1)      Qual o balanço que o seu partido faz dos governos do PSDB (de 1995 a 2002)?

Fomos-lhe oposição do primeiro ao último dia, e, passados dez anos de seu réquiem, não temos auto-crítica por fazer. Se ao governo Itamar Franco devemos o Plano Real,  ponto de partida para a estabilidade monetária, os anos FHC se caracterizaram pelo desinvestimento, pelas privatizações predatórias de setores estratégicos, pelo desmantelamento da universidade pública, pela desorganização da estrutura produtiva, pela liquidação da infra-estrutura logística. No plano externo seu legado foi uma política de submissão ao Império e dela nada fala melhor do que seu Ministro das Relações Exteriores tirando os sapatos para poder ingressar  em Washington.  A carga simbólica de tal gesto dispensa uma prateleira de teses de doutorado na USP. Em 2002, o país estava virtualmente falido. Em janeiro de 2003, quando Lula toma posse, a inflação chegara ao patamar de 12,53 e a dívida externa  era de USD 165 bilhões. Éramos presa do FMI e da banca internacional, que de fato nos governavam. E ao fim e ao cabo um país cansado, sem autoconfiança, desesperançado. Envilecido.

2)      Qual o balanço que o seu partido faz sobre a trajetória social e econômica brasileira dos últimos dez anos (os governos Lula e Dilma)?

Nos oito anos de Lula o desempenho econômico foi o carro-chefe dos notáveis avanços sociais, um e outro avanços animados pela conjuntura internacional favorável, da qual o presidente sabiamente soube tirar proveito. A opção pelos pobres tem aspectos revolucionários e talvez fique por muitos anos como legado irrevogável mesmo em face de  eventuais governos conservadores. Ao lado dos reajustes do salário-mínimo, um tabu quebrado, os projetos sociais como o Bolsa Família, Minha Casa minha Vida, Luz para Todos e o Pro-Uni (este associado à política de cotas para ingresso nas universidades públicas),  constituem processos sem precedentes de distribuição de renda.

O governo  da presidente Dilma enfrenta a grave  crise do capitalismo internacional, erodindo as economias da Europa e dos EUA e mesmo reduzindo o nível de crescimento da China. Havíamos sido beneficiados pela abertura para os mercados asiático e sul-americano e pela baixa exposição internacional, mas a globalização nos cobrou o alto preço da queda da taxa de expansão do PIB. Passamos a crescer menos que na média dos primeiros oito anos do governo de centro-esquerda. Nada obstante,  foram mantidos por Dilma os avanços sociais, e a Presidente,  corajosamente, ainda interveio nas políticas de juros e de crédito, promovendo a queda daqueles e ampliando a oferta de  recursos dos bancos estatais (os poucos que escaparam da privatização tucana) na abertura de crédito ao consumidor. E ainda teve fôlego para conter a sobrevalorização do real que destruía nossa competitividade no mercado internacional e escancarava o mercado interno em face de um verdadeiro tsunami cambial.

3)      Qual a contribuição que o seu partido deu para o projeto de desenvolvimento em curso no País nos últimos dez anos?

Parto do pressuposto segundo o qual o fator fundamental para o projeto desenvolvimentista, ainda sob o fogo do reacionarismo, foi a derrota do neoliberalismo em 2002, derrota que começou a ser gestada em 1989, com a notável Frente Brasil-Popular, da qual o PSB foi um dos principais fundadores. Ora, fizemos com denodo as campanhas de Lula nos dois turnos de 1989, em 1994, em 1998, no segundo turno de 2002, nos dois turnos de 2006; apoiamos Dilma nos dois turnos de 2010. Permanecemos na base do governo, lealmente, durante todos esses anos; nos governos Lula ocupamos o Ministério da Ciência e Tecnologia; no governo Dilma estamos gerindo o Ministério da Integração e a Secretaria dos Portos. Temos tentado o debate crítico com as demais forças da esquerda socialista. Seria isso contribuir?

 

4)      Além dos três ou quatro partidos que fazem oposição ao governo, que outros setores ou instituições compõem a oposição? E qual é o projeto da oposição?

O principal partido de oposição, na verdade, é a imprensa. Não me refiro, tão-só, à chamada ‘grande imprensa’, pois a ‘imprensa’, mediante seus diversos meios, é um conjunto, um  todo que funciona não  apenas como cartel de empresas mercantis, mas como unidade ideológica goebeliana, professando o raivoso   discurso da direita, que não raras vezes chega às raias do golpismo, como ocorreu em 2005. Ela, acima dos interesses nacionais, reflete o horror reacionário da classe dominante a tudo que cheire a povo, pois o combate não se dirige aos muitos erros de nossos governos, mas aos seus acertos, e aqueles que mais ofendem às nossas elites é a emergência dos interesses das grandes massas e o exercício de uma política externa que trocou o circuito Elisabeth Arden (os convescotes dos salões de Paris, Londres e Nova York) pelos nossos próprios interesses e o diálogo com a América do Sul, a África e a Ásia.

Não sei dizer qual é o projeto da oposição, e mesmo se ela têm projeto claro, pois, no momento, ela simplesmente reage, como o cão de Pavlov, aos estímulos dessa chamada grande imprensa.  Sei apenas que longe dela, da oposição, estão os interesses nacionais e populares e o desenvolvimento autônomo. Permanece colonizada pela inevitabilidade da dependência, como um determinismo.

5)      Qual o peso dos grandes veículos de comunicação no processo político brasileiro?

Relevante, principalmente na formação dos corações e mentes  da classe-média, com a qual as esquerdas não estão sabendo dialogar, seja por falta de discurso, seja por falta de veículo. Na verdade, é um discurso fechado, bumerangue. A imprensa goebeliana reproduz os valores das classes dominantes (nacionais e alienígenas)  e discursa para a classe-média, surdas e cegas, imprensa e classe-média,  para ouvir e ver o Brasil profundo, que no entanto emerge na cena política.  Temo, porém, no longo prazo,  as consequências da difusão unilateral do pensamento conservador, e lamento que esse fenômeno não preocupe nossos partidos, cuja prioridade é o imediatismo de uma ou outra eleição, o aqui e o agora. É um escândalo que não exista no Brasil uma imprensa de esquerda.

6)      Qual o motivo que, até hoje, a esquerda e os setores progressistas não organizaram veículos de comunicação de grande porte?

Não sei, porque pode ser tudo, inclusive irresponsabilidade. Discuto essa omissão em todos os foros aos quais tenho tido acesso, discuto dentro de meu partido (que, aliás,  renunciou a ter veículo próprio para dialogar com seus militantes). Não me falem em nossa fragilidade. Quando as condições de luta eram mais adversas, e os comunistas estavam na ilegalidade— nos anos 50 e 60 para não irmos mais longe—  sustentámos veículos nacionalistas, de esquerda e mesmo comunistas (Semanário, Novos Rumos, Voz Operária, O Metropolitano dos estudantes do Rio) e uma imprensa independente, senão de esquerda pelo menos progressista e anti-golpista (Última Hora). Mesmo na ditadura, com censura e sem censura, circularam Opinião, Movimento e Pasquim   e as revistas do Ênio da Silveira (revista da Civilização Brasileira e Encontros com a Civilização Brasileira) e a Paz e Terra do Gasparian. Passados dez anos de governo federal, e tantos anos de governos estaduais e importantes prefeituras progressistas, é inexplicável que não tenhamos um só veículo de massas em condições de quebrar o monopólio da fala reacionária. E nosso governo não tem tido o necessário apetite para proteger o que resta de imprensa popular, inclusive na blogosfera, e disseminar as rádios e tevês comunitárias. Demonstra, porém, para com os conglomerados de mídia que lhe fazem oposição cerrada, desonesta e até violenta, uma generosidade cuja explicação igualmente me escapa.

Saberá a  esquerda reconstruir seu discurso conforme as realidades atuais e transformá-lo em vetor para a ação de massas?

7)      Quais serão os desafios dos governos nos próximos dez anos? Qual é o desejo ou a pauta da sociedade para os próximos dez anos?

Qualquer prospecção política que vise a um horizonte de dez anos é exercício de pura e ingênua  adivinhação. Comecemos pela segunda parte da pergunta. Se os dados de hoje puderem constituir referência para uma futurologia sujeita a chuvas e trovoadas, podemos dizer que a pauta da sociedade é, num aparente paradoxo, conservadora e inovadora. Primeiro porque não quer ver ameaçados os avanços dos últimos dez anos, segundo porque deseja avançar, no plano econômico, no plano político e no plano social. Penso que a sociedade espera estar vivendo em 2023 em um país mais rico, em uma sociedade menos injusta, com menos desigualdade social, ou seja, uma sociedade que não mais abrirá mão da produção de riqueza e de sua distribuição,  uma sociedade estável politicamente, vivendo em paz e progredindo. Talvez, até, um pouco mais conservadora, e, sem sombra de dúvida, com a ajuda da atual esquerda brasileira, conciliadora.

Penso que os principais desafios dos próximos governos – e apenas na hipótese pela qual torço, de serem eles governos à esquerda— serão os de manter as conquistas de hoje e ao mesmo tempo, institucionalizar nossos e novos projetos,  avançar nas reformas estruturais, como uma reforma tributária que vire de cabeça para baixo o atual sistema tributário, que privilegia os ricos e penaliza os pobres, favorece o rentismo e desestimula a produção; realizar uma reforma educacional que aperfeiçoe a graduação e ao mesmo tempo universalize o ensino público, a reforma bancária (caminhando para o fortalecimento dos bancos públicos), o desenvolvimento tecnológico estratégico e a reforma do Estado, nela incluída a reforma política. Ou seja, espero, apenas, que os próximos governos continuem a ser reformistas.

8)      Qual quesito econômico (crescimento, inflação, desemprego, salários…) pode influenciar de forma mais direta as eleições presidenciais de 2014?

Qualquer aumento do desemprego que, a despeito de indicadores negativos da economia (como os tropeços da balança comercial, a paquidérmica recuperação da economia, a ausência de investimentos privados), continua em torno de 5%, índice notável mesmo se não considerarmos os indicadores médios europeus (12%,) sendo 26,3 na Espanha (dados do Dow Jones). A inflação está em queda este ano, à exceção do soluço de abril, e sua tendência é cedente. Nada no horizonte sugere uma queda no valor dos salários; pelo contrário, o baixo desemprego e o crescimento do setor serviços e mesmo da indústria indicam o aumenta da demanda por mão de obra, o que, porém, assusta aos monetaristas, para os quais todo crescimento brasileiro é inflacionário (o Brasil, para eles, é o único pais do mundo que não pode crescer mais de 3% a.a.). Para esses ‘economistas do mercado’  o aumento de juros é a mezinha receitada para todos os males da economia, do Brasil e do mundo, de ontem, de hoje e de amanhã.

O governo Dilma terá de enfrentar, mesmo considerando o ano eleitoral, dois desafios. No plano político a reestruturação de sua base de apoio; no plano econômico o combate à inflação (sem prejuízo do crescimento), a recuperação da industria e a administração da dívida pública.

9)      O que pode ser feito para que o desenvolvimento econômico em curso seja acelerado?

No curto prazo, nada ou quase nada. O governo  conteve o viés  da alta  dos juros (apesar do chororô da imprensa goebeliana e dos economistas ‘midiáticos’),  estimulou o crédito ao consumidor, conteve a valorização do real e ainda fortaleceu o papel desenvolvimentista do BNDES. Mas os efeitos não foram os esperados, e o tal mercado não reagiu. Talvez ainda seja possível aumentar as compras públicas. Mas a recuperação da infraestrutura de transportes no seu sentido mais lato (incluindo logística) cobra anos, como a expansão de nosso parque energético, o aumento da produtividade e da produção de manufaturas competitivas, por fim, o avanço em ciência, tecnologia e inovação. Nada disso — e tudo exige maturação de investimentos–  é factível sem produção de riqueza, que é o principal objetivo do desenvolvimento. Precisamos de uma década de crescimento contínuo acima de 3%. Uma coisa, porém, é certa: nada disso que parece um sonho será factível no médio e no longo prazos se não conseguirmos revolver a estrutura do Estado herdado do neoliberalismo, e até aqui intocado.

10)  O que deve ser feito para que o processo político-eleitoral seja aperfeiçoado?

Uma reforma política (política e não apenas eleitoral) profunda, apoiada em referendo. A reforma eleitoral mínima compreende um novo Código Eleitoral, a introdução do voto de legenda e o financiamento público, exclusivo, das campanhas. A reforma política, sem a qual aquela não terá valia,  exige a reforma democratizante do Poder Judiciário, a Reforma profunda do Congresso nacional, de suas atribuições e funcionamento; exige a democratização dos meios de comunicação de massas através de um sistema de controle social não estatal. Compreende o pluralismo ideológico como fundamento do pluralismo partidário. Ou seja, esse ‘aperfeiçoamento’ depende do avanço democrático.