O mundo produz atualmente 5 bilhões de gigabytes de informação a cada dois dias. Portanto, é evidente que “estar na rede” significa recolher uma parcela, muito pequena, de informações disponíveis na web. No caso das redes sociais, é o indivíduo – ou sua rede mais próxima de amigos e conhecidos – quem seleciona o que será exibido em seu mural ou timeline. Então, não temos um movimento mobilizando as pessoas, mas vários movimentos simultâneos que podem ser, perfeitamente, contraditórios, convergentes ou até mesmo antagônicos entre si. Por Vinicius Wu.
Vinicius Wu (*)
O fenômeno da mobilização em rede é algo novo, mas não indecifrável. Por hora, não há – e talvez jamais venhamos a ter – explicações definitivas sobre o sentido e a origem das mobilizações dos últimos dias no Brasil. Mas é possível produzir diagnósticos e esboçar cenários, que nos permitam uma compreensão mais apurada do que ocorre por esses dias no país.
Em primeiro lugar, talvez seja necessário afirmar que não estamos diante de UM movimento, mas de vários. Uma rede é formada por diversos “nós”. Uns se comunicam com outros, mas nem todos interagem, ao mesmo tempo, com todos. Assim, por exemplo, um sujeito que vai às ruas em favor do transporte público de qualidade não influencia, em praticamente nada, um outro que vai a uma passeata defendendo a prisão de todos os políticos e o fechamento do Congresso Nacional (sim, há vários cartazes com mensagens semelhantes).
O uso que um indivíduo faz de uma rede social tem por base uma determinada seleção de informações, realizada de acordo com seus valores, gostos, preferências e aspirações. Nunca é demais lembrar, que ao utilizarmos o facebook ou o twitter o fazemos, principalmente, enquanto usuários de um sistema de distribuição de informações em rede.
O mundo produz atualmente 5 bilhões de gigabytes de informação a cada dois dias. Portanto, é evidente que “estar na rede” significa recolher uma parcela, muito pequena, de informações disponíveis na web. No caso das redes sociais, é o indivíduo – ou sua rede mais próxima de amigos e conhecidos – quem seleciona o que será exibido em seu mural ou timeline. Então, não temos um movimento mobilizando as pessoas, mas vários movimentos simultâneos que podem ser, perfeitamente, contraditórios, convergentes ou até mesmo antagônicos entre si.
E o que há é exatamente isso. Estamos diante de manifestações que reúnem, ao mesmo tempo, pessoas que defendem o fim do sistema capitalista e outras que gostariam de extinguir os partidos de esquerda. É a pós-modernidade transformada em movimento de massas.
Ocorre que, além disso, é importante ter consciência de que alguns “nós” influenciam mais do que outros. E o problema fundamental para a esquerda nesse processo é que há um grande partido político nesse país que, com muita habilidade, se tornou o principal “nó” dessa rede.
Há, nesse momento, uma direção política, sim, conduzindo os protestos. E essa condução é dada pela grande mídia. Foi ela quem “capturou” a agenda e fez transitar a pauta principal dos protestos da luta pela redução das passagens à luta abstrata contra a corrupção. A ação política da mídia lançou nas bocas – e nos cartazes – dos manifestantes a PEC 37, cujo conteúdo quase ninguém conhecia até poucos dias.
E não há motivos para ilusões: trata-se de um processo organizado. Da mesma forma como têm ocorrido infiltrações nos atos (no Rio fala-se, inclusive, na presença de milícias na última manifestação) também há infiltrações em massa na rede. Perfis falsos são criados para disseminar a “pauta” das manifestações. Alguns movimentos e organizações que estavam na origem dos atos já identificaram, inclusive, a criação de ‘eventos’ no facebook em seus nomes por pessoas completamente estranhas à suas estruturas.
E a grande mídia – que inicialmente condenou os atos – passou a acolher o sentimento partilhado pelas pessoas mobilizadas para, a partir daí, moldar a agenda dos protestos. Seus conteúdos incidem com grande força sobre os debates na internet. Seria muito ilusório supor que a força da TV não funciona como um grande vetor dos debates na web.
Os telejornais selecionam em suas edições cartazes e depoimentos que se referem, exclusivamente, ao tema da corrupção. O perfil é sempre o de uma classe média, branca, com tinta verde e amarela nos rostos e bandeiras do Brasil nas mãos. Diversos manifestantes levaram às ruas do país nos últimos dias cartazes com pedidos de regulação dos meios de comunicação ou com críticas – e até ofensas – a alguns órgãos de imprensa. Porém, nenhum deles ganhou destaque no noticiário da TV ou na capa dos grandes jornais.
Ação política na web
Uma pesquisa realizada pela Universidade Oxford e publicada no “Scientific Reports”, em 2011, analisou os mecanismos por trás das mobilizações políticas realizadas nas redes sociais. Foram analisados os perfis no twitter de mais de oitenta mil usuários, de 59 cidades espanholas. A análise se deu sobre pessoas que participaram dos protestos convocados pelo 15-M em reação à crise econômica europeia.
A pesquisa observou que as pessoas recebiam uma quantidade enorme de mensagens, num curto espaço de tempo, gerando uma sensação de urgência, que as levava a aderir aos atos de forma explosiva, num movimento em cascata. A maioria das pessoas se mobilizava em função de mensagens recebidas por pessoas próximas, gerando um ciclo emocional que as levavam a seguir o mesmo comportamento quase automaticamente. É um verdadeiro boca a boca digital. Trata-se de uma prática utilizada desde os primórdios da humanidade, só que agora o boca a boca relaciona milhões de pessoas instantaneamente.
As pessoas atuam em rede por que veem nela uma forma de se verem reconhecidas. O fenômeno dos cartazes individuais não é algo fortuito. As pessoas buscam reconhecimento de suas causas, mas enquanto indivíduos. A multidão também organiza um processo de auto-reconhecimento e autovalorização dos sujeitos mobilizados. É por isso que as TV´s gastam um tempo significativo entrevistando os indivíduos e mostrando cartazes um a um. É o micromarketing transformado em ação política de massas pelos monopólios da comunicação no Brasil, trata-se do fenômeno do “novo modelo mental” tão debatido nas atuais estratégias de marketing das grandes empresas do mundo.
É como se as pessoas estivessem acessando um produto e compartilhando-o na rede com uma grande carga emocional, que funciona como um instrumento de propaganda poderosíssimo. A aprovação dos atos está se contagiando rapidamente (pesquisas já indicam quase 90% de apoio) e a experiência de aprovação de um contagia outros com uma velocidade impressionante.
Estima-se que a cada minuto 600 pessoas tenham sido convidadas para o ato em São Paulo na última semana. Por isso tivemos atos na quinta, 20 de Junho, maiores do que os da segunda, 17, tendo apenas três dias de mobilização entre o primeiro e o segundo.
E o problema é que a mídia é quem está compartilhando e canalizando o sentimento das pessoas. Governos e partidos políticos não. E é por isso que, diante das ações de vandalismo os telejornais estão insistindo na tese de que “um pequeno grupo” de manifestantes é responsável pelas ações de violência.
É imprescindível que os governos abracem as causas dos manifestantes, transformando-as em ações concretas. Pois quem ofereceu esse acolhimento até aqui foi a mídia.
Um exemplo importante a ser seguido foi dado pelo Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que abriu um canal de diálogo direto com manifestantes, pela internet, ao vivo, em seu Gabinete Digital. Como resultado obteve mais de meio milhão de acessos ao portal que transmitia o diálogo.
O resultado, embora surpreendente, tem explicação: Não basta apenas propor soluções, é preciso abrir canais de escuta para que as vozes das ruas se sintam acolhidas pelo Poder Público. O processo de saída da atual situação será tão importante quanto as soluções apresentadas pelos governantes. Ainda que haja uma desmobilização nos próximos dias – o que seria absolutamente natural – é fundamental transmitir, com o máximo de clareza e nitidez, os próximos passos para que não estejamos sujeitos a uma explosão ainda mais violenta no futuro.
É hora da política, de liderança, de disputar hegemonia na sociedade brasileira. As lideranças políticas da esquerda e do campo progressista devem trabalhar para que seus governos se afirmem enquanto canal de acolhimento e legitimação das propostas levantadas pelas manifestações. Mas isso só será possível ouvindo, redesenhando processos e repactuando politicamente sua ação no próximo período.
Estamos diante de um processo que pode redefinir a política brasileira nas próximas décadas e o tempo da disputa parece estar obedecendo à instantaneidade dos meios digitais. Não há tempo a perder.
(*) Secretário-geral de governo do Estado do Rio Grande do Sul e coordenador do Gabinete Digital.
IN: CARTA MAIOR, Segunda-Feira, 24 de Junho de 2013