por: Raymundo Costa
O ex-senador Marco Maciel costumava dizer que na política brasileira tudo pode acontecer, inclusive nada. Esse será o caso de Lula, cujo registro da candidatura a presidente será pedido amanhã pelo PT à Justiça Eleitoral. O ex-presidente ainda acha que tem chance de disputar pela sexta vez o Palácio do Planalto, nas eleições marcadas para 7 de outubro. É mais que improvável, é praticamente impossível. Mais cedo ou mais tarde o Judiciário veta o nome de Lula com base na Lei da Ficha Limpa. O PT terá então que recorrer ao substituto.
Seria Jaques Wagner, mas o ex-governador da Bahia já não esconde de ninguém o temor de que está a um passo de ser preso: ele vem sendo investigado, não sabe qual será a conclusão do inquérito, e ser levado pela Polícia Federal a esta altura seria o pior para o PT e a campanha presidencial do partido. Uma comitiva de deputados petistas chegou a ir a Bahia para tentar demovê-lo. Em vão. O substituto será o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Substituto, não. Representante.
Se Lula estiver certo e o TSE permitir sua candidatura, o nome para a vice-presidente na chapa do PT será trocado. Sai Haddad e entra a deputada estadual Manuela d’Ávila, do PCdoB do Rio Grande do Sul. O ex-prefeito será ministro de um futuro governo do PT, se o partido evidentemente ganhar a eleição. Mas se tudo ficar como está, o candidato será Haddad. O que o PT agora espera de seu ex-prefeito é que ele esteja pronto para o que for o melhor para o partido e para Lula. Uma espécie de soldado do partido.
O desafio de Haddad é substituir e não só representar Lula
De acordo com um petista bem graduado, Haddad vai falar por Lula, será orientado por Lula e cumprirá, se eleito, um programa que é o programa do Lula, do PT e da esquerda democrática do país.
Em 2014 quem votou em Dilma Rousseff esperava levar um ministro da Fazenda como Nelson Barbosa, mas acabou levando Joaquim Levy, numa mudança de rumo que deixou desorientados os eleitores e a militância do partido.
Em 2018 o PT espera que Haddad seja o porta-voz de Lula e do partido. Pode mais uma vez se decepcionar, pois é líquido e certo que o eleito, mesmo se for Haddad, terá de fazer um acerto gigantesco nas contas públicas que exigirá cortes bem mais profundos do que o partido pretende admitir em campanha eleitoral.
O programa do PT tem muito falatório de esquerda, mas algumas intervenções bem vistas pelo mercado. Gato escaldado, a esquerda petista responde que o mercado existe, faz parte da economia e precisa funcionar. O que não pode é haver um governo dirigido pelo mercado, como entendem ser o caso da gestão do presidente Michel Temer.
O PT espera que já nos primeiros dias de um eventual governo Haddad, teleguiado por Lula, seja suspensa a privatização da Eletrobras, a compra do controle da Embraer pela Boeing e recuperados os projetos petistas na área de petróleo e gás. Isso sem falar na óbvia revogação da “emenda maldita”, como chamam a PEC do teto de gastos, sob pena de congelamento dos investimentos em geral.
Nos governos Lula e Dilma, o PT sempre ameaçou com a aprovação de uma lei para regulamentar o funcionamento dos meios de comunicação, uma espécie de controle social da mídia que nunca foi adiante inclusive por decisão do próprio ex-presidente da República, mas também pela influência de ministros como Paulo Bernardo. Agora, segundo se assegura na cúpula petista, mudou o sentimento de quem vai governar, se for eleito. O PT não consegue deixar de ver cumplicidade entre Judiciário e os meios de comunicação numa tentativa de ser um poder acima do Executivo e do Legislativo.
O sujeito oculto é bem visível: a Operação Lava-Jato. Haddad eleito é Lula solto. Os candidatos do PT procuram não falar em indulto ou anistia. O provável candidato presidencial também ainda não foi chamado a ter um posicionamento claro sobre o assunto, até mesmo porque nem sequer pode ainda ser chamado de candidato. O que se fala em atividades eleitorais do PT é que Lula, ao contrário de outros, está preso injustamente e Haddad vai ajudar para que seja posto em liberdade.
Na prática, a liberdade de Lula será a liberdade do ex-deputado Eduardo Cunha, entre outros presos que alegam a presunção de inocência e questionam que foram privados da liberdade sem que todas as instâncias de julgamento fossem esgotadas. A demanda em relação ao Judiciário e aos meios de comunicação, sem dúvida, estará na ordem do dia de um eventual governo Lula, mais do que nos quatro mandatos anteriores do PT.
“Lula é Haddad, Haddad é Lula”. O slogan testado pelo PT não é uma unanimidade no partido. Quem entende do riscado, experiente de muitas campanhas, afirma que será muito difícil para alguém como Haddad se equilibrar em cima de uma frase como ‘não é necessariamente o que eu penso é o que pensa Lula, e eu estou aqui cumprindo esse papel’. Não combina com a personalidade do ex-prefeito. E na campanha chegará uma hora em que será encostado contra a parede: afinal quem será o presidente, Lula ou Haddad? Se for um representante em vez de um substituto, problemas à vista.
Líderes petista lembram que nas eleições de Dilma sempre tiveram uma reação positiva quando alguém dizia que Lula é quem mandaria no governo da presidente. Pode ser. Mas o normal quando se apoia alguém é engrandecer o apoiado. A ideia segundo a qual ele está apenas cumprindo uma missão não dá votos, pelo contrário, tira-os.
No caso específico do PT, a paixão que Lula imprime no cenário é grande, mas talvez não seja suficiente para iluminar o poste. O PT nunca venceu a eleição presidencial no primeiro turno e, na última delas, em 2014, por muito pouco não perdeu a cadeira principal do Palácio do Planalto para o PSDB de Aécio Neves. Ainda mais se o candidato for visto pelo eleitorado apenas como mero “representante” do ex-presidente Lula. Mas é o que tem para o jantar. Não há outra alternativa.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras