Roberto Amaral[1]
Para bem compreender o processo social em curso, o primeiro passo é reconhecer que a direita e a extrema direita brasileiras vêm dando seguidas mostras de vitalidade e capacidade organizativa, principalmente a partir de 2013 e daqueles idos de junho, que, sob as mais variadas facetas, chegam até aqui como que marcando um determinado ciclo, inconcluso, de nossa história contemporânea.
No curto espaço histórico de onze anos a direita cassou um mandato presidencial, deu as cores do governo Michel Temer, o perjuro, elegeu presidente da República um obscuro deputado fascista, desorganizou o Estado e impôs pesadas perdas dos direitos políticos, dos direitos previdenciários, trabalhistas e sociais de um modo geral. Impôs retrocessos que ainda estão longe de serem consertados, todos levados a cabo em face de uma sociedade e de um sindicalismo silentes. É o thatcherismo caboclo. O 25 de fevereiro, nada obstante sua relevância, não terá, pois, surpreendido o observador da cena brasileira. E há, ainda, muito o que aguardar das forças protofascistas aqui atuantes, aparelhadas e bem fornidas de apoios do sistema.
A incontestável capacidade de mobilização revelada no episódio paulistano indica, ademais, o nível de organização alcançado pela direita que já não esconde suas ligações internacionais, particularmente com a direita dos EUA em plena ascensão sob o protagonismo de Trump. A concentração do último dia 25 também pôs a nu o volume de recursos políticos, logísticos e financeiros que a direita pode mobilizar, impondo às esquerdas brasileiras, de há muito ausentes das ruas, uma necessária revisão de seu projeto político (qual é mesmo, hoje?) e uma reavaliação do papel até aqui desempenhado.
Não devemos subestimar o desafio político da direita, mormente quando estamos em face de uma articulação internacional que já viceja em nosso continente, com a derruição da democracia e as promessas de centro-esquerda. A ascensão de Javier Milei, na Argentina, é a mais recente advertência.
Em qualquer hipótese, o quadro visto do alto recomenda às esquerdas brasileiras )pôr as barbas de molho. Porque o que está em jogo é algo mais que o governo do presidente Lula.
No que nos diz respeito, o ponto de partida é considerar o fato objetivo, pesar sua importância real, esmiuçá-lo, compreendê-lo, e, afinal, construir a alternativa do enfrentamento necessário e inevitável, embora até aqui recusado. O largo campo das esquerdas brasileiras está sendo chamado a rever seu papel presente, de continuado recuo, diante do desafio organizacional e do proselitismo da direita, que mais avança na medida em que as forças progressistas renunciam à batalha ideológica. Essa renúncia, que vem de longe, é o ponto nodal do desafio que nos propõe o processo social.
O protofascismo não é fenômeno sem causa, nem hoje nem nos idos dos anos 1930, anos do fastígio do integralismo, de suas paradas e manifestações populares, até a tentativa de golpe de 1938, quando era, efetivamente, um movimento de massas.
No 8 de janeiro, em Brasília, as mesmas forças ideológicas intentaram o golpe por dentro do poder. Ao contrário de Getúlio Vargas em 1937, que soubera escolher seu estado-maior, a direita fracassou no projeto golpista de 2023, apesar da fragilidade do nosso governo, a ausência de mobilização popular, e a imobilidade dos partidos, que só vieram a se dar conta da real ameaça da intentona quando ela estava debelada, e o governo Lula, ainda assustado, saía de seu recesso tático. Como é sabido, nosso ministro da defesa, à hora dos saques, almoçava em um restaurante em Brasília, enquanto o general. Gonçalves Dias, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, perambulava, sem rumo, tropeçando nos escombros do palácio do planalto, que não soubera defender.
Sobrevive uma questão central: a ausência das esquerdas, que ficou evidente em todo o processo do 8 de janeiro, como se lhes tivesse sido dado o papel de simples plateia em momento gravíssimo da democracia. Trata-se de consequência do vazio cavado pela renúncia à ação militante, refletindo erros estratégicos das direções partidárias, a partir principalmente das eleições de 2002. Essas omissões explicam o terreno perdido na política, e pouco é o que podemos cobrar do governo Lula. O aggiustamento com setores da direita dita “civilizada”, se proporciona governabilidade, necessária nas circunstancias, limita sua liberdade de ação política – o que pode se mostrar fatal ali adiante.
A crônica dos últimos 11 anos é o fruto de longo processo social, que registra, entre seus muitos intervenientes, a recusa da esquerda de travar a batalha ideológica, de que resultou sua renúncia à organização popular e o fim da militância organizada; por fim, o que chamamos de abandono do chão de fábrica. Na ausência do discurso de esquerda, ou meramente progressista, cresceu a influência da direita sobre o pensamento e os preconceitos da classe-média, e, talvez principalmente, sobre as grandes massas que até há pouco se conheciam como redutos progressistas. .
A multidão levada para a avenida paulista, no último dia 25/02, atendia a evidentes necessidades políticas do ex-presidente, ao tempo em que sinalizava o grau de resistência, organização e mobilização a que chegaram as forças conservadoras e reacionárias brasileiras, mobilizadas pelo discurso da extrema-direita. Investigado em um sem-número de inquéritos policiais, já com a inelegibilidade decretada, Jair Bolsonaro precisava dar uma demonstração de força política a seus julgadores. E este objetivo foi claramente alcançado.
Quais serão os efeitos em face dos inumeráveis inquéritos a que responde por crimes políticos (tentativa de golpe de Estado) e comuns (peculato e apropriação indébita de bens da União), só a história em movimento nos dirá. Há, porém, um fato novo a registrar. Desta feita, no contrapelo de nossa tradição política, a ameaça judicial não se volta, tão só, contra meia dúzia de bagrinhos, pois as garras judiciais miram também poderosos generais que dividiam o Planalto e as maquinações golpistas com o ex-presidente. E Bolsonaro sabe que se está fechando o círculo policial-judicial que pode levá-lo, até, à prisão.
É irrelevante discutir se eram 100 mil ou 70 mil pessoas na avenida. Relevante é que ficou à mostra que a extrema-direita age sob comando unificado, desfruta de capacidade organizativa e dispõe de base financeira para operar. A extrema-direita falou no dia 25. Esperemos o que nos dirão o governo e as organizações de esquerda.
O domingo na Paulista deixou claro que a peçonha está viva, bem cevada e pronta para picar, uma vez mais, os aprendizes da política real. Muitos sucumbem por ignorar o adversário; são fortes candidatos à derrota, mesmo antes de a disputa ser travada. E há os que, por mecanismo de defesa, insistem em desqualificar o adversário e sua letalidade política. O que não é visto é dado como inexistente. Nosso ponto de partida é o reconhecimento de que a direita mobilizou sua base e, a partir de São Paulo, disse à nação que, ademais de organizada, reconhece a liderança do ex-capitão. Assim, permanece em ofensiva política, de prontidão para o confronto.
De outra parte, enquanto o reacionarismo toma as ruas (após controlar o Congresso), a esquerda, silente e recolhida, afasta-se da arena e deposita suas expectativas de enfrentamento da extrema-direita nas mãos da institucionalidade, de quem passa a depender: espera que a polícia federal, o poder judiciário, o ministério público enfrentem seus adversários para então entrar na liça. Trata-se de erro político sob todos os ângulos observáveis, pois significa a renúncia à política, e um desserviço à educação das massas.
A extrema-direita, em si um arcaísmo, é, entretanto, a um só tempo, velha e moderna, e assim se tem revelado, em seu proselitismo, no absoluto controle dos meios de comunicação, desde sempre aparelhos ideológicos da classe dominante.
Velha como pensamento, a direita é igualmente moderna, no que diz respeito à manipulação das ferramentas sociais. Enquanto a esquerda parecia assustada com os novos meios de comunicação, a direita os dominou no processo eleitoral de 2022 e continua utilizando-os, inclusive logrando utilizar a “mídia alternativa” e seus simpatizantes como correia de transmissão.
Na contramão dos fatos, nosso governo investe e muito nos veículos tradicionais da comunicação, minguantes e de eficiência contestada, enquanto deixa ao relento os chamados meios eletrônicos, a chamada mídia eletrônica, e a chamada mídia alternativa, por simplesmente não ter, ainda!, definida, sua política de comunicação, de que igualmente carecem os partidos de nosso campo.
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No Gueto de Gaza – Após o Massacre da Farinha, ocorrido ontem, quando forças israelenses, completando o rol dos crimes de guerra, alvejaram palestinos que faziam fila para receber mantimentos, aguarda-se um pedido de desculpas do boquirroto presidente do Senado ao presidente Lula.
Jornalismo sabujo – Enquanto o genocídio se desenrola sob as barbas de uma “comunidade internacional” inerte e cúmplice, os grandes grupos de comunicação brasileiros, que já se prestavam a contribuir com o esforço de guerra da OTAN na Ucrânia, agora disputam entre si pelo troféu da cobertura mais canalha do holocausto palestino.
Marielle Franco – Afinal, quando saberemos quem mandou matar a vereadora do PSOL?
Mailson – Uma das jaboticabas brasileiras é o culto ao fracasso. Uma ilustração é o prestígio do Sr. Mailson da Nobrega, presença quase diária na imprensa quando o tema é economia. Quando esse senhor assumiu o ministério da Fazenda, no último ano do governo Sarney, a inflação anual girava em torno 366%. Quando nos deixou, no final de 2002, a inflação alcançara a astronômica marca de 1.782%.
A sombra da história – O presidente Lula confunde o recurso à informação histórica com remoer o passado. Parece não entender que conhecer o passado é o melhor método para evitar a repetição dos erros. A sociedade tem o direito de ver apurados os crimes cometidos pela ditadura militar. O Estado não pode fugir a esse dever, sobretudo em um governo de centro-esquerda.
A escola de sargentos – Nosso governo anuncia recursos para uma gigantesca escola de sargentos, no Nordeste, certamente pensando em agradar à caserna, mas ignorando que ela retoma a velha preocupação do Pentágono com o “Nordeste vermelho”, que, para os norte-americanos, é a região brasileira destinada à insurreição comunista. Como ressalta o professor Manuel Domingos Neto, essa decisão reforça a opção da caserna por combater brasileiros em detrimento da capacidade aeronaval, mais adequada à guerra contra o estrangeiro.