por: Fernando Brito, no Tijolaço

Hoje, nas páginas de opinião de O Globo, o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – ou seja, formador das mentes dos juízes – diz que vão longe os tempos em que “juiz só julga, fala apenas nos autos e jamais emite opinião”. E defende um juiz “proativo” – isto é, que toma iniciativas – e que ” não pode ficar alheio aos movimentos da sociedade em prol de mudanças”.

Diz que é imaginação que o Judiciário seja “uma casta privilegiada” que vive “como verdadeiros deuses” e usufrui as benesses de uma “caixa-preta” e, portanto, homens e mulheres que partilham a vida comum da sociedade, estão sintonizados com um suposto “anseio coletivo”.

O Doutor que me perdoe – embora perdoar, antes bonito, seja hoje “um pecado” – mas, embora possa haver juízes e juízas com alta sensibilidade social e espírito igualitário, os senhores e o Ministério Público são, sim, uma casta de privilegiados, que vivem como verdadeiros deuses e usufruem de um “caixa-preta” cujo conhecimento que um dia os levará a graus de popularidade semelhantes aos de Maria Antonieta. (Antes que o senhor tenha a reação de seu colega Sérgio Moro com a citação a Savonarola, esclareço que é uma metáfora).

Por que?

Instigado pelo comentário de Maria Cristina Fernandes, do Valor, feito ontem na CBN (coloco no próximo post ), fui atrás da tese de doutorado da jurista Luciana Zaffalon. Disponível aqui, encontrei um longo e meticuloso trabalho sobre os perfis carcerários e da administração da Justiça, que desemboca nas relações entre o sistema judicial e os governos tucanos, uma completa simbiose.

Lá, há este gráfico dos vencimentos médios do Ministério Público – por falta de transparência, não há o mesmo detalhamento em relação aos juízes, mas certamente se assemelha – que é estarrecedor.

97% dos membros do MP paulista ganham mais que o teto constitucional ( constitucional, Doutor, vem de Constituição, aquela “leizinha”). Para evitar dúvidas, transcrevo, lotralmente, o texto da pesquisadora:
Verificamos que 1.860 das 1.920 matrículas que constituíram o universo da análise registraram rendimentos mensais médios acima do teto constitucional em vigor no ano de 2015, de R$ 33.763,00135. Apenas 60 registros dos 1.920 não superaram esse valor (3,1%). O rendimento médio mensal dos membros da carreira do Ministério Público em 2015 foi de R$ 46.036,30, sem contabilizar 13º salário e férias.

Frise-se, sem contabilizar 13º salário e férias. E, mesmo sem poder detalhar os dados, o trabalho mostra que, pelos dados do Conselho Nacional de Justiça apontavam valor semelhante em relação aos juízes paulistas, em relatório que indica o valor de R$ 45.906,00 o custo médio por magistrado, em 2015.

Luciana Zaffalon faz uma comparação para que se possa comparar quem ganha mais do que o teto constitucional: 0,08% da população do Brasil e 0,10% no Estado de São Paulo, segundo dados da Pesquisa Nacional por Análise Domiciliar (Pnad).

Se isso não é uma casta, joguem-se fora todos os livros de sociologia e antropologia, porque nada mais será.

E, embora não se possa dizer que todos os indivíduos são iguais, é evidente que isso os põe a observar o povo brasileiro sob sua ótica de casta.

As castas, há 200 anos escreveu Victor Hugo – leitura que hoje deve provocar urticária nos juízes brasileiros – “têm as suas idéias, que são os seus dentes”.

Por favor, Doutor, retome o que ouviu de um velho magistrado e peça aos seus alunos que “”juiz só julga, fala apenas nos autos e jamais emite opinião”.

Boca fechada não mostra os dentes.