por: Sérgio Sérvulo

Raramente a petição inicial de uma ação (civil, ou criminal), é dirigida a um juiz determinado. Nas pequenas comarcas, é claro, havendo um só juiz, a petição a ele é dirigida. Mas havendo mais de um juiz, a petição é dirigida à autoridade judicial encarregada de distribuí-la, aleatoriamente, a um dos juízes. Isto significa que o autor da ação não pode escolher, um juiz da sua preferência, para julgar o seu desafeto. Nem se poderia dizer algo assim: Estão acontecendo, nesta comarca, muitos casos com o supermercado Ideal. Então, vamos distribuí-los todos ao juiz da 13ª. Vara, com o que se ganhará praticidade.

Falar em juiz natural é falar em competência do juízo. Um juiz não pode escolher os casos que vai julgar. Ele não pode dizer: interesso-me por casos de corrupção, ecintão quero julgar os casos de corrupção desta comarca. É bem para isso que a justiça é cega: para não fazer acepção de pessoas.

Como se fixa a competência? Na lei processual. O primeiro critério para determinar qual o juiz competente para julgar uma ação é o lugar: o lugar da coisa litigiosa, o lugar da infração, o lugar do domicílio do réu. Assim, o juiz natural do ex-presidente Lula é qualquer um dos juízes de São Bernardo do Campo, a quem seja distribuída, aleatoriamente, uma ação contra ele. Mas, na ação seguinte, já será outro o juiz natural. A competência não se perpetua.

Além da competência territorial (ratione loci) há também a competência determinada pela matéria (ratione materiae). Por exemplo: a justiça federal só julga questões de interesse do governo federal, e essas são as questões indicadas no art. 109 da Constituição.

Pois bem, nenhum dos incisos desse art. 109 contempla um tipo de ação como a julgada por Moro contra Lula. Moro justificou-se: Lula era um agente público federal; se ele ainda fosse presidente, seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal; não o sendo mais, deve ser julgado pela justiça federal (v, item da sentença). O sofisma é claro: apesar do nome, o Supremo Tribunal Federal não julga apenas ações ou recursos de interesse do governo federal. E se Lula fosse presidente, a competência do STF, no caso, não teria sido determinada pela matéria, mas por prerrogativa de função (o que se costuma chamar de foro privilegiado). Por outro lado, nem toda ação em que seja réu um agente público federal (por exemplo, a que trata de um acidente de trânsito) é da competência da justiça federal. De modo que Moro era incompetente para julgar essa ação contra Lula, o que significa que o TRF-4 deveria ter decretado a nulidade da sua sentença.

O que fez o TRF-4? Ante as razões recursais de Lula, limitou-se a repetir, nessa parte, a sentença de Moro. Ou seja, à inconstitucionalidade da sentença (a Constituição diz que todos têm o direito de serem julgados pelo juiz competente), acresceu a negativa de prestação jurisdicional (a que tem direito todo recorrente) e a falta de fundamentação da sua decisão (o que a faz nula, nos termos da Constituição).

Alguém dirá: não acredito no que você está dizendo, porque o Tribunal decidiu por 3 x 0. Ora, teria sido 1.000 x 0, se os julgadores fossem aqueles mesmos que, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula, se disseram favoráveis à prisão após a decisão condenatória em segunda instância. E ainda tiveram a cara de pau de chamar como “nota técnica” o seu manifesto aberrantemente político.

O que importa não é o número de juízes que decidem. O que importa são as razões que fundamentam os seus votos, quando se dignam a externá-las.

Se Moro era incompetente, sua sentença é nula, e a prisão de Lula é ilegal. O Estado brasileiro está cometendo, contra ele, uma violência irreparável, com o apoio dos que a aplaudem.