dilma na onuCooperação entre a ONU e Organizações regionais e sub-regionais na manutenção da paz e segurança internacionais.

Tenho a honra de transmitir a Vossa Excelência as saudações fraternas da Presidenta Dilma Rousseff. O Governo brasileiro deseja pleno êxito a presidência argentina do Conselho de Segurança neste mês de agosto.

Agradeço as intervenções dos representantes das diversas organizações regionais e sub-regionais, em especial os discursos realizados em nome da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC).

Senhora Presidenta,

Já há um histórico bem-sucedido de ações políticas coordenadas na América do Sul. Exemplo marcante foi a decisão adotada no último dia 12 de julho pelos Chefes de Estado e de Governo do MERCOSUL que, pela primeira vez, em vinte e dois anos, faz referência ao Conselho de Segurança da ONU. Por meio dessa decisão, nossos governantes condenaram as ações de espionagem por parte de agências de inteligência dos Estados Unidos da América. A interceptação das telecomunicações e das ações de espionagem em nossos países fazem parte de uma conduta inaceitável e atentatória as nossas soberanias em prejuízo das relações entre as nações e constituem uma violação dos direitos humanos, em particular do direito a privacidade e do direito a informação de nossos cidadãos e cidadãs.

Assim, os Chanceleres dos Estados Partes do MERCOSUL realizamos ontem, dia 5, gestão junto ao Secretário-Geral da ONU para transmitir-lhe a posição assumida em Montevidéu pelos Chefes de Estado de Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela e dar cumprimento à decisão então adotada. Além disso, o assunto esta sendo submetido a diversas instâncias das Nações Unidas, inclusive este Conselho de Segurança (A/67/946). Trata-se de questão grave, com profundo impacto sobre o ordenamento internacional. O Brasil esta se articulando com países que nutrem preocupações semelhantes em benefício de uma ordem internacional respeitosa da soberania dos Estados e dos direitos humanos.

Nesse sentido, saúdo a oportuna declaração de 12 de julho passado da Alta Comissária para os Direitos Humanos Navi Pillay de que “programas de monitoramento sem mecanismos adequados para garantir o direito à privacidade podem impactar negativamente o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais”. Pillay citou com propriedade o Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que estabelecem que ninguém pode sofrer interferência arbitrária em sua privacidade, família, casa ou correspondência, e que todos têm o direito à proteção da lei contra tais interferências e ataques.

O Brasil também se associa ao reiterado apelo de Navi Pillay, em diversos foros, de que os esforços de combate ao terrorismo devem necessariamente respeitar os direitos humanos e o direito internacional, posição, de resto, incorporada à decisão dos Chefes de Estado do Mercosul e à Declaração Presidencial que este Conselho adotou hoje cedo.

Senhora Presidenta,

Queria saudar a oportuna iniciativa da República Argentina de realizar este Debate Aberto, o qual comporta distintas dimensões sobre a articulação entre o regional e o multilateral das Nações Unidas. Prevista na Carta das Nações Unidas, em seu Artigo VIII, essa articulação já ocorre em todo o mundo, em diferentes formas e intensidade, inclusive em regiões de paz, democracia e cooperação corno a América do Sul.

Neste contexto, devo dizer que a UNASUL tem contribuído significativamente para a promoção dos ideais e os propósitos das Nações Unidas. O Conselho de Defesa Sul-Americano estabeleceu espaço inovador de coordenação e cooperação entre os países sul-americanos em matéria de paz e segurança, inclusive por meio de maior transparência em gastos militares.

Por sua vez, a CARICOM e os países latino-americanos temos apoiado de maneira decisiva os esforços das Nações Unidas na estabilização do Haiti, único país das Américas em que há uma operação de manutenção de paz da ONU.

A CELAC constitui novo mecanismo de concertação política e integração que reúne os 33 países da América do Sul, América Central e Caribe. Apresenta como um dos objetivos centrais o de consolidar a América Latina e o Caribe como espaço de diálogo, cooperação, integração e paz. Neste sentido, vale lembrar o inequívoco apoio da CELAC ao legítimo pleito da República Argentina de soberania sobre as Ilhas Malvinas.

Os Estados-membros da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) temos advogado por um Atlântico Sul livre de armas nucleares e outras armas de destruição em massa. Buscamos assim aproximar as duas margens do Atlântico Sul, que são regiões livres de armas nucleares pelos Tratados de Pelindaba, na África, e de Tlatelolco, na América Latina e Caribe. Encorajamos outras regiões a se associarem a esta agenda e aguardamos no mais breve prazo possível o estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio.

Senhora Presidenta,

O Capítulo VIII da Carta nos ensina que, antes de se recorrer ao Conselho de Segurança, os Estados Membros devemos nos esforçar em buscar resolver pacificamente as controvérsias por meio de arranjos, agências ou mecanismos regionais. Não há questão mais delicada na articulação entre as esferas regional e multilateral das Nações Unidas do que a questão da aplicação de sanções e do uso da força. Têm ocorrido, até num passado recente, intervenções unilaterais, incompatíveis com uma ordem internacional de paz, cooperação e solidariedade, fundada no Direito Internacional. É nesse espírito que, na nova ordem mundial que se afigura, o Brasil tem defendido o estabelecimento de uma multipolaridade da cooperação, sem unilateralismos, sem excepcionalismos. Uma ordem favorável ao aprimoramento do multilateralisrno e voltada para a busca de soluções pacíficas para os desafios enfrentados por este Conselho, no respeito ao direito internacional.

Não posso deixar de mencionar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aliança defensiva que não parece incorrer claramente suas atividades sob o Capítulo VIII da Carta da ONU, e se tem valido de conceitos e estratégias que suscitam questões problemáticas e sensíveis, em termos da articulação entre o regional e o sistema ONU. Preocupa-nos que historicamente dirigentes da OTAN e de países membros tenham considerado que a OTAN não requer necessariamente autorização explícita do Conselho de Segurança para recorrer à coerção. Preocupa-nos também que a OTAN tenha interpretado livremente mandatos para ações voltadas para a promoção da paz e segurança internacionais outorgados por este Conselho de Segurança. Como tem defendido o Brasil — entre outros no documento S/2011/701 on lhe Responsibility while Protecting — o Conselho de Segurança precisa dispor de meios institucionais de monitoramento do cumprimento adequado dos mandatos. Preocupa-nos ainda que a OTAN venha buscando estabelecer parcerias fora de sua área de atuação defensiva, muito além do Atlântico Norte, inclusive em regiões de paz, democracia, inclusão social e que não admitem a existência em seu território de armas de destruição em massa.
Seria extremamente grave para o futuro da articulação entre as esferas de paz regionais e globais, conforme previstos pela ONU, se grupos de países começarem a definir unilateralmente sua esfera de atuação para além dos territórios de seus membros.

Senhora Presidenta,

Não queria deixar de salientar a importante cooperação existente entre as Nações Unidas e a União Africana. Por meio de sua refinada arquitetura de paz e segurança, a União Africana tem contribuído para prevenir e resolver satisfatoriamente tensões e conflitos no continente africano, como nos casos recentes do Sudão e Somália. O Brasil tem defendido soluções africanas para os problemas africanos. Nesse espírito, a Presidenta Dilma Rousseff participou cm Adis Abeba do cinquentenário da União Africana, com manifestação do compromisso brasileiro no estreitamento de nossas parcerias com o Continente Africano. O Brasil saúda o compromisso político do Secretário-Geral, da Conferência Internacional dos Grandes Lagos e dos países vizinhos com a implementação do Marco de Paz, Segurança e Cooperação para a República Democrática do Congo e região. Estamos certos de que, sob a liderança do General brasileiro Carlos Alberto do Santos Cruz, a MONUSCO desempenhará seu papel na proteção de civis. O componente militar, entretanto, deve ser visto como uma ferramenta em apoio a uma estratégia política e, corno mencionado pela Enviada Especial Mary Robinson, “parte de uma abordagem mais ampla que incorpora segurança e desenvolvimento”.

No caso de Guiné Bissau, saudamos a ênfase do Conselho de Segurança na importância de que todos os atores envolvidos nos esforços de mediação falem com uma só voz. A comunidade internacional deve evitar eventuais discrepâncias entre as posições de grupos regionais e sub-regionais mais próximos a II 111 conflito, ou determinada situação, e os posicionamentos de outras entidades geograficamente mais amplas. A harmonização de mensagens e posturas entre organismos regionais e a abordagem multilateral no âmbito da ONU reforça a ação internacional pela paz. Inversamente, as discrepâncias enfraquecem nossos esforços de paz.

Senhora Presidenta,

O Governo brasileiro segue profundamente preocupado com a violência na Síria e apoia com firmeza o trabalho do Enviado Especial da ONU e da Liga dos Estados Árabes (LEA) Lakdar Brahimi. O trabalho de Brahimi sintetiza de modo especial as possibilidades de uma articulação entre o regional e o multilateral no âmbito das relações internacionais.

Não podemos deixar de tomar nota cuidadosa das palavras do Presidente da Comissão Internacional de Inquérito do Conselho de Direitos humanos Paulo Sergio Pinheiro perante a Assembleia Geral da ONU, em 29 de julho passado, de que “não há solução militar para o conflito sírio” e que “aqueles que fornecem armas às partes combatentes não estão favorecendo a vitória, mas uma ilusão da vitória”. Paulo Sérgio Pinheiro salientou, na ocasião, que se trata de uma “ilusão perigosa e irresponsável pois permite que a guerra perdure indefinidamente” e “abre a porta para maior sofrimento humano e uma crise numa região inteira”.
Como reiterado em diversas ocasiões, inclusive neste Conselho, em 23 de julho passado, o Brasil defende a convocação e está pronto a contribuir para uma nova Conferência de Genebra, tão logo possível, de maneira a promover um processo político inclusivo, liderado pelos sírios, que leve a uma transição que corresponda às aspirações legítimas do povo sírio.

Senhora Presidenta,

O Brasil considera fundamental reverter o impasse e a paralisia que têm caracterizado o processo de paz entre palestinos e israelenses. Trata-se de lamentável situação em que nem mecanismos regionais, nem multilaterais, como as Nações Unidas, têm obtido resultados tangíveis. O mecanismo plurilateral declaradamente responsável na matéria, o Quarteto, tem sido inoperante. Reitero que o Governo brasileiro considera fundamental um Conselho de Segurança que assuma plenamente suas funções e não delegue suas atribuições a terceiros, a menos que isso se traduza em resultados mensuráveis para a promoção da paz.

Vale esclarecer que o Governo brasileiro apoia os esforços de mediação desenvolvidos pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e registra com satisfação o anúncio da retornada das negociações entre palestinos e israelenses, com o objetivo de alcançar em 9 meses um acordo amplo de paz, que deverá culminar com um Estado palestino independente. Saúda a decisão de Israel de liberar 104 palestinos de suas prisões e espera que o importante gesto contribua para a esperada concretização da solução de dois Estados, com base nas fronteiras de 1967.

Senhora Presidenta,

Permita-me saudar, novamente, a iniciativa argentina de promover este debate. Oportunidades de discutir temas diretamente relacionados com o cerne do mandato do Conselho de Segurança são importantes, e não apenas para contribuir com a atualização constante da orientação política e dos métodos de trabalho do Conselho; também nos permitem sublinhar a importância de pautarmos nossos esforços pela promoção da paz em estreita observância da Carta e das resoluções do Conselho; trazem à baila também a necessidade de aprimorarmos permanentemente nossa coordenação voltada para a construção de um Conselho afinado com a realidade contemporânea, inclusive no que se refere a sua composição.

Nesse sentido, concluo associando-me integralmente ao parágrafo 34 da Declaração Presidencial adotada hoje que afirma que “The Council further encourages enhanced cooperation between the United Nations and the regional and subregional organizations and arrangements to foster a global dialogue for the promotion of tolerance and peace, to promote better understanding across countries, cultures and civilizations.
Muito obrigado.