É preciso repetir sempre: ninguém pode se dizer enganado pelo capitão, que de tudo pode ser acusado, menos de estelionato eleitoral. O que seria sua presença no Planalto foi antecipado pela folha corrida de mau militar (qualificação que deve ao general Ernesto Geisel) e pela gritante mediocridade de seus 30 anos de vida parlamentar. Eleito, empossado, reiterou seus compromissos com o atraso em reunião com representantes da ultradireita dos EUA, quando anunciou o projeto de desconstrução do país. É esta sua faina, e dela já colhe frutos, com o colapso da economia, a desmontagem do Estado nacional desenvolvimentista, o achincalhe da política externa e a derruição da educação pública – esses, apenas os pontos mais destacáveis de sua razia contra os interesses nacionais, que abrange ainda ciência, tecnologia e inovação, a cultura de um modo geral, o meio ambiente e, pari passu, a montagem de um Estado autoritário presidido de forma autocrática e personalista. Trata-se de governo cuja sustentação depende da continuidade da “Pauta Guedes”, de que depende a continuidade do apoio do “mercado”, mais especificamente dos rentistas da Avenida Paulista que se reúnem em torno da FIESP, outrora uma casa de industriais, hoje habitada por suicidas a médio prazo.

Mas a “Pauta Guedes” e seu neoliberalismo paleoconservador dependem do aprofundamento do autoritarismo político encarnado pelo inefável capitão.

A recuperação econômica prometida se transforma em recessão e avança o processo de desindustrialização. Segundo a CNI, a capacidade instalada da indústria esteve em junho último ociosa em 22,8%, o que já era visível na assustadora quantidade de máquinas e equipamentos parados nos parques fabris, ao lado de altos estoques à espera de um reaquecimento do consumo que não chega, como não chegam os investimentos privados, já que os públicos foram cortados por caturrice ideológica: as quedas dos investimentos em infraestrutura e habitação – setores que empregam elevados contingentes de mão de obra – são responsáveis, respectivamente, pela redução de 20% e 21,2% da produção, fechando uma alternativa para a alimentação da economia e recuperação do mercado de trabalho.

 Os números indicam a queda, sem precedentes históricos, dos gastos em máquinas, inovação e construção civil (espelho da recessão da indústria), que viu sua participação no PIB cair para 7,5%, seu pior indicador nos últimos 70 anos, só comparável com os 6,9% de 1948.

Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base – termômetro da indústria –, a chamada formação bruta de capital fixo, tradicional prenúncio de recuperação, está 24,8% abaixo do nível registrado em 2014.

Se a economia brasileira sofre os efeitos da depredação do neoliberalismo à la Paulo Guedes, as ameaças que chegam de fora se assemelham a um verdadeiro tsunami, pois a economia global deve crescer abaixo de 3% (contra os já baixos 3,6% do ano passado) e a crise de acumulação do capitalismo, agravada pelas tensões geopolíticas e pela guerra comercial entre EUA e China, indica a queda dos investimentos de um modo geral, mas muito particularmente nos chamados emergentes, e dentre estes punindo aqueles países administrados de forma tresloucada como atualmente é o nosso caso. Já há economistas falando em “recessão técnica global”. A expectativa no curto prazo, em função desse quadro,  é a queda dos preços das commodities (principalmente petróleo e minério de ferro), atingindo-nos diretamente.

Em meio a cenário tão sombrio, o capitão se comporta em nossas relações externas  como macaco em cristaleira.

Se imiscui na política interna da Argentina e assim desde logo se indispõe e indispõe o Brasil com o provável vencedor das eleições de outubro próximo, dessa forma pondo em risco nossos interesses  junto ao país vizinho, nosso maior importador de manufaturados e nosso principal sócio no Mercosul, bloco também ameaçado pelo futuro incerto das relações diplomáticas e comerciais de seus dois principais sócios.

Mal saído o país das negociações com a OCDE – que ainda dependem do Parlamento Europeu – o capitão menospreza o ministro das Relações Exteriores da França, ameaça o Acordo de Paris, grato aos europeus, e, distribuindo grosserias contra a Alemanha e a Noruega, assume o papel de conivente com o inegável, e criminoso, desmatamento da Amazônia. As represálias estavam a caminho e não demoraram a chegar na forma de corte de subsídios aos fundos de proteção da região, e outras sanções são cogitadas.

A única linha reta dessa politica externa desastrada é a subordinação aos interesses da Casa Branca de Trump, em nome do que o capitão põe em risco as relações com a China, nosso principal parceiro comercial e o maior importador de commodities brasileiras, e fragiliza nossas relações com os países árabes, importantes parceiros com os quais desenvolvemos, há décadas, políticas de mútua e profícua aproximação comercial. E em todos esses campos, inclusive na Argentina, como na África, recuando, para supostamente agradar a Trump, terminamos por ceder espaços à China em sua diplomacia comercial e deixamos de colher eventuais dividendos da disputa entre as duas potências comerciais.

Na suposição de estar agradando a Trump, o capitão se recusa a renegociar com a Venezuela o que o Brasil tem a receber por obras já realizadas, ao preço de um prejuízo de R$ 4 bilhões.

Na sequência da subserviência, à qual o Senado Federal ameaça associar-se, Bolsonaro quer fazer de seu filho Eduardo embaixador brasileiro em Washington. O projeto é imoral, não apenas pelo nepotismo, e muito menos porque o 03 não é diplomata da carreira, pois fora da carreira tivemos embaixadores exemplares como Oswaldo Aranha e Walther Moreira Salles, para citar dois entre muitos nomes. É imoral porque o rapaz é despreparado para o cargo – para o qual não basta saber fritar hambúrguer e supostamente ser amigo do rei – e constituirá mais um vexame para a diplomacia brasileira.

Já não bastaria para nossa vergonha o chanceler Ernesto Araújo?

No estrito plano interno, o capitão vai consolidando o Estado autoritário e nele uma presidência autocrática e personalista voltada para proteger familiares e amigos e perseguir inimigos ou aqueles que elege como tais, como os governadores do Nordeste. Ou ainda aqueles que por ofício podem interferir em seus planos, e só assim se explica a intervenção pessoal em órgãos de controle como a Receita Federal, o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras (reestruturado) e a Polícia Federal, nesta demitindo o delegado superintendente no Rio de Janeiro, cujas investigações chegaram às famosas milícias e suas conhecidas relações com políticos fluminenses, entre os quais estaria seu filho, o  ex-deputado estadual  e agora senador Flávio Bolsonaro, de cujo gabinete desapareceu o assessor Fabrício Queiroz, acusado de operar a chamada “rachadinha” – como é conhecida a prática, ilícita, de funcionários repassarem aos parlamentares parte dos salários.

O bolsonarismo no governo, em suas duas pontas, o autoritarismo político e o liberalismo econômico – somado às inabilidades do capitão, que não compreendeu nem compreenderá as limitações constitucionais e éticas de seu mandato–, oferece as condições objetivas para a reação oposicionista, pontual e programática, reunindo questões concretas, como a defesa do emprego e o combate à violência, a questões de princípio, ingentes mas ainda pouco percebidas pelo conjunto da sociedade, como a defesa da democracia e da ordem constitucional, contra a qual o governo conjura diariamente.

A oposição, porém, não caminhará um palmo se não tiver competência para construir uma ampla frente nacional – politicamente mais ampla que o conjunto dos partidos – e assim retomar as mobilizações populares, sem as quais não avançarão nem o combate ao governo nem a defesa dos interesses nacionais. Se a oposição, para valer, precisa constituir-se como frente ampla, não há frente ampla sustentável sem base popular.