Jhonatan Almada

 

FUNDAMENTOS E ESTRATÉGIAS PARA A CIÊNCIA CIDADÃ

São Luís

CIEP

2020

PREFÁCIO

A REINVENÇÃO DA CIÊNCIA

Roberto Amaral

“O Maranhão foi a unidade mais dependente do modo de produção escravista, tanto antes, como depois de 1822. De certo modo, continua neste terceiro milênio escaldante, esquiando no chão como réptil no labirinto, à procura de sol e saídas”.

 

O Brasil, pelas mãos do príncipe português, se faz independente em 1822, mas não se liberta da estrutura colonial que lhe vai tolher as possibilidades de progresso. Salta do mandonismo lusitano, em agonia, para cair nos laços do império britânico e assim preservar-se como economia arcaica, dependente da extração e da coleta predatória, destruidora do meio ambiente e do homem.

Suas raízes são o escravismo de negros africanos e o genocídio, perdurante, de nossas populações nativas. Uma economia subordinada, voltada para fora, para fornecer matérias primas para o consumo das metrópoles europeias, uma sociedade de latifundiários e traficantes de negros, alienada e reflexa. Este quadro nacional se reproduz nas províncias, fractalmente, pois todas passam a servir aos interesses da corte-sede, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Nossa história de hoje – nosso atraso – não é obra do acaso.

O velho regime das oligarquias e do latifúndio não desaparece nem com o fim da escravidão, nem com a queda da monarquia. Sua crise só vem à tona a partir de 1930, mas não significa o desaparecimento do sistema oligárquico, reacionário e obscurantista, como observava Florestan Fernandes. Assim, ingressamos num capitalismo dependente que não nos permite saltar do subdesenvolvimento e que acentuou as disparidades regionais.

Essa sociedade, que renunciara ao progresso, não precisava de indústria (abominada desde o decreto de D. Maria, a louca) pois tudo importava, não precisava, portanto, de ciência. Não precisava do conhecimento. Para a vida cartorária da corte e das capitais provinciais bastavam os bacharéis. As escolas de ensino superior fundadas pelo primeiro reinado são as faculdades de direito de Olinda e São Paulo (1827) e nossa primeira universidade (a Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro) só seria criada em 1922, (na verdade então mera reunião de escolas isoladas), para que pudéssemos retribuir ao rei da Bélgica, que nos visitava, o título de doutor honoris causa com o qual aquele país havia homenageado nosso Pedro II.

Quando se volta para o desenvolvimento científico e tecnológico, o Brasil privilegiaria o sudeste, nomeadamente São Paulo e Rio de Janeiro, onde se concentram nossas principais universidades públicas, o maior número de mestres e doutores, nossos principais centros de pesquisa, para onde são carreados os maiores volumes de recursos federais, as maiores quotas de bolsas de estudos e de pesquisa e onde, consequentemente, se instalará nosso parque industrial manufatureiro.

Ao Nordeste continuaria cabendo o papel de fornecedor de mão de obra barata e sobre-explorada e matérias primas, tais como cera de carnaúba, algodão em rama, charque, babaçu, a mamona, o cacau… Nem como mercado consumidor seria considerado, por permanecer pobre.

O desenvolvimento científico, pelo seu papel na dinâmica do capitalismo, de há muito vem sendo considerado como força produtiva. Esta questão se coloca com máxima pertinência quando se torna uma obviedade afirmar que o grande fator de produção, hoje, é o conhecimento, vale dizer, o domínio da ciência e da tecnologia, a capacidade de invento e criação, base de todo o desenvolvimento contemporâneo. Se não se conhece um só exemplo de país desenvolvido que não seja antes uma potência industrial e, por uma razão e por outra, um grande mercado consumidor. De igual sorte não há hipótese de progresso sem prévio e sólido desenvolvimento científico e aplicação tecnológica.

Estão à vista as lições dos EUA, da Comunidade Europeia, do Japão, da China e da Coreia do Sul. Essa história deita raízes na primeira revolução industrial (que perdemos) e se transforma em desafio de vida e morte quando ingressamos na chamada quarta revolução industrial, fundada na informática, na robótica, na cibernética e na inteligência artificial transformando o conhecimento (e sua aplicação) na matéria-prima do desenvolvimento.

O desafio de nosso país, e nele de nossos estados, principalmente dos estados mais pobres, é, pois, voltar-se, com todas as suas potencialidades, ao desenvolvimento científico acelerado. O Nordeste pede urgência; é preciso saltar etapas.

O Maranhão – e a reinvenção é seu testemunho – compreendeu que não há alternativa para seu desenvolvimento, sem o qual seu povo não sairá da pobreza, se não se voltar para um projeto de industrialização, o qual depende de investimentos maciços e sistemáticos em educação, ciência e tecnologia. Tais investimentos requerem planejamento público e persistência política, que depende do apoio que o projeto de desenvolvimento científico – ora exposto – venha a obter da cidadania.

Que o chão escaldante e os ameaçadores ventos que sopram da Brasília de nossos tempos não ameacem a germinação dessa semente que é a reinvenção da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Maranhão e o trabalho, continuado, de organização e regulação do Sistema Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação cujos fundamentos e estratégias fazem parte deste livro que deve correr Brasil a fora, fazendo circular uma obra de pioneirismo que deixará frutos onde tiver leitores.

Rio de Janeiro, outubro de 2020