Apresentação do Ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil
Doutor Roberto Amaral
Online Educa Barcelona
6 de maio de 2003
Sociedade da informação: uma nova ordem internacional
A ”Sociedade da Informação” emerge no cenário internacional como tema novo, que consolida em uma mesma perspectiva diversos aspectos da revolução digital, a partir da qual o mundo começa mais uma vez a transformar-se. Uma vez mais, assimetricamente.
Os países desenvolvidos antecipam-se aos demais, dando início a processos de formulação política e regulamentação, antes que muitos países hoje em desenvolvimento tenham plena noção das mudanças em curso. Não há novidade nessa política de pré-condicionantes.
A Europa, de acordo com sua tradição, parece reagir a tais desafios mediante enfoque predominantemente humanístico e social. Para europeus, majoritariamente, a Sociedade da Informação deve ser implantada e estimulada com vistas à melhoria efetiva da qualidade de vida das populações.
Nos EUA, também de acordo com sua tradição, predomina tendência a realçar os ganhos econômicos da assimilação dessas novas tecnologias pelo setor privado, Governo e sociedade.
Ferramenta para a competição desequilibrada ou instrumento de desenvolvimento humano, o fato é que, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, a conformação de uma sociedade da informação encerra desafios consideráveis.
Segundo algumas avaliações, os avanços nas tecnologias digitais permitirão que os países do Sul dêem salto qualitativo de desenvolvimento, superando etapas que não conseguiram queimar no contexto da Revolução Industrial. Por outro lado, na medida em que tais tecnologias se tornam fatores estratégicos de competição na economia internacional, aqueles países que ficarem à margem do processo estarão em situação pior que antes.
O ‘hiato social’ entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, característico do período da revolução industrial, alimentar-se-ia de um novo apartheid digital, possivelmente mais injusto em termos da repartição internacional dos benefícios e oportunidades do desenvolvimento.
Contudo, a despeito de suas profundas implicações políticas, o debate sobre a sociedade da informação está sendo transplantado para a agenda internacional sob manto, nada surpreendente, de esterilidade ideológica.
Analista atento perceberá o cuidado tomado para evitar que fossem suscitadas antigas polarizações Norte-Sul. Nos debates no âmbito do G-8, disseminou-se a tese da convergência de interesses entre os que possuem e os que não possuem tecnologia. Ambos os lados (antagônicos durante os anos de reivindicação de uma Nova Ordem Econômica Internacional) passariam a ter interesse comum na promoção das TICs e na expansão da sua infra-estrutura conexa de telecomunicações. Suposta convergência de interesses passaria a ser afirmativamente defendida junto aos países da América Latina, Ásia e África. Segundo a tese, o acesso às TICs propiciaria o almejado salto de desenvolvimento, que sempre se verificou ilusório para esses países ao longo da história.
Elemento importante dessa nova retórica terá sido a perspectiva com que se defrontam as empresas dos países desenvolvidos, que terão possivelmente apostado alto demais na capacidade de absorção dos mercados consumidores no chamado ‘primeiro mundo’, de onde vinham extraindo o essencial de seus ganhos, durante a primeira fase de implantação e expansão da indústria de informática e computação.
Exemplo indicativo desse possível superdimensionamento estaria hoje refletido no mercado de computadores pessoais, na queda das ações das empresas ‘ponto.com’, bem como no esfriamento relativo do mercado das operadoras de telecomunicações. Em alguma medida, diante dos sinais de saturação nos mercados dos países desenvolvidos, o setor passa hoje por reajuste de expectativas de ganhos. Novas alternativas, em mercados ainda pouco explorados dos países em desenvolvimento, constituem nova opção, estimulada inclusive pela política de privatizações, encorajada, para dizer o mínimo, pelas agências financeiras internacionais.
O método de operação das empresas também está mudando. Algumas das maiores, como a Microsoft, HP, Toshiba e Siemens passaram a canalizar recursos para abertura e desenvolvimento de novos mercados não-tradicionais mediante fundos e organizações sem fins lucrativos, alguns ditos filantrópicos.
No âmbito da Força Tarefa para a Oportunidade Digital do G-8, os nove países em desenvolvimento convidados a participar da implementação de programa de expansão das TICs dividiram o foro com representantes de empresas privadas e de organizações sem fins lucrativos de países desenvolvidos.
O diálogo tripartite sobre uma nova agenda de cooperação para o desenvolvimento baseada na expansão das TICs (governo, setor privado e ONGs) tem envolvido não só a parte material (computadores, celulares, redes digitais, nódulos, interconexções, banda, backbone) como conteúdos (educação, cultura, comércio eletrônico, governo eletrônico, cidadania). Ou seja, TICs e Sociedade da Informação são temas transversais, que dizem respeito a praticamente todos os setores da vida dos países e de suas sociedades. Claramente, não podem ser tratados de forma apolítica.
As alterações produzidas após o atentado às torres gêmeas em Nova Iorque deverão, ademais, realçar o tratamento conferido à questão da segurança da informação e ao direito à privacidade no meio digital. O esforço internacional de combate ao terrorismo poderá criar desafios adicionais para a afirmação dos direitos individuais, da privacidade e a defesa do multiculturalismo, que reafirmamos.
Os interesses acima apontados estão fazendo com que a sociedade da informação receba tratamento diferenciado nos foros em que vem sendo debatida, com indícios de redução da representatividade e margem de atuação dos Governos no processo decisório – o que não é necessariamente bom. A Internet, que constitui espaço de evidente interesse público e influenciará o mundo rumo a nova divisão internacional de trabalho, recursos e poder, permanece inacessível à ação normativa dos Estados, especialmente dos países em desenvolvimento, suscitando questões complexas de governabilidade, democracia e, principalmente, soberania no espaço virtual.
O desafio para países em desenvolvimento
A revolução digital está gerando uma transformação do modelo de desenvolvimento em diversos planos: social, cultural, econômico, político, científico e tecnológico. Os países desenvolvidos, que alcançaram níveis mínimos de universalização do ensino, inclusão e assistência social, atingindo média de atendimento ao bem-estar de suas populações muito acima daquela vigente nos países em desenvolvimento, preparam-se para novo salto qualitativo.
‘Economia do conhecimento’, ‘sociedade da informação’, são expressões que procuram captar a essência da mudança no domínio da ciência e da tecnologia. A digitalização da informação, conjugada à relativa democratização dos meios de comunicação e transmissão de dados, com reduções drásticas nos custos e nas barreiras de acesso a esse novo mundo em rede, altera tudo de uma só vez, produzindo o fenômeno da convergência.
Equipamentos anteriormente individualizados em função de suas aplicações e finalidades utilitárias, como o rádio, a televisão, o telefone, a máquina de escrever e até mesmo o livro, convergem para uma plataforma única, multiutilitária e unidimensional no que se refere à tecnologia empregada. Esses elementos materiais da vida moderna evoluem no sentido de uma mega-integração. A Internet, com seus servidores, direcionadores, arquivos e bases de dados, contendo de tudo, desde notícias, informações comerciais, música, a livros-texto, cultura, cursos, ensino e programas audiovisuais, parece ser o embrião dessa super-plataforma.
Naturalmente, a convergência dos meios, no plano tecnológico, tenderá a produzir convergência equivalente de conteúdos, que estarão mais e mais sujeitos à massificação e ao controle ideológico exercido pela tecnologia. Haverá predomínio das informações produzidas, veiculadas e processadas, em maior quantidade, pelos países tecnologicamente mais aptos.
Se um extraterrestre desembarcasse hoje em qualquer país da América Latina e fosse conhecer esse país e o Planeta pelas vias da Internet, teria diante de si um mundo anglófono, ocidentalizado, branco e consumista. Ora, a grande promessa de democratização da informação transforma-se em instrumento de afirmação de uma só nação, de uma só cultura, de uma só língua, de uma só visão de mundo, agindo na direção centro-periferia, onde uma vez mais é veículo de elitização da cultura, da informação e da política.
Passados tantos anos e tantas turbulências, inclusive institucionais, renasce, com dramática contemporaneidade, o pleito por uma nova ordem internacional da comunicação, agora não mais adstrita à necessidade de democratização dos meios massivos. Há que cuidar para que a Internet, nascida como rede de informação democrática, pela sua capacidade de difusão capilar, não se transforme no refinamento da concentração, construindo mais um, talvez o último dosappartheids de nossa era: o appartheid do conhecimento.
Nesse quadro, é fundamental assegurar visão social e humana, respeitosa das diversidades culturais, étnicas, religiosas, ideológicas e políticas. É necessário lutar contra o risco da homogeneização associado às características intrínsecas da revolução digital, voltando-se para a exploração das novas janelas de oportunidades que a mudança de paradigma oferece em termos de viabilização, na prática, de modelo de democracia participativa e social e economicamente inclusiva.
Essa visão é particularmente importante para países em desenvolvimento, punidos pela inserção tardia e negativa no processo da revolução industrial, determinando um destino imediato, que forcejamos por romper, de subalternidade e indigência. O já insuportável hiato social entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos, típico do período da industrialização, não deve e não pode alimentar-se de novo ciclo de desigualdades, refletido no chamado ‘hiato digital’, tendência sobressaltante, capaz de ampliar o fosso entre aqueles que têm muito e os que pouco possuem, condenados a nada possuírem por lhes haver sido negado o direito ao conhecimento.
Ciência e tecnologia – uma visão humana e socialista
Com a eleição histórica de um Governo de esquerda no Brasil, representado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores e coalizão de partidos aliados, como o Partido Socialista Brasileiro, que represento, o Governo assume a responsabilidade de aplicar às políticas públicas uma visão de esquerda, tanto social quanto humana.
No campo da ciência e tecnologia, essa meta é particularmente desafiadora. A cultura prevalecente no âmbito da ciência orienta-se por visão pura, apolítica e desnacionalizada da pesquisa. O universo do cientista e o seu mundo de investigação nem sempre estão associados à vida nacional de um país.
No caso brasileiro, essa situação é cada vez mais incompatível com a natureza estatal do financiamento e apoio aos esforços de desenvolvimento científico e tecnológico. Os recursos disponíveis são escassos e a sociedade cobra, com legitimidade crescente, resultados que produzam aumento real da qualidade de vida.
É também incompatível com a urgência e gravidade dos problemas nacionais de exclusão social, de busca por um modelo de desenvolvimento justo e sustentável. Oitenta por cento da pesquisa realizada no Brasil são financiados com recursos públicos, em geral por intermédio da rede de universidades, laboratórios e institutos de pesquisa criados e mantidos pelo Governo. É preciso que a ciência e a tecnologia integrem-se ao projeto político nacional e contribuam para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro de modo mais efetivo e perceptível para a sociedade. Sem isto, o Brasil terá dificuldades para vencer gargalos no seu desenvolvimento, para alcançar um nível de distribuição de renda mais compatível com o que se espera de uma sociedade moderna e evoluída. Na verdade, se esse desafio não for vencido, o Brasil não conseguirá superar as amarras do atraso e da estagnação.
O programa do Ministério da Ciência e Tecnologia visa justamente a preparar o Brasil para a superação de suas deficiências históricas em termos científicos e tecnológicos, mediante o fortalecimento do sistema nacional de ensino da ciência e de formação de pesquisadores. Pretende-se reabilitar o sistema nacional de ensino superior da C&T, incutir mentalidade voltada para a inovação com função social e de mercado, e levar a pesquisa e a tecnologia para todos os quadrantes do país, permeando, inclusive, segmentos menos favorecidos da sociedade, promovendo equalização de oportunidades e acesso a um mundo melhor.
As metas são quantitativas e qualitativas, pois será necessário difundir cultura ainda inexistente, segundo a qual a ciência deve adquirir significado e serventia para a população. A promoção do acesso universal às tecnologias da informação e, em particular, seu emprego como ferramenta propulsora e instrumento de desconcentração do ensino e da educação no Brasil, constituem objetivos estratégicos. Nesse propósito, teremos muito a ganhar se países como a Espanha, e, em particular, se uma instituição como a Universidade Aberta da Catalunha, centro notório e prestigioso de ensino superior à distância, estabelecerem canais aprofundados de diálogo e cooperação com vistas à troca de experiências e a ações conjuntas.
A centralidade da educação
Não é possível exagerar na afirmação do papel central do ensino e da educação. São divisores de águas entre aqueles países ou sociedades que vencerão e aqueles que fracassarão em seus intentos de desenvolver-se com igualdade e solidariedade. Conforme interessante análise do historiador e demógrafo Emmanuel Todd, em sua obra Após o Império, seriam dois os principais fatores de transformação das sociedades ao longo da historia moderna: a alfabetização e a queda na taxa de fecundidade.
O autor, que se notabilizou por escrever sobre a “decomposição da esfera soviética”, em 1976, alega ser comprovável a relação entre o que chama de “modernização mental”, de um lado, e o aumento no nível de alfabetização e a queda das taxas de fecundidade, de outro.
Curiosamente, porém, períodos de ampliação acelerada dos níveis de educação de populações anteriormente sem acesso ao ensino, tendem a gerar, num primeiro momento, turbulências sociais vinculadas à tomada de consciência de sua posição relativa na sociedade. Hoje em dia, com o advento da sociedade da informação, ainda restrita ao Hemisfério Norte, se tanto, essa tomada de consciência dar-se-á de forma ainda mais marcante nos países em desenvolvimento. O acesso à educação, que já não será mais possível realizar sem recurso às tecnologias da informação e das comunicações, constituirá caminho para a tomada de consciência de indivíduos excluídos não só vis-à-vis suas respectivas sociedades nacionais, masvis-à-vis o mundo. A noção de assimetria e distância entre o próprio nível de bem-estar e aquele acessível para sociedades desenvolvidas será tanto maior quanto maior for a penetração das tecnologias da informação nas comunidades excluídas.
Exclusão social
A promessa do novo sistema, de realizar o ideal da democratização da informação, rompendo com as barreiras que afligem ainda hoje os meios de comunicação de massa, a começar pela vigilância estatal, ruiu por terra. Antes, reconstruiu a nova Idade Média, transformando a informação em mercadoria para pouco iniciados. Num mundo de cinco bilhões e 600 milhões de habitantes (algo como nove bilhões em 2030), apenas 150 milhões são usuários de PCs. Menos de 10% dos usuários de computadores pessoais, no mundo, têm correio-eletrônico conectado à Internet; menos de sete por cento de usuários de PCs, no mundo, têm acesso direto à Rede; menos de cinco por cento dos lares do mundo têm PCs; menos de 4% da população americana têm acesso em tempo real à Internet; e, finalmente, menos de um por cento da população mundial tem algum tipo de acesso à Internet (Dados do Morgan Santley & Co.) o que, todavia, não tem causado qualquer tipo de preocupação aos teóricos e prógonos da socialdemocracia, pois, como afirmam John Perry Barlow, da Eletronic Frontier Foudation, “O problema de quem terá acesso à informação não é um problema da Internet, mas uma questão de defasagem entre riqueza e pobreza”. Defasagem que, sabemos nós, só tende a crescer.
Estudo divulgado em fevereiro último apresenta quadro ainda muito negativo da pobreza e desigualdade no Brasil: dos 5.507 municípios brasileiros, apenas 200 apresentam índices aceitáveis de distribuição de renda e padrão de vida. Esse desnível reflete-se com a mesma contundência em termos regionais: 86% dos municípios com maior índice de exclusão social estão na faixa que vai do Estado da Bahia ao Estado do Acre, abrangendo as regiões norte e nordeste do Brasil, historicamente as mais pobres.
De acordo com este “mapa da exclusão social”, mais de 25% dos brasileiros vivem em condições precárias, com baixa renda, sem emprego e reduzido acesso à educação.
O estudo também procurou traçar relação entre pobreza e o aumento da violência e criminalidade no Brasil, nos últimos anos. Uma das suas conclusões é que não existe associação direta entre os dois, pois são relativamente baixos os índices de violência em regiões pobres; enquanto essa taxa se verifica mais alta nas cidades mais ricas, como Rio e São Paulo. A desigualdade, mais que a pobreza em si mesma, é o que estaria determinando o aumento da criminalidade e violência em pontos do Brasil.
Estudos como este são fundamentais para orientar as ações do Governo brasileiro no que se refere às políticas de educação e de desenvolvimento científico e tecnológico de impacto social. As políticas anteriores não foram capazes de contribuir de forma mensurável para uma melhora da distribuição da riqueza no país e do nível da educação do povo. Alguns programas, importantes e necessários, ainda exigem aprimoramentos e maior efetividade, sobretudo melhor aproveitamento dos recursos escassos com que conta o Governo. Nesse panorama desafiador, em que educação constitui elemento central de transformação da sociedade brasileira, com vistas a um salto qualitativo em termos econômicos, culturais e de cidadania, as ferramentas das tecnologias da informação emergem como instrumentos novos, modernos e de amplo alcance, que precisam ser incorporados com seriedade e racionalidade nas ações públicas do Estado.
No caso brasileiro, é urgente a necessidade de reduzir disparidades e de encontrar o caminho do desenvolvimento sustentado. Políticas e modelos historicamente consagrados, que não produziram o efeito desejado, precisam ser revistos e modernizados sem dogmas ou idéias preconcebidas.
Com seu quadro de desigualdades, o Brasil, talvez mais que outros países, precisa implementar projetos amplos de inclusão, buscando nas ferramentas propiciadas pelas tecnologias digitais e programas de ensino à distância, entre vários outros, o caminho para a promoção de maior equilíbrio e igualdade sociais.
Exclusão digital
No cômputo total, o Brasil ainda está longe de viver a democratização do acesso aos computadores e à Internet. Cerca de 87% do total da população não possuem computador ou têm acesso a ele e somente 8,3% se conectam à Internet.
Estudo da Fundação Getúlio Vargas, divulgado em abril passado, procurou desenhar o “mapa da exclusão digital” no Brasil. O número de brasileiros com acesso ao computador estaria aumentando em um milhão a cada quatro meses. O forte ritmo de expansão, porém, esconde fosso que divide o acesso às tecnologias da informação no país, em linha com as desigualdades de distribuição de renda, reproduzindo assimetrias em termos étnicos, de nível de escolaridade e de desenvolvimento regional de cada Estado da Federação.
Estima-se que nove em cada dez brasileiros não têm acesso a computador.
As diferenças de acesso ao computador e à Internet também seguem desníveis estaduais. No Distrito Federal, onde fica a capital do país, 25% da população hoje tem acesso a um computador. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, 22% e 18%, respectivamente. Quanto ao acesso à Internet, os valores para essas cidades seriam: 19%, no Distrito Federal; 15%, em São Paulo; e 13% no Rio. Mas no Estado do Maranhão, um dos mais pobres, apenas 2,4% possuem computador em casa e 1,5% se conectam à Internet. No Piauí, os percentuais são de 3,5 e 2%, respectivamente.
A despeito de o Brasil ter atingido o estado da arte em alguns campos da aplicação das tecnologias da informação, característica das sociedades assimétricas, como no caso da votação eletrônica, do processamento do imposto de renda via Internet e do sistema de banco eletrônico e auto-atendimento, no geral, o país ainda se encontra pouco aparelhado para aproveitar o potencial da revolução digital no campo da educação básica e do ensino superior. Vale dizer, como instrumento de cidadania. Os dados indicam que quanto mais tempo de estudo o brasileiro tem, maior é o seu acesso ao computador e à Internet. Dos que possuem 12 anos de estudo ou mais, 30% têm computadores. Entre aqueles com menos de um ano de instrução, somente 4,5% têm acesso a computadores. Esse grupo corresponde a 24% da população brasileira.
Como em tantos outros campos, os desafios a vencer se devem a um quadro de desigualdades e assimetrias com que o país precisa lidar de forma mais eficaz. A exclusão digital, comprova o estudo, caminha junto com a exclusão social e atinge mais as pessoas de menor escolaridade, negros e as áreas menos desenvolvidas do país. Entre os negros, apenas 4% têm computador em casa. Entre a população branca, o percentual sobe para 15%. Mesmo quando consideradas parcelas brancas e negras da população que tiveram as mesmas condições de educação e emprego, a probabilidade de um branco ter acesso à Internet seria 167% vezes maior que a de um não-branco. A pesquisa revela uma superposição de apartheids racial, social, regional e digital. E, agora, o apartheid digital a serviço do aprofundamento de todos os outros.
Educação à distância no Brasil
Ao transmitir visão brasileira das transformações em curso no campo das tecnologias da informação, espero haver realçado a importância crítica do ensino e da educação como solução para os problemas mais graves e urgentes com que se defronta o país. A educação à distância constitui, do ponto de vista das ações do Governo, ferramenta de grande potencial. Porém, como se vê dos diferentes mapas das exclusões sociais e digitais, uma política de ensino à distância no nível superior, depende de desconcentração de recursos e das oportunidades nacionais, de modo que permeiem segmentos mais amplos da sociedade e atinjam regiões e comunidades menos favorecidas. O Brasil ainda necessita melhorar o nível e abrangência do ensino fundamental. A aplicação das tecnologias educacionais modernas, presenciais ou não, pode ser o caminho em muitos casos, especialmente relevante para o projeto de ressuscitar o ensino da ciência nas escolas, perdido ao longo dos tempos em razão dos custos relativamente mais altos envolvidos na manutenção de laboratórios e professores de ciência, bem como da queda generalizada nos níveis e eficiência dos investimentos públicos na educação, sob Governos anteriores.
Diante desse quadro, não surpreende que o ensino à distância ainda seja tratado no Brasil como alternativa para situações emergenciais. No passado foram muitas as tentativas de utilização dos meios de comunicação de massa para resolver gargalos educacionais, por meio de experiências como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) ou o Telecurso do segundo-grau. Tratar educação apenas pelo ângulo assistencialista, contudo, não mais atende ao modelo educacional voltado para o futuro, para a inserção do indivíduo na ‘sociedade da informação’, na qual os recursos da tecnologia serão não apenas um instrumento de trabalho ou de ensino, mas representarão a própria essência do ‘como fazer’, sem cujo domínio não será possível alcançar uma inserção produtiva na sociedade moderna.
O quê fazer?
Na última década – principalmente na última década—dois fenômenos interligados, e que farão história, nos pegaram no contrapé do desenvolvimento tecnológico: a abertura dos mercados nacionais – o que se chamou de globalização—e a emergência, em escala planetária, da sociedade do conhecimento. Ou da ‘nova’ economia.
O desafio colocado pelo que se resolveu chamar de globalização consiste na transformação completa do ambiente econômico que conhecemos no passado recente, submetendo-o às regras de um novo jogo: a hipercompetição global nos mercados locais. Já sabemos que tal modelo, externalizador de decisões, é incapaz de propiciar a via segura mediante a qual se alcançaria o desenvolvimento do País, com o crescimento pleno, competitividade, emprego e equidade distributiva. Em suma, crescimento economicamente viável e socialmente justo.
O valor agregado dos produtos também já não resulta, na generalidade dos casos, do custo da matéria e da energia envolvidos na produção de cada item de mercadoria. Na atualidade, o valor de cada bem resulta – sem que isso implique qualquer circunlóquio—do valor do conhecimento técnico ( ou da ‘tecnologia’) que esse bem embute. Assim, na maioria absoluta das vezes, pode-se dizer, diante de cada bem ao alcance das nossas vistas, que ele contém, em valor, muito mais conhecimento do que matéria. Daqui se parte para uma conclusão que é crucial para nós: no mundo contemporâneo, o elo da corrente que arrasta o desenvolvimento econômico já não é a produção de bens materiais, senão a produção de bens simbólicos. Bens de informação, bens de conhecimento, bens de cultura.
Se o fator de produção determinante da sociedade do terceiro milênio é o conhecimento – e não vai nisso qualquer novidade— é igualmente certo que conhecimento é informação acumulada. Deter, controlar as fontes e meios de informação, é controlar o conhecimento, é exercer sobre as sociedades o monopólio do poder, do poder científico que será a matéria-prima do poder político. Não mais os mil olhos/tentáculos do gigante onipresente da fábula orwelliana. Já agora pura e simplesmente o controle da informação.
Ao monopólio -que já se instala em outras áreas da atividade humana, sob, aliás, a proteção jurídica de tratados e a administração de organismos multilaterais— ao anunciado monopólio da informação, nosso único instrumento é sua disseminação, através de investimentos maciços, de nossos Estados e de nossas sociedades, em ciência da informação e da computação, em robótica e informática, em software e hardware, em tecnologia, visando a popularização do meio e seu acesso universal por nossas populações.
O Brasil investe, presentemente, não só na criação de seu próprio modelo de televisão digital, voltada para seus interesses e as necessidades de sua população, como na produção de computadores pessoais populares, visando à universalização do seu emprego, inicialmente na escola, em seguida em ambientes públicos e populares, interligados à Rede da Internet.
Desenvolvemos pesquisa em setores estratégicos, como o aeroespacial, energia, nanotecnologia, microeletrônica e a área de fármacos, na qual é fundamental capacitar o país na produção dos princípios ativos indiepsnáveis para a saúde da população. O Governo criou uma secretaria dedicada à pesca, área subaproveitada em uma nação que possui 7500 quilômetros de costa, e que receberá grande impulso por meio de investimentos em pesquisa marinha e biológica.
Temos a expectativa de provocar com isto mudanças necessárias para colocar o país na rota do desenvolvimento. O esforço nao é isolado de um único ministério. Conta com a contribuição de todos os setores do Governo, cada qual em sua área de competência, promovendo parcela de mudança que se somará e cirará as bases de um novo Brasil.
Será dada à ciência e tecnologia importância maior. As políticas nacionais deverão ser integradas às ações de Governo em matéria de educação e desenvolvimento industrial. Será necessário incorporar visão clara do desenvolvimento científico e tecnológico à política econômica nacional, com vistas a produzir efeito de modernizaçao do setor produtivo e a habilitar a sociedade a realizar sua transiçao rumo à democrcia com justiça social e crescimento.
Ciência e tecnologia são elementos críticos da política de Governo. Mais ainda na chamada “nova” economia. A criação de uma sociedade da informação, igualitária e acessível, a melhora do desempenho do Estado em todas as áeras sociais, a promoção da indústira e do comércio, a melhoria na prestação de serviços assentam-se sobre base de informaçao e conhecimento cujo acesso para vasta parcela das populações do terceiro mundo ainda não está assegurado. Pelo contrário, vimos que, no plano internacional, pairam ameaças de novas assimetrias, hipercompetitividade e barreiras ao desenvolvimento igualitário. São ainda graves e significativas as margens de exclusão nas sociedades do mundo em desenvolvimento.
O Governo brasileiro, o Governo do Presidente Lula, tem a convição de que não é mais possível trilhar o caminho do progresso pela via do isolamento. A prioridade será, portanto, a inserção brasileira em sua própria região e o convívio íntimo, entre iguais, com nossos vizinhos e irmãos da América Latina. Mais que mera inserção, a determinação do Governo é de provocar mudanças estruturais que levem a sociedade nacional a sentir-se efetivamente parte de uma esfera regional unida pelo sentimento comum de pretencer a uma mesma cultura, luso e hispano-americana, para cujo aperfeiçoamento e disfusão precisamos contar com a cooperação das nações matrizes e afins da península ibérica, nossos irmãos da Catalunha, da Espanha e de Portugal.
O propósito brasileiro da união latina pelo aprofundamento de uma identidade comum buscará afirmação máxima no contexto do surgimento dessa “sociedade da informação”, de que tanto falamos. Será uma cruzada pela preservação da nossa história, cultura e linguagem.
Esperamos criar a “sociedade da informação” e a “nova” economia ibero-americanas, constituídas não pelo viés da guerra ou da intoloerância, mas sobre o eixo da ciência, da pesquisa, da cooperação.
Desejamos contar com a particição engajada da Espanha e Portugual nesse processo, na convicção de que nosso esforço conjunto pavimentará o caminho para a plena realização do ideal de uma sociedade pujante, culturalmente rica, pacífica, próspera e, sobretudo, justa.