… esse foi um dos avanços, as conquistas sociais, a emergência das massas e isto pela primeira vez ocorre no processo democrático brasileiro. Quando o povo resolveu falar, quando o governo deu voz ao povo, refiro-me ao Governo Jango, o presidente foi derrubado.  Essas reformas e a pacífica emergência das massas constituem  uma proeza democrática extraordinária que mostra o fortalecimento do processo político brasileiro. Saímos de uma ditadura e estamos construindo uma sociedade democrática.  Nos anos 50  a democracia vivia condicionada pelos ‘pronunciamentos’ militares.

OESP – O senhor acha que hoje a má situação do Governo atual, os problemas das alianças voltadas mais para  direita  com os setores mais conservadores  é uma coisa que incomoda muito?

RA – Incomoda. Chamo a isso de tragédia do presidencialismo brasileiro que engolfou o nosso governo, principalmente depois  de 2005, quando a direita tentou dar o golpe, para tirar o Lula, e ele  sentiu  naquele momento que precisava de duas coisas: apoio popular, e então foi para a rua falar com seu povo,  e apoio parlamentar, sem o qual não governaria.  Preciso lembrar a você que no início de Governo em 2003, o articulador era o Zé Dirceu e fechou acordo com o PMDB e o Lula recusou  e em 2005 ele viu que se não tivesse uma maioria folgada no Congresso não resistiria. Isto é o nosso presidencialismo de coalizão.  Que mesmo assim  tem vantagem sobre o presidencialismo dos Estados Unidos. Este leva ao impasse, o governo Obama vive sob impasses, um atrás do outro. Mas aqui você resolve o impasse pela transação. Foi o que Lula  fez (ou foi forçado a fazer) ao negociar com o PMDB. Qual é a nossa avaliação? O governo montou uma base tão grande, tão larga,  que vai do PT  ao Maluf, que se transformou em uma base conservadora, por que nela os conservadores são maioria. Nesta base não há nem articulação nem muito menos hegemonia da esquerda. Qual é a minha avaliação? Esta composição, se de um lado oferece certa tranqüilidade parlamentar ao governo (embora tenha que negociar as votações caso a caso),  de outro limita sua ação renovadora.

OESP –  Mas é possível para um presidente governar sem esta base conservadora?

RA – Acho que pode, compondo com ela,  em dados concretos.

OESP –     Negociando especificamente…..

OESP  –  A gente estava dizendo que essa base conservadora precisa de reforma

RA – Eu me referia à reforma tributária. A carga em cima do consumo é perversa.  Eu, você, o Julio Mesquita, o Eike Batista pagamos o mesmo imposto quando consumimos o que quer que seja. Estamos numa crise federativa, justamente provocada por essa base parlamentar que não enfrentou a discussão no Congresso e curvou-se ao provincianismo de seus governadores, renunciando ao dever de promover a reforma tributária. Na qual o governo jamais voltou a insistir.  Os estados e municípios estão falindo.  Por que  insisto tanto em discussão nacional?  Porque além de ajudarmos a politização das grandes massas, podemos pressionar Congresso, governadores e políticos em geral. Isto é muito importante.

OESP  –  Mas é possível fazer isso em três meses de campanha ou é preciso desde já?

RA – Desde já.  Todos os nossos partidos tem fundações. O Governo tem recursos notáveis, temos aí o IPEA que é um centro de excelência, temos universidades… o que está fazendo a Universidade brasileira para pensar o Brasil?  Por que não debatemos este perigoso retrocesso que é a mistura da política com o pensamento religioso fundamentalista?  Qual é a posição da universidade brasileira?  Todo dia você pega os jornais, artistas se manifestando… isto é uma questão secundária… Nossos partidos, saindo da ditadura,  não perceberam, por exemplo, a dimensão da Comissão dos Direitos Humanos, e recusaram dela participar. Deu no que deu. Quando assumi o Ministério da Ciência e Tecnologia, deparei-me,  com surpresa, com o que me pareceu ser o interesse dos partidos pela Comissão de Ciência e Tecnologia; descobri, depois, que a atração era para  a área da Comissão que controlava a distribuição de canais de rádio e tevê. Há que discutir a política estratégica do país, pensando no longo prazo, não é coisa para um só governo, não.

OESP –   Agora eu queria que o senhor desse uma posição sobre a base mais conservadora . Dentro desse movimento que o Eduardo fez , alguns deles mais questionado foi o de se encontrar com o Serra  e isto não incomoda também o Partido  porque ele já foi candidato dos conservadores?

RA – O Serra é um interlocutor que não me atrai, mas é um político importante neste país, deputado, ministro e senador, candidato duas vezes à Presidência da República, ex-governador de São Paulo, ex-prefeito da Capital.  É como conversar com o Governador Alckmin, governador do maior estado da federação,  candidato a Presidente da República contra o Lula.  O Eduardo está conversando com o Jarbas Vasconcelos que ele acabou de derrotar  nas eleições e que ele havia derrotado umas duas vezes em eleições anteriores. A política brasileira avançou, não vivemos mais  de maniqueísmos.

OESP  –  Mas é possível fazer alianças eleitorais, por exemplo, é possível ter o DEM numa chapa com o PSB?

RA – Eu não gostaria, mas a política não é feita de sabores. Existe a política ideal e a  realpolitik. A política real é a política possível, não é a política dos desejos.

OESP – O senhor acha que numa eleição de 2014 em tendo uma candidatura e se houver um apoio mesmo que venha do setor conservador, uma aliança é justificável pelo sistema político?

RA – Há algo além disso; o sistema de alianças tem duas mãos, uma coisa é você apoiar e outra é ser apoiado. Miguel Arraes insistia muito nessa disjuntiva. Já li, atribuída ao Mao Tse Tung,  a afirmação segundo a qual ‘não importa a cor do olho do gato, o que interessa saber é se ele come os ratos’; agora, tudo tem limite, nós não vamos recuar em nossos programas para aceitar apoio de A ou B. Se você não faz concessões programáticas, ser apoiado não é problema. Eu acho que  houve problema com o PSB em São Paulo com a renúncia da  candidatura da Erundina, quando o PT recebeu o apoio do Maluf. Eu particularmente aceitei o apoio do Maluf pois o fundamental era derrotar o Serra. Para mim o  melhor teria sido a Erundina manter-se como vice, mas ela não concordou com o apoio  do Maluf e principalmente com a ida do Lula à casa do ex-prefeito.  O Lula racionava que o PT tem 30% do eleitorado paulistano, mas só com isso, embora sendo muito,  não dá para ganhar. A alternativa, pois, era buscar alianças, as quais, como no caso concreto, nem sempre estão no mesmo campo.

OESP –  Agora, Qual é o tempo para o PSB decidir a sua candidatura própria?

RA – Não temos, ainda,  uma idéia clara sobre prazos.  Companheiros, mais radicais,  propõem que os dirigentes partidários fechem olhos e os ouvidos às pressões da imprensa, e transfiram todas as decisões para 2014. Outros  pensam que setembro é o momento que oferecerá mais claridade, na interpretação de um processo político que hoje consideramos nebuloso.  Sou um súdito da realidade objetiva; ela destrói a vontade e é ela que decide.

OESP –  O senhor acha que no momento que o Partido tomar uma decisão é o momento também de encerrar esse trabalho de parceria com o Governo. Ou uma coisa não tem nada a ver com a outra?

RA – Não.

OESP  –  Não há porque sair do Governo?

RA – Não recebi qualquer sinal da Presidente, de que ela está incomodada. No dia em que nós recebermos esse sinal, não haverá qualquer problema para deixarmos os cargos, e eles ficarão à disposição da imprensa e do PMDB.  Mas ela até aqui não deu qualquer sinal e nós, no momento, não nos sentimos incomodados.

OESP  –  Mas no momento em que a candidatura dele se tornar irreversível, sair do Governo é uma conseqüência ou é possível ter uma candidato e mesmo assim continuar participando do Governo?

RA – Penso que é difícil,   embora  não veja  nossa candidatura como uma candidatura de oposição. Mas talvez o Partido se sinta mais livre, mais leve, deixando o Governo.

OESP –  Mas não é uma coisa que o Partido vai fazer já?  Até porque ainda não há nenhuma decisão?

RA – Não.

OESP –   Bom, é praticamente isso.  Muito obrigado.